Felicidade vira curso na UnB

O professor Wander Pereira da Silva, coordenador do curso de Felicidade, dá uma das suas aulas na UnB. Foto JP Rodrigues/Jornal Metrópoles

Disciplina pioneira ensina como é possível escapar da armadilha ilusória promovida pelas redes sociais

Por Sandra Cohen | ODS 15ODS 3 • Publicada em 29 de agosto de 2018 - 08:36 • Atualizada em 29 de agosto de 2018 - 14:45

O professor Wander Pereira da Silva, coordenador do curso de Felicidade, dá uma das suas aulas na UnB. Foto JP Rodrigues/Jornal Metrópoles
O professor Wander Pereira da Silva, coordenador do curso de Felicidade, dá uma das suas aulas na UnB. Foto JP Rodrigues/Jornal Metrópoles
O professor Wander Pereira da Silva, coordenador do curso de Felicidade, dá uma das suas aulas na UnB. Foto JP Rodrigues/Jornal Metrópoles

Tão amplificado pelas redes sociais em registros de viagens, festas e encontros de amigos, o conceito de felicidade acaba se esvaindo na vida real, que exige instrumentos mais sólidos na conquista do equilíbrio e bem-estar. Doutor em Psicologia, o professor Wander Pereira da Silva encara o desafio de ensinar a ser feliz, pela primeira vez em uma instituição pública no Brasil, a Universidade de Brasília.

Em um semestre, com 60 horas, a disciplina equivale a quatro créditos no curso de Engenharia de Software, que fica no campus Gama, o mais isolado entre os quatro da UnB, a 35 quilômetros da capital federal. A realidade do Gama, que engloba as engenharias automotiva, energia, eletrônica, espacial e software, envolve também evasão, depressão e suicídios de estudantes.

Estamos preocupados com a saúde mental no campus e, também, com os índices de evasão. Nossa aposta é que o aluno se questione: o que faz sentido na minha vida atualmente? E descubra as áreas em que precisa investir tempo e esforço

Talvez por isso, assim que abriram as inscrições para Felicidade, a corrida foi grande pelas 240 vagas, todas preenchidas. “Nunca tinha visto uma aula tão cheia. Necessitamos deste debate, os índices de depressão vêm crescendo e recentemente tivemos seis casos de suicídios na UnB”, atesta Guilherme Guimarães Lacerda, de 20 anos, aluno do sétimo período de Engenharia de Software.

“A cobrança na universidade é muito grande, resta pouco tempo para lazer, que fica somente para o período de férias. É preciso humanizar o campus”, justifica Lucas Andrade, de 22 anos, outro inscrito na disciplina.

Guilherme Guimarães Lacerda, estudante de Engenharia de Software, também está no curso de Felicidade. Foto Arquivo Pessoal
Guilherme Guimarães Lacerda, estudante de Engenharia de Software, também está no curso de Felicidade. Foto Arquivo Pessoal

No 10º período do curso de engenharia de software, ele conta que sentia falta de “aproveitar o lado bom da universidade”. Para escapar da pressão, no sexto período, Lucas decidiu, por conta própria, postergar sua formatura em um ano, reduzindo o número de créditos por semestre: em vez das, habituais, seis matérias, ele passou a se inscrever em quatro.

A dificuldade de lidar com a pressão acaba sendo justamente o principal desafio dos estudantes, na opinião do professor Wander, que tem como objetivo desenvolver na turma a capacidade de resiliência. Mas, ele ressalta que a abordagem do curso não é individualizada e descarta o caráter de autoajuda ou de terapia em sala de aula.

“Estamos preocupados com a saúde mental no campus e, também, com os índices de evasão. Nossa aposta é que o aluno se questione: o que faz sentido na minha vida atualmente? E descubra as áreas em que precisa investir tempo e esforço”, explica Wander.

A iniciativa se inspira em experiências bem-sucedidas em Harvard e Yale, que integram a chamada Ivy League, o seleto clube das oito universidades mais prestigiadas dos EUA.  Em Yale, o curso “Psychology and Good Life” tornou-se o mais popular em 317 anos de sua história. Coordenado pela professora Laurie Santos, é também oferecido online pela plataforma de educação Coursera. Ela se surpreendeu com a demanda: 1 em cada quatro estudantes da universidade frequentaram o curso.

“Eu esperava 50 pessoas para a primeira turma, mas tivemos 1.200. Acho que os alunos se sentem frustrados com a cultura estressante da universidade e procuram os passos concretos para se sentirem mais felizes”, conta Laurie.

Os dois professores não acreditam em fórmulas para a felicidade. “É uma condição subjetiva, o sentimento da felicidade é passageiro, precisa ser renovado”, avalia Wander, que fez o curso da professora de Yale pela internet.

“Pesquisas sugerem que há um conjunto de práticas que você pode fazer a cada dia para melhorar significativamente o seu bem-estar. São práticas simples – como ter tempo para agradecer, aprender a ser mais atento e tomar atitudes para ajudar os outros -, mas você precisa fazê-las regularmente para ver um efeito”, complementa Laurie.

Lucas Andrade acredita que é preciso humanizar o campus. Foto Divulgação
Lucas Andrade acredita que é preciso humanizar o campus. Foto Divulgação

No curso de Yale, há trabalhos e prova final; o aluno pode até ser reprovado, embora este não seja o objetivo. Já na UnB, a avaliação final será composta de propostas dos estudantes de ações concretas para gerar felicidade no campus. “Não queremos que os alunos se sintam como cobaias e não podemos condicionar o resultado da disciplina a uma mudança de conduta na vida deles”, explica o professor.

As aulas refletirão a forma como os estudantes manejam as redes sociais, aspecto importante da disciplina da UnB. Seu caráter ilusório funciona também como uma armadilha para uma geração que é nativa e está totalmente inserida no contexto digital.

O estudante Guilherme Guimarães Lacerda observa que são raros os posts de pessoas tristes: “Não convém seguir a tristeza. O Instagram, por exemplo, está longe de refletir a realidade.”  Mas não adianta eliminar esta ferramenta do jovem ou impor a ele uma abstinência digital, assegura o professor responsável pela disciplina.

“As redes sociais não são tolerantes com a tristeza, que é uma condição natural da vida. Vamos ensiná-los a lidar com isso sem exageros e a busca intensa pela aprovação, que só gera ansiedade”, avalia Wander.

Sandra Cohen

Trabalhou de 1983 a 2018 no jornal O Globo, onde ingressou como repórter da Rio. Foi correspondente em Portugal entre 1991 e 1995. De volta ao Brasil, foi editora-adjunta de Mundo e editora dos Jornais de Bairro. Liderou a editoria Mundo entre 2004 a 2018. Em 2017, editou também Sociedade. Atualmente, escreve análises sobre assuntos internacionais para o portal G1.

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