Ouro ilegal: projeto de lei cria mecanismos de controle

Garimpo na região do Homoxi na Terra Indigena Yanomami: projeto de lei cria mecanismos para barrar ouro ilegal (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real – 30/04/2021)

Deputada Joênia Wapichana quer marcação física e documentação digital para coibir o comércio ilegal alimentado pelos garimpos

Por Oscar Valporto | ODS 15ODS 16 • Publicada em 12 de agosto de 2022 - 08:46 • Atualizada em 29 de novembro de 2023 - 10:24

Garimpo na região do Homoxi na Terra Indigena Yanomami: projeto de lei cria mecanismos para barrar ouro ilegal (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real – 30/04/2021)

Levantamento realizado pelo Instituto Escolhas no começo do ano apontou que o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade entre 2015 e 2020, praticamente metade da produção nacional: a maior parte desse ouro veio da Amazônia. Com base nesses estudos sobre ouro ilegal, a deputada federal Joênia Wopichana (Rede/RR) apresentou o Projeto de Lei 2159/2022 que estabelece novos parâmetros para compra, venda e transporte do ouro brasileiro em todo o território nacional e para exportação. “O projeto traz medidas imprescindíveis para que o Brasil tenha controle sobre sua produção e comércio de ouro e possa, de uma vez por todas, separar o ouro legal do ouro ilegal”, afirma a parlamentar, primeira mulher indígena eleita para o Congresso Nacional.

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O PL estabelece, entre outras medidas, que o ouro somente poderá ser comercializado se tiver recebido uma marcação física, feita com marcadores moleculares, para que seja identificada sua origem exata; que todos os documentos referentes à extração, transporte, compra e venda de ouro deverão ser digitalizados, para permitir um monitoramento das operações; que será obrigatório a comprovação de regularidade de todo o processo minerário (lastro minerário) e a conformidade ambiental (lastro ambiental); e que movimentações ou comercializações de ouro serão acompanhadas de uma GTCO (Guia de Transporte e Custódia de Ouro), além de notas fiscais eletrônicas. “Com isso, poderemos fiscalizar de modo efetivo as operações e punir aqueles que operam e lucram com a ilegalidade, deixando um rastro de destruição ambiental, impactos sobre a saúde pública e violações de diretos humanos”, afirma a deputada Joenia Wapichana.

Quando você exige a documentação de procedência do ouro, você coíbe a ilegalidade

Joênia Wapichana
Deputada federal

A parlamentar de Roraima, da etnia Wapcihana, destaca, na justificativa do projeto de lei, que os impactos da mineração ilegal sobre os indígenas da Amazônia. “A área ocupada pelos garimpos na Amazônia já é maior que a área da mineração industrial em todo o País. Somente nas terras indígenas, onde a mineração não é permitida, os garimpos cresceram cinco vezes em dez anos. Essas operações vêm acompanhadas de contaminações por mercúrio, violência e desmatamento”, aponta o documento.

A justificativa lembra outros dados do estudo do Instituto Escolhas: apenas cinco empresas Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários
(DTVMs), que compram o ouro de garimpos na Amazônia, foram responsáveis por comercializar um terço desse volume com indícios de ilegalidade (79 toneladas), indicando que 87% de suas operações são duvidosas. “Três dessas empresas, inclusive, já fazem parte de ações judiciais recentes movidas pelo Ministério Público Federal (MPF), pedindo a suspensão de suas atividades pela comercialização de ouro ilegal no Pará”, acrescenta a deputada ao defender o PL.

Joenia Wapichana apresentou a proposta em reunião da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, que aprovou sua inclusão na sua pauta de prioridades. “Quando você exige a documentação de procedência do ouro, você coíbe a ilegalidade”, argumenta a parlamentar, frisando a importância da Guia de Transporte e Custódia de Ouro, que identifica o emissor e o destinatário e traz ainda informações como o número do lote no local de lavra, o peso do produto, entre outras especificações.

O projeto apresentado na Câmara traz ainda elementos da proposta ‘Blockchain, rastreabilidade e monitoramento para o ouro brasileiro’, lançado pelo Escolhas em junho deste ano, com soluções de rastreabilidade com base na adoção de tecnologias já existentes. “A marcação física com isótopos de prata, por exemplo, é fundamental para identificar o lugar de onde o ouro foi extraído. Essa tecnologia existe e pode ser usada para banir do mercado quem destrói a Amazônia para explorar ouro ilegalmente”, explica Larissa Rodrigues, gerente de portfólio do Escolhas.

O PL de Wapichana também revoga artigos da Lei nº 12.844/2013 que permitem aos garimpeiros – ou outro agente envolvido no garimpo – vender para instituições autorizadas pelo Banco Central sem apresentar qualquer comprovação de que a extração tenha sido feita em uma área legal. As instituições compradoras – representadas pelas DTVMs e seus pontos de compra espalhados pela Amazônia – só precisam, pela atual legislação, guardar recibos em papel para que a legislação atual garanta que a aquisição foi feita com base na boa-fé. “É inadmissível que, a essa altura, a cadeia do ouro ainda utilize notas fiscais em papel”, reforça Larissa Rodrigues.

A deputada Joênia Wapichana em reunião na Câmara: falta de controle sobre ouro tem impulsionado ações ilegais dentro de áreas que deveriam estar protegidas (Foto: Alan Rones/Câmara dos Deputados - 12/07/2022)
A deputada Joênia Wapichana em reunião na Câmara: falta de controle sobre ouro tem impulsionado ações ilegais dentro de áreas que deveriam estar protegidas (Foto: Alan Rones/Câmara dos Deputados – 12/07/2022)

A proposta estabelece ainda penalidades para as DTVMs, para os vendedores e transportadores que não cumprirem com as exigências comprobatórias – o que inclui as GTCOs e as notas fiscais eletrônicas. O texto define como crime comercializar ou transportar ouro em desacordo com as regras previstas na nova lei, estabelecendo pena de 3 a 8 anos de reclusão e multa para os infratores. Os representantes das instituições financeiras envolvidas em irregularidades ficarão inabilitados de exercer funções de compra e venda de ouro ou cargos em outras instituições do sistema financeiro.

Para melhorar o controle da cadeia do ouro, o PL determina ainda que o Banco Central, no prazo de 120 dias, estabeleça como fará a fiscalização das instituições do sistema financeiro envolvidas na compra e venda. O BC deverá ainda criar um cadastro de todas as instituições financeiras que operam com ouro no Brasil, bem como de seus clientes, e enviar relatórios anuais informando sobre os resultados das atividades de fiscalização para Câmara dos Deputados, Senado Federal, TCU e MPF.

A deputada de Roraima lembra ainda os crescentes conflitos envolvendo garimpeiros na Amazônia, inclusive em terras indígenas, para defender a urgência da proposta. “Hoje, a comercialização de ouro no Brasil ainda não possui mecanismos que permitam atestar a origem do metal e impedir que o ouro ilegal entre no mercado formal, o que tem impulsionado as operações ilegais dentro de áreas que deveriam estar protegidas, como as Terras Indígenas e as Unidades de Conservação”, destaca Joênia Wapichana.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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