Morrer cedo ou envelhecer, o que você prefere?

Em Paris, cerca de 300 pares já foram formados por associações que intermedeiam os candidatos, como a “Ensemble 2 Générations”. Foto Associação “Ensemble2Générations”

Experiência francesa junta jovens e velhos na mesma casa, com benefícios econômicos, sociais e afetivos para todo mundo

Por Marlene Oliveira | ODS 3 • Publicada em 18 de janeiro de 2020 - 08:12 • Atualizada em 17 de fevereiro de 2020 - 19:41

Em Paris, cerca de 300 pares já foram formados por associações que intermedeiam os candidatos, como a “Ensemble 2 Générations”. Foto Associação “Ensemble2Générations”
Em Paris, cerca de 300 pares já foram formados por associações que intermedeiam os candidatos, como a "Ensemble 2 Générations". Foto Associação "Ensemble2Générations"
Em Paris, cerca de 300 pares já foram formados por associações que intermedeiam os candidatos, como a “Ensemble 2 Générations”. Foto Associação “Ensemble2Générations”

Se fosse uma prova, eu procuraria a famosa NRA – Nenhuma das Respostas Anteriores. No entanto, todos nós sabemos que, na melhor das hipóteses, todos seremos velhos um dia. Eu não sei de que lado você está agora, mas em 30 anos, o nosso planeta terá mais velhos do que jovens: 2,1 bilhões de pessoas com mais de 60 anos viverão lado a lado com 2 bilhões de jovens entre 10 e 24 anos. No Brasil, a inversão da pirâmide etária será ainda mais acentuada e rápida do que nos países do chamado “Velho Continente”. Vamos passar de pirâmide a funil, pois em 40 anos, o Brasil saltará de 13% para 32% da sua população com mais de 60 anos, num total de 73 milhões de idosos. A quinta maior população idosa do planeta!  Que tal? Será que estamos prontos para isso?

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Somos um país de cultura jovem forte e a velhice ainda é um tabu na nossa sociedade. Ser velho é sinônimo de incapacidade: de aprender, de interagir, de entender, de usar a tecnologia e tantos outros estereótipos. O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial e implica em uma profunda transformação social, cultural e econômica.

Vários tons de cinza

Embora a OMS – Organização Mundial da Saúde (OMS) nos diga que entramos na categoria “idoso” a partir dos 60 anos de idade, hoje é possível ver pessoas com mais de 65 anos que não se comportam como idosas. Segundo dados do estudo “60+ Um novo paradigma”, da agência Eureka Insight e lançado em parceria com o “Itaú Mais”, há 10 diferentes perfis comportamentais de seniors que vão do “livre, leve e solto” ao “netocentrismo”.  Veja qual é o seu perfil.

Mas apesar dessas nuances, o mercado ainda teima em enxergar os seniors atraídos por produtos como fraldas geriátricas, fixador de dentaduras, planos de saúde, previdência e até funeral.  Ao contrário disso, segundo dados da pesquisa Winning the Future feita pela Kantar WordPanel em 2017, os lares compostos, exclusivamente, por pessoas com mais de 55 anos, gastam até 42% mais com produtos, como alimentos, bebidas e higiene.

O envelhecimento incentiva o surgimento de novos produtos e serviços – tanto no mundo físico quanto no digital – unindo tecnologia, inovação, design universal e adaptação. Muita adaptação. Numa sociedade feita para seniors, a altura das prateleiras no supermercado, a luminosidade das telas, o tamanho das fontes, o desenho de embalagens, e até o tempo do sinal de pedestres, precisa ser adaptado.

Cartaz anuncia o trabalho de aproximação entre jovens e idosos. Os resultados costumam ser muito bons para as duas partes. Foto Reprodução
Cartaz anuncia o trabalho de aproximação entre jovens e idosos. Os resultados costumam ser muito bons para as duas partes. Foto Reprodução

Na França, uma explosão de super seniors, os “maiores de 100 anos”

Se não temos experiência em ser um país de pessoas “experientes”, no “Velho Continente”, a pirâmide etária já se inverteu faz tempo e a questão agora é preparar a sociedade para uma longevidade maior da população. Em 2070, cerca de 270 mil franceses terão rompido a barreira dos 100 anos. Um marco nunca antes alcançado na história da Humanidade. É como se eles tivessem “dobrado o Cabo da Boa Esperança” duas vezes! Lógico que estamos falando de projeções e expectativas. Até lá, não estamos ao abrigo de uma nova guerra mundial, de uma epidemia ou de que o planeta entre em colisão com um corpo celeste. Mas, se nada disso acontecer, a expectativa de vida só faz aumentar e as nossas famílias poderão chegar a reunir integrantes de até quatro gerações.

Em 40 anos, o Brasil saltará de 13% para 32% da sua população com mais de 60 anos, num total de 73 milhões de idosos. A quinta maior população idosa do planeta!  Que tal? Será que estamos prontos para isso?

Será que teremos uma sociedade ainda mais conservadora e prudente? Como envelhecer melhor, com saúde, mantendo nossa autonomia por mais tempo e sem nos tornarmos um fardo para nossa familia? Especialistas estão prevendo um boom da “indústria da dependência” – produtos e serviços que visam amenizar os efeitos de um envelhecimento em grande escala. Outro impacto na maior longevidade será a herança. Com quatro gerações vivas, a herança será retardada – vejam o caso da realeza na Inglaterra e a espera exaustiva da Coroa pelo avô e Príncipe Charles. Vivendo mais tempo, gasta-se mais e os gastos para manter uma qualidade de envelhecimento, muito provavelmente, não virão do sistema público e sim do bolso de cada um. Do bolso, da Bolsa, das propriedades….

Com a crise mundial no mercado de empregos, a esperança de acesso a um patrimônio se faz, muitas vezes, via herança. O problema é que a idade média de um herdeiro que era de 47 anos em 1980, em 2019 passou a ser de 56 anos e será de 63 anos em 2070. Um pânico para os jovens que nutrem a esperança de se tornar herdeiros.

Pergunta de velho ninguém responde

Uma das queixas comuns em conversas com os seniors diz respeito às relações familiares e, principalmente, ao afastamento dos filhos. Pouco a pouco, a solidão que se instala e o ócio fazem aparecer quadros de depressão e apatia. Não é à toa que começam a surgir planos entre amigos da mesma geração para morar em condomínios, especialmente planejados para atender às necessidades e desejos dos seniors! Nada melhor do que um senior para entender outro senior, certo? Não necessariamente.

Na França, uma experiência vem ganhando cada vez mais adeptos, pois “mata dois coelhos com uma só cajadada” (se você foi capaz de entender a minha frase, você já dobrou ou está perto de dobrar o Cabo!). A solução “ganha-ganha”, coloca vivendo juntos, sob o mesmo teto, jovens estudantes à procura de alojamento – caros e raros –  e seniors, que querem prolongar sua independência financeira, não dependendo da família, ter uma companhia para conversar e para fazer pequenas tarefas domésticas, como descer o lixo, passear com o cachorro ou acompanhá-los ao médico.

Em Paris, cerca de 300 pares já foram formados por associações que intermedeiam os candidatos, como a “Ensemble 2 Générations” – Juntas 2 Gerações.  De um lado, seniors – a partir de 60 anos e que dispõem de um quarto e banheiro para receber seu “inquilino” e de outro, estudantes entre 18 e 28 anos, que buscam uma solução de moradia a baixo custo e que se interessam em compartilhar com os mais velhos. São três tipos de contrato de locação: um contrato em que o jovem não paga nada, mas se compromete a passar pelo menos 6 noites em casa. Um contrato intermediário, onde o jovem paga entre €50 e €80 por mês e, em contrapartida, deve realizar pequenas tarefas domésticas. No contrato mais caro, a tarifa oscila entre €250 e €450 de aluguel mensal. Nesse caso, o jovem não precisa fazer nada em especial. Só estar morando lá.

Que essa solução traz benefícios financeiros, é certo, mas muito mais do que isso, incentiva a solidariedade, o afeto e uma troca emocional e de conhecimento que faz bem para todas as gerações.

Marlene Oliveira

Jornalista e profissional de comunicação, vive em Paris e conhece bem a ebulição do ambiente corporativo. Acredita que a queda do império romano "é pouco" perto das transformações que a sociedade está vivendo mas, otimista até a raiz dos cabelos, acredita que dias melhores virão. Inxalá!

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