Distribuidor de bebidas no comando do ICMBio

Cairo Tavares vai cuidar das reservas e parques naturais do país. Foto Reprodução

Depois do dono de padaria que foi indicado para chefiar unidade de conservação, nova nomeação política constrange a área ambiental do governo

Por Emanuel Alencar | ODS 14ODS 15 • Publicada em 25 de maio de 2018 - 15:23 • Atualizada em 27 de maio de 2018 - 19:14

Cairo Tavares vai cuidar das reservas e parques naturais do país. Foto Reprodução
Cairo Tavares vai cuidar das reservas e parques naturais do país. Foto Reprodução
Cairo Tavares vai cuidar das reservas e parques naturais do país. Foto Reprodução

Responda de bate-pronto: o que tem a ver distribuição de bebidas com gestão de unidades de conservação? Aparentemente, nada. Pois para o governo Michel Temer (MDB) os assuntos são bastante correlatos. Pelo menos é o que dá a entender a nomeação de Cairo Tavares, de 31 anos, para chefiar o posto máximo que controla parques, reservas, APAs, estações ecológicas e monumentos naturais do país. A principal credencial do rapaz para ocupar a presidência do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio): ser graduado em Ciência Política no Centro Universitário do Distrito Federal (UDF). A escolha de Cairo, que também é dono de uma distribuidora de bebidas em Valparaíso de Goiás, ocorre 18 dias após Emerson Fernandes Lima gerar enorme polêmica ao assumir a chefia da Reserva Biológica do Tinguá, em Nova Iguaçu, município do Rio de Janeiro. Emerson não tinha qualquer conhecimento da área ambiental e era sócio de uma panificadora.

“Nunca, na existência do ICMBio (fundado em 2007), se viu um descaso tão grande com a qualificação do Instituto. A nomeação de alguém sem as mínimas condições de fazer a gestão de um órgão bastante complexo representa um dano gigantesco para todo o país”, critica Isaura Bredariol, funcionária admitida no primeiro concurso do ICMBio e vice-presidente da Associação de Servidores Federais da Área Ambiental (Asibama) no Rio.

Indicação política para acomodar o Partido Republicano da Ordem Social (PROS) no governo, Cairo terá a incumbência, nos dramáticos meses que ainda faltam a Temer, de gerir 2.000 servidores, que cuidam de 80 milhões de hectares, cerca de 10% do território nacional. Pela tarefa, receberá R$ 16.215,00 mensais. Em reunião esta semana, ao ser perguntado sobre seus conhecimentos na área, o novo homem dos parques foi sucinto: “Sei o que todo brasileiro sabe”.

A nomeação, que deve sair no Diário Oficial da União ainda nesta sexta-feira (25), gerou a ira de funcionários de carreira do órgão ambiental. Há promessa de uma série de manifestações e tentativas de veto à escolha. No Rio, em pelo menos dois locais: no Museu Nacional, onde servidores da Rebio Tinguá farão um encontro; e no Parque Nacional da Tijuca.

No currículo de Cairo, a área destinada às produções acadêmicas aparece em branco. Foto Reprodução
No currículo de Cairo, a área destinada às produções acadêmicas aparece em branco. Foto Reprodução

“Nunca, na existência do ICMBio (fundado em 2007), se viu um descaso tão grande com a qualificação do Instituto. A nomeação de alguém sem as mínimas condições de fazer a gestão de um órgão bastante complexo representa um dano gigantesco para todo o país”, critica Isaura Bredariol, funcionária admitida no primeiro concurso do ICMBio e vice-presidente da Associação de Servidores Federais da Área Ambiental (Asibama) no Rio.

Entre parlamentares ligados à causa ambiental, mais indignação. Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, o deputado federal Alessandro Molon (PSB) promete lutar para barrar a nomeação.

“Se for confirmada a nomeação de alguém sem nenhum histórico na área ambiental para a presidência do ICMBio, em mais um episódio de loteamento político de áreas que exigem um conhecimento técnico, com certeza vamos reagir. Não vamos permitir que tratem o meio ambiente brasileiro com tamanho desprezo”, afirma Molon.

A escolha de um nome não-técnico gerou ainda mais irritação entre ambientalistas porque Cairo Tavares substitui o oceanógrafo Ricardo Soavinski, reconhecido pelo apuro técnico e pelo conhecimento na área. Sua atuação sempre foi voltada à pesquisa e conservação da natureza. Exonerado a pedido, Soavinski tomou posse como presidente da Sanepar, a empresa de saneamento do estado do Paraná, no início de maio.

Nomeações em parques

Alguns funcionários de carreira avaliam que o ICMBio se tornou atraente depois da aprovação da lei que permite a transformação de multas ambientais em projetos de compensação. Isso dá à diretoria do órgão o poder de negociar e aprovar projetos que superam R$ 1,2 bilhão. Entretanto, outros servidores de carreira argumentam que essa nova atribuição do ICMBio ainda demorará, pois depende da sanção da lei, de regulamentação e definição de prazos. Por isso, segundo essa leitura, a nomeação do PROS estaria mais relacionada à possibilidade de indicações de aliados políticos em parques para fins eleitorais.

Quem fizer uma pesquisa em sites de busca na internet associando o nome de Cairo Tavares e o PROS vai encontrar algumas reportagens de portais do próprio partido em que o jovem é citado como diretor técnico da Fundação PROS. No currículo do rapaz, disponível na plataforma Lattes, não é possível pescar muitas informações. O espaço destinado às produções acadêmicas está vazio.

Emanuel Alencar

Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.

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