DONA
SANTINHA

Texto: Letícia Lopes
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Internada à força em hospitais-colônia, filhas levadas pelo Estado e décadas de isolamento pela hanseníase.

“Eu internei com 16 anos, para 84, quantos anos de internada? Minha vida toda foi colônia, eu não conheci o mundo lá fora”

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Depoimento gravado em 2021.

Por quatro décadas, até os anos 80, a política de combate da hanseníase no Brasil consistia em internar os portadores da doença à força e separá-los da família, inclusive de filhos recém-nascidos. 

“Me pegaram, arrastaram, mas eu era tão boba, como sou até hoje, que ao mesmo tempo eu achei bom porque eu iria botar a minha roupinha nova. Já pensou?” 

Dona Santinha foi levada primeiramente para a Colônia Padre Damião, em Ubá (MG) ainda adolescente. Antes, já vivia isolada da família, e morava sozinha numa casa na zona rural de São João Del Rei.

Foi na colônia que ela conheceu Athaíde, com quem formou uma família. Ela teve duas filhas recém-nascidas levadas à força por agentes de saúde logo após os partos, ambos há mais de cinco décadas

“Nunca dei de mamar, foram tiradas. Levaram para o educandário. Dizem que ficava cada carrão lá para pegar as crianças. Eles falam que elas morreram, mas eu acho que devem ter pego”

Geraldo dos Santos foi o único filho de Santinha e Athaíde (já falecido), que não foi tirado dos pais. Para livrar o caçula do educandário, o casal conseguiu sair da colônia logo após o parto. 

Clique e assista o vídeo na íntegra

“Tô tendo contato com o Geraldo porque eu tirei ele do educandário, se não eu não tinha nem família e, graças a Deus, uma família bonita, né?”

Na adolescência de Geraldo, a família se “mudou” para a Colônia Tavares de Macedo, em Itaboraí (RJ), onde Santinha está há 50 anos. As complicações do diabetes fizeram com que ela precisasse amputar as pernas há alguns anos. 

Em 2021, Santinha falou ao #Colabora que já havia ganhado alta, mas ficou na Colônia, hoje um Hospital Estadual, por não ter para onde ir. Ela preferia não morar com o filho, para “não atrapalhar”. 

“Eu gosto daqui. É a liberdade que a gente tem, todo mundo sabe do problema da gente. Ninguém tem medo. Em Ubá, para receber visita, tinha um balcão, a gente não podia nem dar a mão”

Foto: Colônia Santa Isabel/MG

As colônias ou leprosários, como eram conhecidos, reforçaram o preconceito contra uma doença que deixa de ser transmissível ao ser tratada e tem cura para a maioria das pessoas.

“Eu fico danada da vida porque não pude ficar com meus filhos e agora tem criança dentro da colônia, eu fico triste. Se fosse esse tempo agora, né?”

Dona Santinha faleceu no início de 2022 após uma infecção urinária.

Imagens: Yuri Fernandes
Webstory: Guilherme Leopoldo

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