Quando surgiram, lá se vai quase uma década, os aplicativos orientados por geolocalização ainda eram uma promessa de felicidade. Muitas iniciativas não emplacaram – como fazer check-in em lugares públicos para saber se ali estava alguém que você conhecia –, e outras deram muito certo. O sucesso mais evidente da geolocalização está no apoio à mobilidade urbana, esse problema contemporâneo que assola, eu diria mesmo destrói, as grandes cidades. Projetadas para dar cada vez mais espaço aos carros, em que pesem as tentativas de estímulo ao transporte alternativo, como a bicicleta, ou os duvidosos investimentos em transporte público, as metrópoles se tornaram lugares em que locomover-se é tarefa cada vez mais complexa, a exigir cada vez mais tempo.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”solid” template=”01″]O Rio de Janeiro está organizado em grandes vias expressas que não dão conta do fluxo de automóveis, mas se um aplicativo começar a mandar os automóveis passarem, por exemplo, pela pacata rua Benjamin Batista para fugir do fluxo da rua Jardim Botânico, para mim está claro que a geolocalização estará prestando um desserviço ao trânsito, ao bairro e à cidade.
[/g1_quote]Antes dos Waze, as grandes rotas da cidade já eram cheias de gatilhos, usados pelos motoristas “espertos” para ganhar uns poucos minutos e prejudicar o fluxo. É assim, por exemplo, na subida do elevado do Joá, sentido São Conrado. Todos os dias os motoristas vêm pela pista lateral auxiliar e promovem um nó na pista de subida. A duplicação do elevado dificilmente vai conseguir corrigir esse comportamento predatório. O mesmo acontece no acesso à pista lateral da avenida Francisco Bicalho. Quem desce da Ponte Rio-Niterói precisa passar para a pista da direita, esteja a caminho da Tijuca ou do elevado Paulo de Frontin. Diariamente forma-se ali duas fileiras para entrar em uma agulha onde só passa um carro de cada vez.
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Veja o que já enviamosComo geolocalização não dá conta da péssima cultura do motorista carioca, e como particularmente a Zona Sul da cidade tem suas vias sobrecarregadas, o Waze promete facilitar o ir e vir cotidiano de quem ainda se atreve a dirigir e se tornou o queridinho dos cariocas, inconformados com o chamado caos no trânsito. Relutei em começar a usá-lo, em grande parte por conhecer as ruas e trajetos que pretendia fazer, e em outra medida por ter lá minhas idiossincrasias em relação aos caminhos a percorrer. Aos poucos, constatei que taxistas ou motoristas de Uber pareciam estar se beneficiando das informações fornecidas pelo aplicativo (a rigor, os dados de satélite são os mesmos fornecidos pelo google maps, mas a interação com o usuário é melhor). Decidi testar. E descobri que o Waze é um forte aliado do motorista carioca “esperto”. Explico: há uma diferença entre sugerir rotas alternativas e oferecer atalhos capazes de atrapalhar o que seria o fluxo normal de veículos. Exemplo: se você está na Barra da Tijuca, vai querer saber se é melhor atravessar o Túnel Dois Irmãos ou a Avenida Niemeyer. Se você está num bairro como Ipanema, vai se valer da geolocalização para decidir se pega a orla ou a Lagoa Rodrigo de Freitas para chegar ao centro. São grandes rotas que podem estar mais ou menos congestionadas. No entanto, se você está na Avenida Borges de Medeiros em direção ao Túnel Rebouças e o aplicativo sugere um atalho, como sair para a rua Alexandre Ferreira e voltar depois do retorno da Rua Maria Angélica, o Waze está alimentando a lógica do carioca esperto e contribuindo para formar um acúmulo de entradas de carros no retorno, piorando o trânsito na Borges de Medeiros. É um atalho predador.
É óbvio que não pretendo pregar o fim do Waze ou o seu abandono. Estou pensando nos seus impactos negativos a partir da minha experiência de usuária e motorista apenas no Rio de Janeiro. Para cidades mais complexas, como São Paulo, talvez a minha crítica nem se aplique. Mas para mim há de fato uma questão no uso do app: até que ponto vale a pena “obedecer” à rota sugerida? De uma forma geral, tenho preferido, sim, o transporte público, sobretudo o metrô, aquele que não ficará pronto para as Olimpíadas. Mas quando é necessário se deslocar de automóvel, é necessário também ter em relação às instruções do Waze um sentido crítico.
O Rio de Janeiro está organizado em grandes vias expressas que não dão conta do fluxo de automóveis, mas se um aplicativo começar a mandar os automóveis passarem, por exemplo, pela pacata rua Benjamin Batista para fugir do fluxo da rua Jardim Botânico, para mim está claro que a geolocalização estará prestando um desserviço ao trânsito, ao bairro e à cidade. Por fim, é óbvio também que, em se tratando do Uber, seguir o caminho indicado pelo Waze parece ser a única forma de os motoristas atenderem seus passageiros, já que praticamente todos desconhecem completamente as ruas do Centro e da Zona Sul, tornando muito pertinente a pergunta feita pela minha filha: em que cidade vivem os motoristas do Uber?
Muito boa a matéria que reflete sobre o uso que o carioca tem dado ao aplicativo, sobre o seu caráter de elemento agravante do trânsito em razão da prática da “esperteza” que domina a mente muitos motoristas. Concordo em gênero, número e grau com a crítica a este comportamento que reflete um absoluta falta de educação cívica, a desconsideração absoluta do respeito aos demais. Ao fim do texto, lendo a qualificação da autora, compreendi a razão da sensibilidade ao tema e a objetividade da escrita. Obrigado Carla Rodrigues por verbalizar o que é tão perturbador para tantos, mas que não conseguimos fazê-lo com a sua destreza.
Bom que vc gostou!
Envelheceu mal, hein?