Clipes de funk colocam pink money em questão

Vídeos do Nego do Borel e de Jojo Todynho levantam discussão sobre apropriação das bandeiras LGBT+

Por Gilberto Porcidonio | ODS 12ODS 8 • Publicada em 23 de julho de 2018 - 08:53 • Atualizada em 24 de janeiro de 2019 - 14:19

O polêmico clipe do Nego do Borel (Foto: Reprodução)
O polêmico clipe do Nego do Borel (Foto: Reprodução)

Sem querer, os últimos lançamentos de Nego do Borel (“Me solta”) e Jojo Maronttinni (“Arrasou viado”), cada um da sua forma, colocaram em pauta uma questão que, se antes era mais discutida apenas dentro da comunidade LGBT+, agora ganhou um hype: até que ponto vale uma empresa, artista ou grupo se apropriar de elementos da cultura gay para obter engajamento, visibilidade e, consequentemente, lucro?

Essa questão tem nome: pink money. O tal do dinheiro rosa é nada menos do que o poder de compra que a comunidade LGBT possui. E isso não é pouco. Em 2016, o inglês Paul Thompson, fundador da LGBT Capital, divulgou que este grupo de consumidores movimenta 3 trilhões de dólares por ano pelo mundo. Só aqui no Brasil, de acordo com o IBGE, eles gastam 30% a mais do que os heterossexuais. Em 2015, esse potencial de compra chegava a R$ 419 bilhões, de acordo com a associação internacional Out Leadership.

Com tantas cifras em questão, não faltam motivos para quem deseja surfar na onda da diversidade sexual apenas pelo fator monetário, o chamado pinkwhashing. Na música pop, sendo um produto cultural, isso já vem acontecendo há muito tempo. Um dos casos mais emblemáticos é o do duo russo t.A.T.u., que estourou com o hit “All the things she said” apelando para a tensão sexual entre as duas integrantes (que, na verdade, são hétero e não tinham nenhuma relação), e de Katy Perry, no hit “I kissed a girl”, em que a artista também hétero, relata ter beijado uma garota e gostado. Não é raro também, no mundo do k-pop, as boybands deixarem a entender que os seus integrantes “se pegam”. Nesse contexto, a polêmica do funkeiro da Tijuca que beija um modelo no clipe “Me solta” ao interpretar uma travesti estereotipada se encaixou perfeitamente.

Muito engajado nessa questão, o youtuber Spartakus Santiago chegou a fazer um “textão” em que criticava essa tática, segundo ele, usada por Nego do Borel, e indicando o trabalho de Linn da Quebrada como um paralelo positivo a isso. O jovem nascido em Itabuna, na Bahia, passou a prestar mais atenção em seu potencial de compra justamente com a ascensão dos artistas LGBT+, mas quando o cantor Lucas Lucco, hétero, participou do clipe “Paraíso” com Pabblo Vittar, o youtuber viu que a questão estava cada vez mais forte.

“Estive nos Estados Unidos recentemente e vi como essa questão é muito mais forte lá entre as marcas. Todas elas colocam a bandeira do arco-íris durante a Pink Parade. Eu prefiro que, em vez de fazer isso, as empresas criem um ambiente social mais propício para nós. Nós consumimos, isso é fato, e a grana tem que vir de um lado, mas meu problema é com a hipocrisia. O que faço para saber qual empresa não é hipócrita neste discurso é uma pesquisa prévia antes de comprar algo.”

O youtuber Spartakus Santiago passou a prestar mais atenção em seu potencial de compra com a ascensão dos artistas LGBT+ (Foto: Arquivo pessoal)
O youtuber Spartakus Santiago passou a prestar mais atenção em seu potencial de compra com a ascensão dos artistas LGBT+ (Foto: Arquivo pessoal)

Sobre a questão do funk, em si, ter incorporado a cultura gay, o cineasta Emílio Domingos já chegou a ouvir, durante um debate após a exibição de seu filme “A batalha do passinho”, que o trabalho era machista porque mostrava dançarinos que imitavam trejeitos gays enquanto dançavam. Mas Emilio diz que isso é próprio da cultura do ritmo.

“O funk é extremamente antropofágico e assimila tudo com muita liberdade. Os garotos do passinho, quando se fazem de gays, não querem zoar, mas absorver a dança desse grupo, como o vogue, porque eles admiram isso. É uma homenagem, mas se as pessoas se sentiram ofendidas, eu respeito. Não tenho uma visão fechada”.

Muito além do dinheiro

Sempre que pode, a musicista Renata Salles também foca o seu consumo em marcas ou grupos que promovem a igualdade social integral. E não se deixar seduzir apenas pela propaganda.

“Eu gosto de comprar de pessoas LGBT, principalmente mulheres. É bem comum vermos  marcas grandes, bancos, roupas e acessórios, utilizando essa suposta representatividade para lucrar, enquanto adotam políticas agressivas contra funcionários LGBT. É hipocrisia homofóbica para ganhar dinheiro.  Acho que a política acaba se fazendo também dessa forma miúda, ajudando a comunidade a crescer.”

Sempre que pode, a musicista Renata Salles também foca o seu consumo em marcas ou grupos que promovem a igualdade social integral (Foto: Arquivo pessoal)
Sempre que pode, a musicista Renata Salles também foca o seu consumo em marcas ou grupos que promovem a igualdade social integral (Foto: Arquivo pessoal)

A funcionária pública Bruma, também conhecida como Def Ex, de 31 anos, acredita que essa é uma questão complicada porque o gay também quer fazer parte integralmente da sociedade de consumo:

“Se tenho a opção de não consumir uma roupa de marcas com histórico de machismo, homofobia ou apoio a candidatos que endossem isso, eu não consumo. Eu tendo a escolher o que eu sei que não fez besteira, mas, às vezes, a gente também quer fazer parte do consumo. Às vezes, abrir mão disso por causa da militância é só dar murro em ponta de faca”.

Bruma lamenta ainda que só se fale na questão do pink money quando surgem casos polêmicos:

“A Jojo Toddynho também lançou um clipe quase que simultaneamente ao Nego do Borel, e você vê que a abordagem semântica é completamente diferente. Pink money, para mim, não é um problema quando se joga poder para comunidade LGBT como a Jojo fez, colocando vários dos nossos em protagonismo e falando de respeito. Não acho que os LGBTs devam consumir só música que seja de LGBT, mas se você pensar na postura, esse caso cai como uma luva. Se você for fazer pink money, pelo menos não seja ofensivo.”

A perfomer Bruma, também conhecida como Def Ex: "Se você for fazer pink money, pelo menos não seja ostensivo”. Foto: arquivo pessoal
A funcionária pública e performer Bruma, também conhecida como Def Ex: “Se você for fazer pink money, pelo menos não seja ofensivo”. Foto: arquivo pessoal

Mas até Jojô foi acusada de pink money. A artista vem recebendo diversas críticas nas redes sociais, já que, recentemente, entrou em uma polêmica ao chamar um homossexual de “baitola” em seu perfil no Instagram.

 

Tendo em vista essa preocupação, desde 2013, o Fórum de Empresas e Direitos LGBT+ promove encontros entre empresários, governos e órgãos internacionais para promover a inclusão social e econômica dos LGBTs. As mais de 50 empresas que são signatárias precisam cumprir 10 compromissos expostos em umas carta aberta, como promoção de um ambiente livre de homofobia em suas dependências, e estimular e apoiar a criação de grupos de afinidade com a causa. Porque o consumo é só parte do processo e a realidade não é cor-de-rosa.

Gilberto Porcidonio

É repórter do jornal "O Globo" e sociólogo em formação pela PUC-Rio. Especializa-se em cultura e questões raciais. Como poeta, mantém o alter-ego Frederico Latrão e, como escritor, é um dos autores da coletânea "Larica Carioca", sobre os quitutes dos bares do Rio de Janeiro, além de manter o blog 'O Títere'.

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Um comentário em “Clipes de funk colocam pink money em questão

  1. Observador disse:

    Quem sabe se eles não possuem uma homofobia internalizada ou quem sabe serem cisgeneros, mas que tenham relação fluida homossexual, em especial ele, em que ter postura viril, é necessária frente as condições em que vivem as pessoas nas favelas, que como diz o Faustão, chamar de Comunidade, não anula o ambiente hostil em que moram! E tem aquela questão que depois das mulheres, predominam nos gays, a melhor escolaridade (mais de 10 anos)!

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