Fotógrafo João Paulo Guimarães mostra o que viu e ouviu dos moradores de Itabuna após as cheias que varreram a cidade no Sul do estado.
Itabuna é uma cidade grande cortada por um rio. A cabeceira do rio Cachoeira, no entanto, fica dezenas de quilômetros distante da cidade e uma barragem impede que o grande volume de água invada o município em épocas de cheia.
Chovia há 10 dias sem parar por lá e arredores quando em 26/12 a administração da cidade viu que era necessário abrir seis das sete comportas da barragem pois havia risco de a estrutura vir abaixo com a força e o volume de água.
Os bairros mais atingidos foram aqueles que estão próximos aos rios, pontes e canais.
Rapidamente a água atingiu um volume anormal de quase sete metros nas ruas mais baixas.
A população não entendia o que estava acontecendo e decidiu que a vida era o mais importante quando perceberam que não adiantaria tentar salvar móveis e eletrodomésticos.
Todos que podiam subiram para locais mais altos e os que não conseguiram se abrigar foram resgatados por grupos de pessoas em jet-skis. Algumas casas desapareceram com o aumento do volume.
O nível da água na casa da Marlene, de 64 anos, chegou até a parte branca. “Não teve bombeiros, não teve Defesa Civil e nem político para ajudar”, conta ela, que não quis ser fotografada.
É preciso entender que a água não foi simplesmente subindo, mas sim chegando a uma velocidade que varreu casas, barracos, levou o gado, animais de estimação e arrancou árvores pela raiz.
A destruição em alguns pontos lembra bombardeios de cidades no Oriente Médio como Cabul ou Líbia.
O músico Adilson de Souza, de 58 anos, mora há 38 no Bairro da Bananeira. Tudo que havia em sua casa foi destruído pela água e pela lama. Se recupera de uma pneumonia contraída após a enchente.
Faço imagens de Seu Raimundo em meio ao cubículo que antes era sua casa, posando para que possa registrar sua melancolia diante daquilo que para ele foi o pior dia em seus 68 anos de vida.
A população trabalha agora para limpar suas casas, ruas e reerguer suas vidas.
Enquanto a outra parcela luta para sobreviver debaixo de viadutos e em campos de pouso, morando em barracos de lona e sacos improvisando casas para famílias inteiras com crianças, idosos e grávidas.
Letícia está grávida de gêmeos. É uma das moradoras do campo de pouso do aeroporto desativado de Itabuna. Mãe de outra menina e morando em um barraco que ela mesma teve que aprender a levantar.
A dignidade dessas pessoas não foi algo tomado pela água da inundação. A dignidade para os moradores do Mangabinha, Bananeira, Gogó da Ema e Rua da Palha é um estado de espírito…
…há muito tempo subtraído da vida desse povo que também é invisível graças à cegueira de uma sociedade que estava acostumada a não se sensibilizar com perdas alheias e falta de políticas públicas para a população mais pobre.