Saneamento morre na calçada

A Zona Oeste representa 48% do território carioca e concentra 1,7 milhão de habitantes (cerca de 27% da população do Rio), com alguns dos bairros mais pobres da cidade. Foto de Custódio Coimbra

Só 30% dos moradores da Zona Oeste fazem ligação das casas com nova rede de esgotos

Por Fernando Molica | ODS 6 • Publicada em 11 de outubro de 2016 - 08:00 • Atualizada em 5 de junho de 2019 - 03:27

A Zona Oeste representa 48% do território carioca e concentra 1,7 milhão de habitantes (cerca de 27% da população do Rio), com alguns dos bairros mais pobres da cidade. Foto de Custódio Coimbra
A Zona Oeste representa 48% do território carioca e concentra 27% da população do Rio, com alguns dos bairros mais pobres da cidade. Foto de Custódio Coimbra
A Zona Oeste representa 48% do território carioca e concentra 27% da população do Rio, com alguns dos bairros mais pobres da cidade. Foto de Custódio Coimbra

Levar rede de esgoto para a porta dos consumidores resolve apenas uma parte dos problemas relacionados ao saneamento. Por hábito, falta de dinheiro ou de vontade, muita gente deixa de providenciar a ligação – interligação, em termos técnicos – entre a sua casa e o sistema de coleta.

O problema existe em todo o país, mas fica ainda mais evidente em 21 bairros da Zona Oeste carioca que, desde 2012, estão sendo beneficiados pela implantação de rede de saneamento. Por lá, apenas 30% dos moradores fizeram a interligação de suas residências com uma nova rede de coleta e tratamento de esgoto.

A Foz Águas 5 não revela o preço médio do serviço, diz que os custos variam muito de acordo com as condições de cada imóvel. Em casos mais simples, a interligação pode custar em torno de R$ 100, mas há casos em que é necessário adaptar a rede interna de cada moradia, e o custo pode superar os R$ 3 mil.

Responsável pela operação e ampliação do sistema de esgoto da chamada Área de Planejamento 5 (AP-5, que inclui bairros como Bangu, Campo Grande e Santa Cruz), a concessionária Rio Águas 5 implantou, desde 2013, 25 mil novas ligações, que correspondem a 37.500 casas ou apartamentos – ou seja, levou a rede até a calçada desses imóveis.

Mas a tarefa de interligar as residências à rede cabe aos moradores, que têm que arcar com os custos do serviço. Uma tarefa complicada, já que a região, que tem 48% do território carioca e concentra 1,7 milhão de habitantes (cerca de 27% da população do Rio) reúne alguns dos bairros mais pobres da cidade.

A maior parte da AP 5 está na parte inferior da tabela que registra o índice de Desenvolvimento Humano dos 126 bairros cariocas – Santa Cruz, por exemplo, está em 116º lugar, acima apenas de algumas favelas (não de todas). Se disputassem o Brasileirão, muitos dos bairros da AP 5 estariam flertando com o Z4, o grupo dos rebaixados.

Por conta disso, apenas pouco mais de 11 mil daqueles 37.500 proprietários providenciaram a obra. A concessionária admite que a adesão está baixa, mas afirma que a “evolução é crescente” e que o percentual deve subir. A meta é chegar a um índice entre 85% e 90% de interligações.

A Foz Águas 5 não revela o preço médio do serviço, diz que os custos variam muito de acordo com as condições de cada imóvel. Em casos mais simples, a interligação pode custar em torno de R$ 100, mas há casos em que é necessário adaptar a rede interna de cada moradia, e o custo pode superar os R$ 3 mil.

O decreto federal 7.217, de 2010, estabelece a responsabilidade dos proprietários pelas interligações, mas também admite a adoção de subsídios para fazer com que famílias de baixa renda façam as conexões. A Prefeitura do Rio não respondeu ao Projeto #Colabora se pretende subsidiar o serviço.

Um decreto estadual de 2008 dá aos proprietários um prazo de 60 dias para que as interligações sejam feitas – isto, a partir do aviso de disponibilidade da rede. A Secretaria Estadual do Ambiente diz, porém, que na Zona Oeste ainda não foram aplicadas punições porque a rede ainda está sendo implantada pela concessionária.

Para estimular as conexões, a Rio Águas 5 procura diminuir o peso no bolso dos consumidores e promove oficinas em que explica como eles próprios podem fazer o trabalho, o que elimina os custos com mão de obra.

Formada pela Odebrecht Ambiental e pela Águas do Brasil (consórcio que inclui a Carioca Engenharia, Queiróz Galvão Saneamento, New Water e Construtora Cowan), a Rio Águas 5 comemora o fato de, até o fim do ano, ter como tratar o esgoto produzido em 156 mil de 278 mil residências que tinham algum tipo de coleta – em 95% dos casos, os dejetos eram jogados na rede de águas pluviais e eram despejados na natureza sem qualquer tratamento. O número de 156 mil inclui as 37.500 que estão com a rede na calçada.

Até o fim de 2017, 32% dos moradores da AP 5 (que inclui os 21 bairros) terão acesso à rede de esgoto. Foto de Custódio Coimbra
Até o fim de 2017, 32% dos moradores da AP 5 (que inclui os 21 bairros) terão acesso à rede de esgoto. Foto de Custódio Coimbra

Mas o serviço está longe de terminar. De acordo com a concessionária, até o fim de 2017, 32% dos moradores da AP 5 (Área de Planejamento 5, que inclui os 21 bairros) terão acesso à rede de esgoto – percentual quase seis vezes maior do que o existente no início da concessão, há cinco anos. De acordo com o contrato com a prefeitura, o percentual tem que chegar a 90% até 2036.

O benefício ambiental, porém, depende do aumento nas taxas de interligação das casas com a rede. Um outro problema é que o contrato com a prefeitura não prevê a extensão das redes de coleta para as muitas favelas da região – em 2000, estimava-se que o índice de moradores nessas áreas chegasse a 12% do total.

Os números do investimento são também superlativos. O investimento da concessionária está estimado em R$ 2,6 bilhões. Desde a assinatura do contrato, em 2012, a Foz Águas 5 tem direito a cobrar e receber a tarifa de esgoto – até o fim de 2015, o total arrecadado chegou a 398 milhões.

Segundo a concessionária, em 2015, a arrecadação foi de R$ 143 milhões. Mas, no ano passado, a prefeitura, que tem direito a 4% do faturado pela Foz Águas 5, recebeu R$ 8,39 milhões da empresa. O valor corresponde a um faturamento total de quase R$ 210 milhões.

A concessionária diz que a diferença está relacionada ao alto índice de inadimplência dos consumidores, que fica em torno de 40%. Ou seja, em 2015, a empresa faturou – emitiu contas – no valor de R$ 209,75 milhões, mas recebeu muito menos de seus clientes.

Fernando Molica

É carioca, jornalista e escritor. Trabalhou na 'Folha de S.Paulo', 'O Estado de S.Paulo', 'O Globo', TV Globo, 'O Dia', CBN, 'Veja' e CNN. Coordenou o MBA em Jornalismo Investigativo e Realidade Brasileira da Fundação Getúlio Vargas. É ganhador de dois prêmios Vladimir Herzog e integrou a equipe vencedora do Prêmio Embratel de 2015. É autor de seis romances, entre eles, 'Elefantes no céu de Piedade' (Editora Patuá. 2021).

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