Um cidadão com nível universitário tem dificuldade de entender os autos de qualquer processo judiciário. Que dirá um cidadão comum? O motivo é a linguagem usada nesse tipo de texto, inacessível aos que não têm conhecimento do “juridiquês”. A linguagem inacessível se estende aos dados públicos, panfletos, placas, contratos bancários, entre outros. “É um absurdo!”, comenta a jornalista Heloísa Fischer. Há três anos, ela se dedica ao estudo de Linguagem Simples, movimento que reivindica uma escrita simples e objetiva para facilitar a compreensão dos leitores.
O movimento tira a responsabilidade do leitor e luta em prol de uma mudança na forma como a informação é escrita. No ano passado, Heloisa lançou o livro “Clareza em textos de e-gov, uma questão de cidadania”. Ela é responsável também pelo site Comunica Simples, um dos pioneiros em linguagem simples no Brasil. E estuda a compreensibilidade textual de serviços públicos online. O interesse pelo assunto começou quando Heloísa teve que pegar um ônibus na Zona Sul do Rio de Janeiro. “Houve uma mudança nas linhas de ônibus da cidade, tudo feito na calada da noite. Me deparei com um cartaz ridículo que não informava nada. Fiquei 15 minutos tentando entender o que tinha acontecido e não entendi”, relembrou.
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Veja o que já enviamosRevoltada, descobriu, por meio de uma conversa com o namorado, a existência do movimento Plain Language, que é corriqueiro em muitos países. Na Inglaterra, por exemplo, existe uma campanha desde 1979 para o uso de um inglês sem jargões e palavras poucos usuais a fim de evitar informações imprecisas. A Irlanda é o país que mais se preocupa em usar um inglês comum em documentos públicos e financeiros.
Por aqui, existe um projeto de lei tramitando na Câmara Municipal de São Paulo para instituir uma política municipal de linguagem simples. O projeto visa a instaurar a clareza em todos os atos da administração pública e promover a transparência, inclusão e participação da população na gestão pública.
“Um movimento só vira um movimento se a população se engajar. Queremos uma resposta do lado de cima, mas eles vão se esforçar para fazer algo sozinhos? Temos que reclamar! Esse negócio tem que ser feito por nós, temos que nos mobilizar”, critica Heloísa. “Estudo o assunto há dois anos e ainda procuro entender se é um negócio de impacto social, um ativismo, um lugar de difundir informação ou de consciência crítica.”
Heloísa conta que já se ofereceu para reescrever um panfleto para um hospital. O documento trazia recomendações para evitar o contágio de infecções hospitalares. “Tem situações que você não pode complicar a linguagem. O indivíduo tem que saber que não pode comer a comida do paciente. Não adianta falar ‘Evite desfrutar da alimentação do indivíduo sob os nossos cuidados’, tem que ser claro.”
Quando questionada se a reivindicação não tem um tom paternalista, a jornalista responde: “A Linguagem Simples é uma aliada de quem vai ler. Não é algo do tipo: “eu vou explicar pra você o que você não está entendendo”. Na verdade, é: “Dá para passar essa informação de forma objetiva?”. Poderíamos substituir o claro pelo objetivo. “Objetivamente, qual o fato que você quer passar?”, “Quanto eu tenho que pagar de juros se eu atrasar essa parcela?”, “Qual o dia da vacinação?”.