Empresas à ‘esquerda’ de Bolsonaro

Área de desmatamento ilegal, em Marabá, no Pará. Reflorestamento é uma oportunidade para as empresas. Foto Notimex.

Na contramão do discurso oficial, empresários investem U$S 85 bilhões em redução das emissões de carbono

Por Agostinho Vieira | ODS 15 • Publicada em 13 de dezembro de 2018 - 21:31 • Atualizada em 13 de dezembro de 2018 - 21:34

Área de desmatamento ilegal, em Marabá, no Pará. Reflorestamento é uma oportunidade para as empresas. Foto Notimex.
Área de desmatamento ilegal, em Marabá, no Pará. Reflorestamento é uma oportunidade para as empresas. Foto Notimex.
Área de desmatamento ilegal, em Marabá, no Pará. Reflorestamento é uma oportunidade para as empresas. Foto Notimex.

Se o aquecimento global é mesmo uma trama marxista, como prega o futuro chanceler brasileiro, embaixador Ernesto Fraga Araújo, uma parte significativa dos empresários brasileiros está envolvida nesse complô da esquerda. Nos últimos três anos, as empresas brasileiras investiram mais de U$S 85 bilhões em 1.340 projetos para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). As principais ações foram nas áreas de eficiência energética, otimização de processos e na busca por fontes renováveis de energia. Os dados fazem parte de um estudo organizado pelo CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) e apresentado ontem na COP24, que acontece em Katowice, na Polônia.

Temos trabalhado por um Brasil mais sustentável há muito tempo e não vamos mudar agora. Está claro para as empresas que a inovação com foco em uma economia de baixo carbono é uma oportunidade para o país, uma tendência mundial e um diferencial competitivo

O mesmo documento mostra que, entre 2015 e 2016, houve uma redução de 33% nas emissões de carbono de empresas como Alcoa, Petrobras, Unilever, Vale, Coca-Cola e Natura. Parte da queda se deve à crise econômica do período, mas houve também mudanças importantes no processo de produção. Mais de 80% das empresas reportaram ter metas para minimizar os GEE, algumas delas já usando até critérios científicos para estabelecer os seus indicadores. O compromisso brasileiro assumido junto ao Acordo de Paris, em 2015, é de reduzir em 37% as emissões nacionais, até 2025, e em 43%, até 2030, tomando como base sempre os níveis registrados em 2005.

A presidente do CEBDS, Marina Grossi, acredita que a questão climática continuará sendo uma prioridade para as companhias, seja qual for a posição do novo governo: “Temos trabalhado por um Brasil mais sustentável há muito tempo e não vamos mudar agora. Está claro para as empresas que a inovação com foco em uma economia de baixo carbono é uma oportunidade para o país, uma tendência mundial e um diferencial competitivo. O portfólio de produtos sustentáveis cresce mais do que o de produtos convencionais”.

Laura Albuquerque, do CEBDS, apresenta os resultados do trabalho na COP24, na Polônia. Foto Divulgação
Laura Albuquerque, do CEBDS, apresenta os resultados do trabalho na COP24, na Polônia. Foto Divulgação

No final do ano passado, 26 empresas brasileiras já haviam assinado uma carta aberta defendendo a implementação de um mecanismo de precificação de carbono adequado para o Brasil. O que incluiria, entre outras coisas, a adoção de créditos florestais para o replantio de áreas desmatadas da Amazônia e do Cerrado. Um movimento espontâneo que vai na contramão do que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, vem defendendo. Esta semana, em um dos seus pronunciamentos via Facebook, ele disse que o Acordo de Paris “exigiria do Brasil o reflorestamento de uma área enorme, algumas vezes o tamanho do Estado do Rio”. Não é verdade. O Acordo não exige nada. Os compromissos brasileiros são voluntários e foram feitos com base em consultas a vários setores da sociedade, incluindo a indústria e o agronegócio. Além disso, a proposta do Brasil fala em reflorestar 12 milhões de hectares, menos de um terço da área do Rio. Em sua fala, Bolsonaro advertiu: “Vamos sugerir mudanças no Acordo de Paris. Se não mudar, sai fora (sic). Quantos países não assinaram? Por que o Brasil tem que dar uma de politicamente correto?”.

Marina Grossi minimiza essas diferenças. Ela argumenta que o Brasil tem leis robustas, como o Código Florestal, e iniciativas importantes, como o trabalho em busca de uma maior eficiência energética: “Não vamos retroagir. Se as leis forem cumpridas não temos muito o que temer. Estamos sempre abertos ao diálogo. Vamos seguir conversando com o governo, como sempre fizemos, e com a sociedade. Explicando todas as vantagens para o cidadão e para os empresários”.

O problema de Marina e de alguns empresários preocupados com o tema talvez seja mesmo encontrar um interlocutor no próximo governo. O novo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já disse que a discussão sobre o aquecimento global é secundária e inócua, e que pretende priorizar “questões tangíveis de preservação ambiental”. Segundo ele, muitas ações contra o desmatamento são baseadas em achismos e ideologia. O balanço das empresas mostra resultados diferentes.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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