TRAIRI

Por:
João Paulo Guimarães

No Ceará, há duas horas e meia de Fortaleza, uma cidade acostumada à violência, miséria e aos abusos no âmbito familiar. 

O IDH de Trairi, cidade litorânea conhecida por suas belas praias e pelo turismo de grande poder aquisitivo, é de 0,606. Para comparação, o IDH do Ceará é de 0,735.

A população de 56.653 habitantes em sua maioria vive na área rural, não têm expectativas sobre educação, saúde, mobilidade urbana ou segurança alimentar. 

Em uma visita à Comunidade de Flecheiras, comandada pelas facções do PCC e Comando Vermelho, conhecemos a família de Jamile, grávida de três meses e mãe de uma criança.

Há inúmeros indícios da presença das facções no bairro. Pichações que demarcam territórios desde a estrada de acesso em placas de trânsito até a entrada de Barreiros, que é a favela de Trairi.

Jamile (ao fundo) tem problemas psicológicos e sofreu abusos que se iniciaram na infância. Não consegue dizer quem é o pai de seu primeiro filho e nem do segundo que carrega consigo.

Visitamos Jamile sem saber o que iríamos encontrar.
Ao chegar na casa encontramos o filho em um estado sub humano, com feridas em todo o corpo. 

Na geladeira da casa, um pequeno pássaro para o jantar da família. A ave era tão pequena que cabia em um pote de manteiga. Não havia mais nada. Apenas água.

O município de Trairi tem um grande número de casos de abusos sexuais dentro do âmbito familiar. De acordo com o Creas, os números de casos chegam a mais de 60 por mês, sem contar com as subnotificações.

Além dos casos de abuso familiar, ainda há outros casos de violência doméstica e abusos contra idosos. 900 casos por mês é a média que o psicólogo Elienai Borges, do CREAS, nos relata.

No Trairi os abusos acontecem, muitas das vezes, com o consentimento da mãe; ciência de parentes próximos e vizinhos. Histórias de pais que se relacionam com filhas não são raras

Valdileia Maria é ex-diarista que hoje trabalha catando recicláveis no Lixão do Trairi. Ela casou com 11 anos de idade com Valdaizo, que na época tinha 30 anos. Teve com ele duas meninas e dois meninos. 

“Aqui além de ganhar mais, eu não passo fome e não aguento abuso. Nas casas onde trabalhava até o pão eles contavam. Perdi a conta de quantas vezes tive que pegar banana escondido pra matar a fome.”

Caso parecido com o de Valdileia é o de Valdirene, moradora do Bairro Mundo Novo. Tinha apenas 11 anos quando engravidou e teve sua primeira filha chamada Joyce, que hoje tem 18 e já tem uma filha de dois anos. 

Valdirene teve Joyce no dia 07 de outubro e no dia 17 completou 12 anos. Hoje com 31 anos já é avó.

Crianças cooptadas por homens mais velhos que começam suas vidas sexuais de forma precoce com o aval da família que considera a sexualidade precoce um sinal de maturidade e início da vida adulta. A normalização dos abusos.

Abusos sexuais e miséria no litoral do Ceará

Edição:
Guilherme Leopoldo
Yuri Fernandes

Leia a reportagem na íntegra: