Virologista: reinfecção pelo novo coronavírus não é razão para pânico

Passageiros desembarcam no aeroporto de Hong Kong: testagem obrigatória descobriu homem, sem sintomas, reinfectado pelo coronavírus (Foto: May James/AFP)

Especialista afirma que a reinfecção é comum e previsível e considera a falta de sintomas do paciente de Hong Kong uma ótima notícia

Por The Conversation | ODS 3 • Publicada em 27 de agosto de 2020 - 08:44 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 16:26

Passageiros desembarcam no aeroporto de Hong Kong: testagem obrigatória descobriu homem, sem sintomas, reinfectado pelo coronavírus (Foto: May James/AFP)

Zania Stamataki*

Cientistas em Hong Kong relataram o primeiro caso confirmado de reinfecção com o coronavírus que causa COVID-19, supostamente apoiado por sequências genéticas dos dois episódios de infecções do homem de 33 anos em março e em agosto de 2020. Naturalmente, as pessoas estão preocupados com o que isso poderia significar para nossas chances de resolver a pandemia. Mas elas não devem se preocupar.

Quase nove meses após a primeira infecção com o novo coronavírus, temos evidências muito pobres de reinfecção. No entanto, os virologistas entendem que a reinfecção com coronavírus é comum, e os imunologistas estão trabalhando duro para determinar por quanto tempo as marcas da imunidade protetora irão durar em pacientes recuperados.

Os raros relatos de reinfecção até agora não foram acompanhados de dados de sequenciamento do vírus, portanto não puderam ser confirmados, mas são bastante esperados e não há motivo para alarme.

Nossos corpos não se tornam imunes aos vírus quando nos recuperamos de uma infecção; em vez disso, em muitos casos, eles se tornam hospedeiros inóspitos. Considere que, para além da recuperação, nossos corpos muitas vezes ainda oferecem os mesmos tipos de células – como as células do trato respiratório – nas quais os vírus se agarram e conseguem entrar em um refúgio aconchegante para se despir e começar a produzir mais vírus. Essas células-alvo não são alteradas de maneira substancial para prevenir futuras infecções meses após o vírus ter sido eliminado pela resposta imune.

No entanto, se anticorpos e células de memória (células B e T) ficarem no organismo por causa de uma infecção recente, a nova expansão do vírus terá vida curta e a infecção será controlada antes que o hospedeiro sofra com algum sintoma – ou mesmo perceba. Esse parece ser o caso do paciente de Hong Kong, que não apresentou sintoma algum na segunda infecção, descoberta após exames de rotina no aeroporto. Será que ele saberia que havia sido infectado novamente se não tivesse viajado? Provavelmente não. Uma pergunta mais interessante é: ele poderia contagiar outra pessoa durante sua segunda infecção assintomática?

Há evidências crescentes de que pessoas assintomáticas e pré-sintomáticas são contagiosas e é por isso que o conselho oficial sensato é usar coberturas para o rosto para evitar infectar outras pessoas e manter distância para evitar a infecção. Os coronavírus de resfriados anteriores dotaram alguns de nós com células T de memória que também podem se mobilizar contra o novo coronavírus; isso poderia explicar por que algumas pessoas são poupadas de doenças graves.

Visitantes passeiam pelo Porto Maravilha, no Rio: virologista alerta que mesmo quem já foi infectado deve continuar usando máscara (Foto: Fábio Teixeira/Nur Photo/AFP)
Visitantes passeiam pelo Porto Maravilha, no Rio: virologista alerta que mesmo quem já foi infectado deve continuar usando máscara (Foto: Fábio Teixeira/Nur Photo/AFP)

Três potenciais desdobramentos para a volta do vírus

Então, como devemos receber as notícias sobre reinfecção de indivíduos recuperados? Existem três resultados possíveis de reinfecção com um vírus semelhante: sintomas piores numa forma mais grave da doença, os mesmos sintomas da primeira infecção e sintomas mais leves que apontam para uma forma mais branda da doença (ou até doença alguma).

O primeiro resultado – uma forma mais grave da – é observado, geralmente em pacientes infectados com cepas semelhantes de vírus, como acontece nos casos de dengue. Não há evidência disso para o novo coronavírus – apesar de mais de 23 milhões de casos confirmados de COVID-19 em todo o mundo.

O segundo desfecho, em que o paciente sofre da mesma doença duas vezes, indica que não há memória imunológica suficiente para proteger contra reinfecção. Isso poderia acontecer se a primeira infecção não exigisse a resolução de anticorpos ou células T, talvez porque outras defesas imunológicas rapidamente implantadas fossem suficientes para controlá-la.

O último desdobramento é uma infecção mais branda graças a um sistema imunológico saudável, que gerou anticorpos e respostas de células B e T de memória que persistiram por tempo suficiente para serem úteis durante a segunda exposição. Dada a diversidade de respostas de anticorpos e células T relatadas em diferentes pacientes com covid-19, prevemos que a proteção imunológica – se eficiente – pode variar em pessoas diferentes.

Claro, isso tem implicações para a potência e a duração da imunidade de rebanho – a ideia de que, quando alcançarmos um grande número de pacientes recuperados e imunes à reinfecção, isso protegerá os mais vulneráveis. Portanto, a vacinação é crítica para induzir e manter respostas imunes protetoras a longo prazo.

A vacinação pode provocar respostas imunológicas mais potentes e duradouras em comparação com a infecção natural, e estas podem ser sustentadas por vacinações de reforço, quando necessário. É por isso que os cientistas não ficaram surpresos ao ouvir evidências de reinfecção. A falta de sintomas experimentados pelo paciente de Hong Kong é uma notícia muito boa.

*Professor sênior de Imunologia Viral da Universidade de Birmingham (Inglaterra)

(Tradução: Oscar Valporto)

The Conversation

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