Sinfonia do orgulho baiano

Orquestra Juvenil da Bahia, que promove inclusão social, lota Filarmônica de Paris

Por Telma Alvarenga | ODS 1ODS 9 • Publicada em 11 de setembro de 2016 - 10:00 • Atualizada em 12 de setembro de 2016 - 16:16

A Orquestra Juvenil da Bahia sob a batuta do maestro Ricardo Castro: em Paris (Foto:
A Orquestra Juvenil, sob a batuta de Ricardo Castro: sucesso na Europa (Foto: Lenon Reis)

Jovens músicos eruditos baianos vão tocar na capital francesa, nesta segunda-feira (dia 12), na tradicional Philharmonie de Paris, para uma casa lotada. Colocados à venda em maio, os ingressos esgotaram-se em 24 horas. Formada em sua grande maioria por jovens de comunidades pobres de Salvador, a Orquestra Juvenil da Bahia será a primeira brasileira a se apresentar naquela tradicional sala de concertos, com capacidade para 2.400 pessoas. A apresentação faz parte da sexta turnê internacional da principal formação do Neojiba  – Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia  –, projeto do governo do estado,  que nasceu há nove anos, em Salvador. O criador é o maestro e pianista Ricardo Castro, que se inspirou no aclamado  modelo venezuelano El Sistema.  “Tive carta branca para criar do zero: o nome, a sistemática de trabalho, a seleção das pessoas…”.

Sob a batuta de Castro, seu diretor artístico, a orquestra já tocou em Londres, Lisboa, Berlim, Genebra… Em 2011, foi citada pelo jornal inglês The Sunday Times como “orgulho do Brasil”. Em 2014, fez duas turnês internacionais: uma nos Estados Unidos,  com concertos em 11 cidades. E outra na Europa, passando por sete cidades. “Essas viagens sempre foram desafios para nossos músicos, para nossa instituição, o que fez com que tenhamos atingido um patamar de qualidade muito alto, tanto na produção quanto na execução musical”.

Mesmo com todo o sucesso internacional, no Brasil, fora das fronteiras da Bahia, o grupo ainda é pouquíssimo conhecido. Por quê? “Não existe uma cultura de turnês orquestrais no Brasil. Esse mercado é bem mais restrito na América do Sul, em geral, que na Europa”, explica Castro. O grupo sempre viajou a convite de instituições dos países onde se apresentou.  “Elas financiam nossas turnês. Esses convites chegam da Europa e por alguma razão não chegam do sul do país. Vamos para onde somos convidados. É muito caro viajar. Não podemos usar nossos recursos, que são muito importantes para a manutenção do programa, para promover concertos pelo Brasil”.

Baiano de Vitória da Conquista, Ricardo Castro morou em Genebra, na Suíça, e completou seus estudos de piano em Paris. Quando criou o projeto em Salvador,  em 2007, levou maestros da Europa para dar aulas aos jovens. “Quando vivi no Hemisfério Norte, conheci músicos de altíssima qualidade que sempre estiveram interessados em colaborar e vieram para cá com grande satisfação. Sempre foram muito generosos, em termos de custos, talvez por uma estabilidade profissional maior que os permita fazer esses gestos. No Brasil, é mais difícil achar algum músico disponível para vir ao Nordeste dar aulas”.

Uriel Borges (de óculos), trompista: multiplicador (Foto: divulgação)
Uriel Borges (de óculos), trompista: multiplicador (Foto: divulgação)

Foi graças ao Neojiba que Uriel Borges, de 19 anos, saiu de Salvador pela primeira vez. E já para uma viagem internacional: uma turnê para os Estados Unidos, passando pelo Arizona, Califórnia, Indiana e Missouri. “Rapaz, foi a realização de um sonho. Não me imaginava indo para o exterior”,  diz o trompista, que está participando da atual turnê europeia.  Até entrar para o Neojiba, onde as aulas são gratuitas, o jovem – que também toca sax e clarinete –  sequer acreditava que conseguiria realizar o sonho de se tornar músico profissional. “Achava que seria muito difícil, caro…”.  Morador de Periperi, no subúrbio da capital baiana, Uriel  aprendeu a tocar seu primeiro instrumento em um curso na igreja evangélica que frequenta, a Assembleia de Deus. “Comecei com 7 anos”, diz. Hoje, além de integrar a orquestra, que conta com 120 músicos, dá aulas no projeto e montou, com outros integrantes da Juvenil, um quinteto de sopros, o Wood Tropicales. Além disso, cursa faculdade de música na Universidade Federal da Bahia.

Como ele, a maioria dos integrantes da Orquestra Juvenil da Bahia acaba entrando para o corpo de professores do programa.  “Com tantos multiplicadores, criamos vários outros núcleos, como o coral, a orquestra de violão… Ao todo, estamos atingindo cerca de 4.600 crianças e jovens no estado da Bahia”, diz Ricardo Castro.  Gerido pelo Instituto de Ação Social Pela Música, com recursos públicos e privados, o projeto cresceu tanto que o Neojiba, agora, terá uma sede própria em Salvador.  “O TCA (Teatro Castro Alves ) não tem mais capacidade para comportar a expansão do projeto”, diz Beth Ponte, diretora institucional. “Começamos a captação de recursos para começar a obra, provavelmente no começo de 2017”.

A classe média alta não se interessa muito por essa área. Os pais colocam os filhos em aulas de tênis, natação, inglês

Não existe idade mínima para entrar para o projeto. “Temos alunos na faixa dos 6, 7 anos, na iniciação musical, na orquestra infantil, no coro…”, diz Castro. Mas nada impede que crianças até menores ingressem no Neojiba.  “Eu, por exemplo, comecei a tocar piano com 3 anos. Se chegar alguém aqui assim, não vamos dizer não”.  O programa  é aberto a crianças e jovens de todas as classes sociais. Mas a grande maioria (mais de 80%) dos alunos vem de famílias com renda mensal de até 3 salários-mínimos. “O projeto não exclui nenhuma classe social. Ao contrário, queremos promover a integração. Mas maioria da população brasileira é pobre. A gente acaba refletindo a realidade do país, do estado… Fora isso, a classe média alta não se interessa muito por essa área. Os pais colocam os filhos em aulas de tênis, natação, inglês…”, comenta o maestro. “Temos uma altíssima representatividade da classe pobre, justamente porque são pais sem condições de oferecer atividades extraescolares para seus filhos, e que têm muita segurança em saber que eles estão conosco. Promovemos não só acesso à música, mas a uma série de experiências, para que os jovens cresçam e amadureçam socialmente”.

Na atual turnê, com 104 músicos, a Orquestra Juvenil da Bahia já se apresentou em Montreux, na Suíça, e em cinco cidades italianas: Florença, Roma, Rieti, Rimini e Perugia. Como aconteceu na Itália, nesta segunda-feira (12), em Paris, o concerto terá a participação da argentina, naturalizada na Suíça, Martha Argerich, considerada uma das maiores pianistas da atualidade. No programa, Heitor Villa-Lobos (Choros n°6 para Orquestra); Dimitri Shostakovich ( Concerto para Piano e Trompete n°1 em Do Menor); e  Piotr Ilyitch Tchaikovsky (Sinfonia n°4 em Fá Menor).

No ano que vem, o  Neojiba completa 10 anos. Cheio de motivos para comemorar. Mas com o fôlego e os sonhos de um menino que ainda quer e tem muito o que conquistar.  “Conseguimos vencer muitos preconceitos em relação à capacidade do jovem de chegar a tal nível de excelência. Principalmente, do jovem nordestino e de Salvador, uma cidade de carnaval, de axé… Apresentamos outra proposta. Não que ela exclua o carnaval e o axé, porque nossos músicos são muito versáteis, tocam de tudo… Mas é um projeto inovador e revolucionário para a nossa história”, analisa Castro, fazendo um balanço de quase uma década do projeto. “A minha avaliação é que a gente só tem nove anos, só atende a 4.600 crianças e jovens. Estamos no início. A dimensão do programa é bem maior. Se olharmos para trás, o currículo é invejável. Mas é incipiente em comparação  ao que a gente espera fazer nos próximos anos. Temos uma expectativa muita alta de crescimento e de causar um impacto bem maior do que o que provocamos hoje”.

Telma Alvarenga

Jornalista formada pela PUC-Rio. Tem passagens pela revista Veja, Veja Rio, Jornal do Brasil, O Globo, Correio (BA) e Projeto #Colabora, desempenhando funções de editora, colunista e repórter. Professora no curso de Comunicação Social da Faculdade Social da Bahia em 2010, está finalizando seu mestrado no Programa de Pós-graduação em Literatura, Cultura e Contemporaneidade da PUC-Rio

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