Valencius Wurch: tchau, querido!

Mural em homenagem a dra. Nise da Silveira no Hotel da Loucura

Movimento antimanicomial comemora queda de coordenador de Saúde Mental

Por Liana Melo | ODS 3 • Publicada em 10 de maio de 2016 - 08:00 • Atualizada em 11 de maio de 2016 - 20:51

Mural em homenagem a dra. Nise da Silveira no Hotel da Loucura
Mural em homenagem a dra. Nise da Silveira no Hotel da Loucura
Mural em homenagem a dra. Nise da Silveira no Hotel da Loucura, uma das precursoras da luta antimanicomial no país

A brevíssima passagem do psiquiatra carioca Valencius Wurch Duarte Filho na Coordenador Geral de Saúde Mental,  Álcool e outras Drogas foi marcada por protestos. Foram cinco meses de briga, desde que a presidente Dilma Rousseff empossou o peemedebista Marcelo Castro no Ministério da Saúde, em meio a uma reforma ministerial – uma tentativa derradeira de apaziguar os ânimos do partido da base aliada do governo. “Deu ruim”, como se diz na gíria. A crise política se aprofundou desde então, a antiga base aliada virou inimiga, o futuro da presidente está em suspenso – tudo depende do processo de impeachment no qual está envolvida –, e o ministro da saúde perdeu o posto. Castro caiu em meados de abril e leou com ele Wurch, que foi exonerado na segunda, dia 9 de maio.

Manifestação contra indicação do médico psiquiatra Valencius Wurch
Manifestação contra indicação, no Rio

O psiquiatra virou uma unanimidade e sua indicação, de imediato, provocou um repúdio generalizado por parte de profissionais de saúde, pacientes, familiares, organizações da sociedade civil, entidades de classes. Milhares de jovens, estudantes e profissionais, que não haviam participado diretamente das primeiras lutas políticas contra o manicômio, foram às ruas. As manifestações se espalharam pelo país e chegaram a Brasília, onde, por 121 dias, os militantes do movimento antimanicomial ocuparam a sede da Coordenação Nacional de Saúde Mental exigindo sua demissão. Em abril foram obrigados a desocupar o prédio. A pressão continuou e chegou a web, onde foi lançada, no facebook,  a página “Ocupação Fora Valencius“.

Pesava sobre Wurch o fato de ter tido um cargo importante na Casa de Saúde Dr. Eiras – manicômio no município de Paracambi, na Baixada Fluminense, que já foi considerado uma espécie de “casa dos horrores”. A clínica foi fechada por ordem judicial em 2012. Lá, as habitações não tinham janelas, os refeitórios eram escuros, os excrementos ficavam espalhados pelo chão, os pacientes viviam algemados e, muitos deles, se encontravam em estado de subnutrição. Sem falar na prática sistemática de eletroconsulsoterapia, popularmente conhecida como eletrochoque.

Foram essas cenas medonhas de um passado sombrio da psiquiatra brasileira que levaram ao fechamento da Dr. Eiras e aos protestos contra a nomeação de Wurch, que sempre defendeu, segundo nota publicada à época pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), uma postura reconhecidamente contrária à luta por uma sociedade sem manicômios. Seu histórico e currículo desabonavam seu nome para um cargo responsável por definir à gestão das políticas públicas do SUS justamente para a área de saúde mental.

O psicanalista Benilton Bezerra Jr., professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj), avalia que Wurch serviu para reacender a chama que tornou possível, no passado, o movimento que levou à “desconstrução do manicômio, de sua lógica e de suas instituições”. Ficou claro neste episódio, diz ele, que “a política de saúde mental não pertence a esse ou aquele governo, e não será facilmente usada como moeda de troca no toma-lá-da-cá do Planalto Central, porque seu principal fiador é a própria população”:

_ A indicação de Wurch mostra até que ponto decisões visando equilibrar as coisas em Brasília são tomadas de costas para a história, para a lógica e, sobretudo, para a população que será atingida pelos seus efeitos.  Que isso tenha sido feito num governo cujas raízes se confundiram historicamente com o surgimento do SUS e da Reforma Psiquiátrica no país, acrescenta uma dose de quase inacreditável surrealismo ao episódio.

Além de considerar um retrocesso o que ocorreu nos últimos cinco meses na área de saúde mental no país, o médico Vitor Pordeus e coordenador do Hotel da Loucura – projeto de saúde mental que funciona no Instituto Nise da Silveira, no Engenho de Dentro, e que prescreve doses cavalares de arte e cultura aos pacientes  – está convencido de que “o manicômio de nosso tempo é químico” e que “a utilização excessiva de drogas psicotrópicas é uma das grandes emergências de saúde pública” da atualidade. Wurch é, a seu ver, a personificação desse modelo de medicina.

A passagem meteórica do coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde serviu para confrontar a Política (a luta pelo bem comum) com a política (administração do bem comum em prol de interesses particulares) – o que não é pouca coisa. A mobilização contra Wurch é uma indicação de onde devemos apostar nossas fichas.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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