É difícil responder a essa pergunta do título. Pelo menos pelos caminhos oficiais. A Bradesco Seguros, empresa que há vinte anos investe no evento, diz que essa informação é estratégica e não divulga o valor alocado. Também não adianta procurar no Google ou em qualquer outro site de busca. Aparentemente, nas últimas duas décadas ninguém se interessou em saber o custo da maior árvore de Natal flutuante do mundo. Em 2011, uma revista semanal chegou a publicar uma lista com “dez fatos inusitados sobre o ícone carioca”. Nenhum envolvia dinheiro. Inusitado.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]A árvore é uma bela cereja colocada sobre um bolo lindíssimo criado pela natureza. Acontece que esse bolo vem sendo estragado pela poluição há décadas, cheira mal e ninguém faz nada para evitar essa mazela.
[/g1_quote]No site oficial, onde ela é chamada de Árvore de Natal da Bradesco Seguros, é possível encontrar vários números, desde a primeira árvore, em 1996. Todos espetaculares. Só em 2015, antes do acidente que destruiu parte da estrutura, seriam 2,5 milhões de microlâmpadas, 105 km de mangueiras luminosas, seis geradores embarcados, 25 km de estruturas tubulares, 350 toneladas de peso, 53 metros de altura, 17 andares, 11 flutuadores de 12 toneladas, 1.500 pessoas envolvidas.
Talvez essas informações todas possam dar uma pista do tamanho do investimento. Será? Uma pesquisa rápida no Mercado Livre revela que 100 microlâmpadas de LED custam R$ 25,88. A boa e velha regra de três simples indica que 2,5 milhões valeriam R$ 645 mil. Interessante. Vamos em frente. Mais 40 minutos de Google e ligações telefônicas são suficientes para descobrir quase todos os valores: 105 km de mangueiras luminosas, R$ 660 mil; 1,7 mil estrobos, R$ 165 mil; 168 refletores de LED, R$ 128 mil; 25 km de estruturas tubulares, R$ 750 mil; 6 geradores de 500 kVA, 100 kVA e 30 kVA, R$ 70 mil.
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Veja o que já enviamosE se as 1.500 pessoas envolvidas ganhassem 1 salário-mínimo para fazer esse trabalho? Pouco? É verdade. Estamos falando de engenheiros, técnicos, produtores. Mas é melhor ser conservador. Aí teríamos mais R$ 1.2 milhão. Até agora estamos em quase R$ 4,5 milhões. Mas ainda falta muita coisa: flutuadores de 12 toneladas, fogos de artifício, licenças, artistas, área VIP. Fora todo o trabalho de concepção criativa da festa que, certamente, não é barato. E nem deveria ser.
Melhor tentar um outro caminho. A prefeitura deve ter um número. Indagada na segunda-feira, no entanto, não respondeu quanto cobra e nem quanto arrecada com a festa. Que tal procurar alguns dos 1.500 envolvidos? De preferência, aqueles que assinam papéis. Talvez eles tenham um valor mais próximo da realidade. Bingo. Obviamente, ninguém quis se identificar e os dados não são um exemplo de precisão. Afinal de contas, temos vários enfeites nessa árvore: o projeto, a cenografia, a estrutura, a festa, os fogos, a divulgação etc. Mesmo assim, foi possível chegar a algo mais condizente com o tamanho do evento. A festa da Árvore da Lagoa custaria, em média, por ano, alguma coisa entre R$ 9 milhões e R$ 20 milhões. Pronto. E daí?
Quem chegou até aqui deve estar achando que eu não gosto da árvore da Lagoa, que sou daqueles que reclama dos engarrafamentos e da multidão que vai visitá-la. Não é verdade. Todos os anos dou um jeito de ir até lá e sempre me encanto com as luzes e com a beleza dos desenhos. Acho a festa democrática e creio que os carros deveriam ficar em casa para permitir que mais gente fosse, de ônibus, ver o espetáculo.
No entanto, enxergo, pelo menos, dois problemas sérios nesta história. O primeiro é a falta de transparência. Um evento organizado por uma empresa privada, num dos mais belos cartões postais da cidade, deveria ter os seus números abertos. Até para a população poder discutir se é isso mesmo que ela quer. Para mim, por exemplo, a árvore é uma bela cereja colocada sobre um bolo lindíssimo criado pela natureza. Acontece que esse bolo vem sendo estragado, há décadas, pela poluição, cheira mal e ninguém faz nada para evitar essa mazela. Este é o segundo problema.
Há seis anos repousa nas gavetas da prefeitura um projeto que permitiria acabar de uma vez por todas, por exemplo, com a mortandade de peixes. Conhecido como “dutos afogados”, ele uniria o Jardim de Alah ao mar, permitindo a troca subterrânea de água entre o oceano e a lagoa. Desenvolvida pela equipe do professor Paulo Rosman, do Departamento de Engenharia Costeira da Coppe, a proposta chegou a ter o seu EIA/RIMA aprovado e foi objeto de várias reuniões, inclusive com a presença do prefeito Eduardo Paes.
Acontece que, na época, todos esperavam que o então magnata Eike Batista bancasse o investimento. Como todos sabem, há algum tempo que o Eike não banca muita coisa. Poderia ter sido feito com o dinheiro público? Claro. Na verdade, deveria ter sido feito com dinheiro público. Mas os prefeitos que estiveram no posto nos últimos anos tinham outras prioridades. E, afinal, quanto custaria limpar a Lagoa? Cerca de R$ 60 milhões. Talvez um pouco mais ou um pouco menos, dependendo da velocidade da obra. E essa é outra boa notícia. O trabalho podia e pode ser feito em até 6 meses. Ou seja, se fosse possível começar em janeiro, ficaria pronto antes dos Jogos Olímpicos. O que diminuiria boa parte da nossa vergonha. Para quem não sabe, as águas sujas da Lagoa vão receber as provas de remo e canoagem.
E a árvore? Bem, se ela custa R$ 9 milhões por ano, como dizem alguns, em 20 anos foram gastos R$ 180 milhões. Já se ela custa R$ 20 milhões por ano, ou mais, como garantem outros, essa conta chega a R$ 400 milhões em duas décadas. Daria para despoluir a Lagoa, melhorar a ciclovia, reforçar o policiamento da área e ainda sobraria troco para continuar fazendo uma bela árvore de Natal. O tema deste ano poderia até servir de inspiração: “Natal da Renovação”. Que tal renovar os valores, os conceitos e as prioridades e investir de verdade neste patrimônio da cidade?
Caro Agostinho,
Não tenho certeza, mas sempre achei que o investimento da árvore de Natal da Lagoa era via incentivo fiscal, o que fortaleceria ainda mais seu argumento de que há coisas mais importantes a se fazer com esse dinheiro. Mas você não cita isso. Afinal, não é via incentivo?
Um abraço e parabéns pelo projeto #Colabora!
Bia, este é um ótimo ponto que não foi abordado no texto. Vou procurar novamente a Bradesco Seguros e a prefeitura e ver se eles esclarecem esta questão. Abrs e obrigado
Caro Agostinho,
Eu também gosto da árvore de Natal da Lagoa, razão para ter gostado muito da sua matéria, pelas duas questões muito pertinentes que levanta e transborda para a sugestão de renovar o conceito deste “presente de Natal” para a cidade. Refletir sobre o que seriam os melhores benefícios. Incluir a cidade, o local e os cidadãos na contabilidade me parece muito interessante. Para a empresa, nada é melhor que o marketing, que a publicidade gratuita nos principais meios de comunicação, sempre noticiando a quebra de recorde anterior. Mesmo que não hajam incentivos fiscais, como levantado pela Bia Martins, concordo que a falta de transparência macula o brilho da joia e impede que a sociedade pense na relação custo benefício, comparando com as necessidades visíveis e sabidas. Parabéns! Sem dúvida colabora para racionalizar os recursos e tocar na pauta da sustentabilidade.
Eu também adoro árvores de Natal e a da Lagoa é motivo de orgulho para boa parte dos cariocas. Fiquei triste ao saber que a natureza cobrou a conta, afetando o maior monumento do Natal carioca. Entretanto, considero esse artigo muito importante por jogar luz sobre um tema obscuro e que deveria, como disse o autor, ter maior transparência. Esse é o tipo de jornalismo que está faltando na mídia tradicional: a busca por resposta para perguntas simples mas cada vez mais necessárias.
Excelente texto!
Aborda o tema de forma objetiva e lança uma luz sobre o assunto incentivando uma reflexão crítica.
Infelizmente nossos cidadaos, em sua grande maioria, devido a péssima educação de nosso sistema de ensino não são criticos e pró-ativos como você e aceitam tudo que lhes é “empurrado” sem refletir sobre o assunto.
Fica a pergunta : qual é a prioridade? Lagoa enfeitada ou despoluída?
Parabéns pela luta por uma sociedade melhor!
Otima reflexao!
Importante quebrar paradigmas…
Ja imagino a resistencia à proposta…se o valor gasto em 20 anos daria para despoluir 3 vezes, entao o gasto em 6 ou 7 anos somaria o necessario para 1 despoluicao. Isso envolve os mandatos de 2 governadores, 2 prefeitos e ate 2 presidentes, ou seja, complicado…mas nao impossivel…especialmente se uma empresa como o Bradesco encampasse (outra dificuldade, afinal, a arvore aparece, a despoluicao nao, haja incentivo fiscal ou nao, municipal, a despesa com a arvore é de marketing, ou seja, permite deducao no IR da empres, e assim 34% do investimento retorno como IR que deixa de ser pago).
Mas é um projeto que a.sociedade deveria sem duvida EXIGIR..!
Como.tambem deveria exigir a Copa das Escolas e a Olimpiada dos Hospitais, pois se o Brasil é capaz de encontrar uma formula para receber aqueles dois eventos esportivos terá de haver uma formula para viabilizar tais transformacoes de forma definitiva, ainds que isso leve 4,5,6,7 ou 8 anos…..
Nao podemos é assistir calados ao um Museu do Amanha ao custo de R$200milhoes (ou mais) enquanto as emergencias nao tem luvas nem medicos, e as escolas nao tem vagas suficientes e pagam salarios miseraveis aos professores. Assim nosso amanha será realmente um “objeto de museu”
A lógica argumentativa do texto é perfeita, só é preciso relativizar alguns pontos. Lendo o texto e os comentários, a Bradesco Seguros é pintada quase como insensível, egoísta e preocupada apenas com o marketing. Vocês conhecem o projeto da Fundação Bradesco? Só no ano passado mais de 105.000 crianças foram beneficiadas no país com estudo de qualidade e totalmente gratuito. Estamos falando da formação escolar de base para crianças de comunidades carentes. Mais de 4 Bilhões foram investidos nos últimos 10 anos na Fundação. Um papel que não cabe à iniciativa privada, mas escrever um belo artigo sobre isto não traz audiência. A Árvore da Bradesco é o terceiro evento do RJ, atrás apenas do Réveillon e do Carnaval. É um evento, com conceito extremamente familiar, com objetivo de trazer esperança, entretenimento, um alento à cidade. Se formos seguir a lógica do artigo devemos cancelar o Carnaval para investir na segurança e revitalização da região, cancelar o Réveillon para tirarmos todos os menores de rua de Copacabana… Não que estas coisas não devam ser feitas: elas devem! Mas não podemos misturar alhos com bugalhos. É como a lógica argumentativa: “por que o ser humano gasta bilhões procurando água em Marte se há pessoas morrendo de sede no planeta?”. Porque a exploração espacial, a pesquisa científica, o lazer, o entretenimento, e o que for vão continuar independente das nossas mazelas. Provavelmente o autor deste texto não questiona os salários milionários dos jogadores de futebol de seu time de coração, e as empresas que estampam suas Logomarcas nas camisas com patrocínios milionários em vez de solucionarem as mazelas do povo. Entendem a questão? Vamos parar o mundo todo, e não escolher um bode expiatório. Star Wars arrecadou quase 1 bilhão de reais. Custou centenas de milhões. E você gastando dinheiro com cinema, em vez de ajudar um orfanato? Prioridades meu amigo. Repito: a lógica do texto é perfeita, mas é preciso relativizar está discussão para evitar comportamentos hipócritas.
Caro, Isso é mega triste! Terrível a forma como somos governados… A Constituição que tanto amo e por ela sempre amei o direito… rasgada dilacerada completamente desprezada… E de tantas formas diferentes que dói! Existe um princípio que é o da legítima confiança, que decorre diretamente da ideia de Estado Democratico de Direito e representa exatamente o fato do administrado crer no administrador, e há presunção de legitimidade em seus atos, claro que não são absolutos e comportam provas contrárias. Tal princípio se extrai de inúmeros outros princípios constitucionais e administrativos como da TRANSPARÊNCIA, da BOA-FÉ, e tantos outros… Tão maravilhosos nos livros de direito! E absolutamente utópicos no Brasil! Há em mim, ao ler tais notícias (além das tristes e terríveis histórias que recebo em meu escritório, no atuar em defesa de tais princípios administrativos e constitucionais) um misto de dor e revolta! Construir e reconstruir árvore que é enfeite de natal, quando a sociedade nitidamente clama por inúmeras prioridades!?!? E NATAL!? E o que é aquilo de um tal de Museu do amanhã? Museu não é sempre de “ontens”? E os que temos não carecem de melhorias? Para que ou para quem é este? E aquela obra idiota no Centro da Cidade? Era uma prioridade a frente de tantas outras existentes? Ainda soube que houve cidades do RJ dobrando financiamentos para o Carnaval! E a crise? Pq atrasar salários, cortar benefícios? E pior benefícios de pessoas doentes e idosas? Benefícios cancelados pelo Rioprevidencia e PreviRio (Estado e Município) que eram pagos há cerca de 20 anos, a pessoa, por exemplo, com paralisia cerebral surdo-mudo com gastrostomia e traqueostomia!!! Que país é esse? Que Cidade é essa? Que seres humanos são esses? A Constituição está sangrando e morrendo aos poucos… Temo pelo futuro dos pequenos, a inaplicabilidade por completo de nossos princípios constitucionais e administrativos! E tenho mais mt mais entalado na garganta! Mt reflexivo o texto. E achei demais a sua busca pelos valores investidos… Obrigada.