No meio do caminho, uma aula

Grupo na escadaria da Igreja da Penha: belezas da Zona Norte

Turismo na Zona Oeste, que abriga os principais complexos olímpicos

Por Andre Luis Mansur | ODS 11 • Publicada em 11 de agosto de 2016 - 08:32 • Atualizada em 11 de agosto de 2016 - 16:03

Grupo na escadaria da Igreja da Penha: belezas da Zona Norte
Adultos e crianças se divertem na visita guiada à Zona Oeste: passeio e cidadania
Adultos e crianças se divertem na visita guiada à Zona Oeste: passeio e cidadania

A Zona Oeste, que abriga os principais complexos olímpicos da Rio 2016 – da Barra da Tijuca e de Deodoro -, está na rota de passeios turísticos promovidos por grupos que fogem dos cartões postais mais tradicionais da cidade, como o Pão de Açúcar, a Praia de Copacabana, o Corcovado… O  Pé de Moleque, o Guiadas Urbanas e o Ecomuseu de Sepetiba, realizam, todos os meses, visitas guiadas àquela região e também a bairros da Zona Norte. As incursões não são apenas para mostrar os muitos monumentos históricos e as belezas naturais que essas regiões possuem. São também para que os moradores desenvolvam a cidadania, discutindo questões como ocupação irregular, poluição e ausência de políticas públicas. Eles recebem verdadeiras aulas de história, geografia e ecologia, entre outros temas. Os passeios, sempre a pé, são divulgados principalmente pelas páginas dos grupos na internet. E costumam atrair dezenas de pessoas (sempre nos fins de semana), que acabam voltando e levando mais gente.

A Zona Oeste, em especial, apresenta grande fartura de histórias, que, infelizmente, vêm se perdendo.  Isso acontece, em parte, pelo fato de ser uma área que não consta dos mapas turísticos da cidade do Rio de Janeiro, o que evidencia falta de conhecimento ou de vontade por parte do poder público em promover essa região

O Pé de Moleque foi criado em 2012 pelos geógrafos Luiz Paulo de Araújo e Lúcio Brandão. A escolha do nome não foi só por causa do famoso doce (que é sempre distribuído ao fim das caminhadas). Ele se refere também ao tipo de calçamento feito pelos escravos na época da colônia, para mostrar que os passeios (30, até agora) têm um forte componente histórico. Radicados em Jacarepaguá, onde já fizeram vários roteiros, os geógrafos têm organizado caminhadas pelo outro lado da Zona Oeste, em bairros como Bangu e Santa Cruz. Eles também levam grupos a locais da Zona Norte, como Marechal Hermes. Além de mostrar monumentos históricos, Araújo e Brandão gostam de ilustrar as caminhadas com símbolos mais informais da região. Como aconteceu em Bangu. Eles visitaram a Fábrica Bangu e outros marcos históricos, mas fizeram questão de levar  a turma ao trailer do Geleia, ponto importante da gastronomia de rua no bairro.

Os organizadores mostram as belezas, mas não deixam de fazer críticas aos locais visitados. No passeio por Santa Cruz, após passar pela antiga sede da Fazenda dos Jesuítas, pelo Matadouro de Santa Cruz  e o Marco Imperial, entre outros locais, eles falaram do crescimento desordenado do bairro, após a transferência de favelas, sem a menor infraestrutura, na década de 70. Também  ressaltaram o aumento da poluição, com o surgimento do Distrito Industrial de Santa Cruz, na mesma década. “A Zona Oeste, em especial, apresenta grande fartura de histórias, que, infelizmente, vêm se perdendo. Isso acontece em parte pelo fato de ser uma área que não consta dos mapas turísticos da cidade do Rio de Janeiro, o que evidencia falta de conhecimento ou de vontade por parte do poder público em promover essa região”, diz Lúcio Brandão. Segundo ele, o objetivo do Pé de Moleque “é democratizar o conteúdo que muitas vezes fica restrito a bibliotecas acadêmicas ou a pesquisas distantes do público”.

Grupo na escadaria da Igreja da Penha: belezas da Zona Norte
Grupo na escadaria da Igreja da Penha: belezas da Zona Norte

Outro grupo que segue a mesma linha do Pé de Moleque é o Guiadas Urbanas. Ele foi criado na Penha, em 2013, pelo casal Karolynne Duarte e Vilson Luiz. Ela, arquiteta e urbanista. Ele,  administrador de empresas  e pesquisador do subúrbio carioca e das favelas. O casal já fez 63 roteiros pela Zona Norte, passando por bairros como Madureira, Marechal Hermes, Méier e Penha, para mostrar  “um Rio além dos cartões postais”, como Karolynne e Vilson gostam  de apresentar o trabalho.  “O passeio já começa quando o camarada sai de casa, pegando o transporte público, até o cafezinho no boteco, interagindo com os frequentadores locais. É uma forma de incentivar o comércio dessas regiões e de proporcionar experiências que vão além da fotografia”, explica Karolynne.

O Guiadas Urbanas também tenta desconstruir a imagem pejorativa que a mídia divulga desses lugares. “A gente quer gerar demanda para estimular e fomentar a economia local, tornando o turismo possível e sustentável em regiões do Rio que o mercado ainda não reconhece como atrativas”, afirma Karolynne. Um exemplo foi a visita ao Parque Ary Barroso, área de 50 mil metros quadrados, na Penha Circular, que não era frequentado pela população e abrigava uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), além de outros equipamentos públicos.  A partir de  um movimento para conscientizar  os moradores de que eles precisavam ocupar aquele belo espaço verde,  o parque passou a ser cada vez mais visitado pelas pessoas do bairro, atraindo muitas crianças.

Este é o nosso objetivo, o despertar de Sepetiba

Um terceiro grupo, o Ecomuseu de Sepetiba, realiza seus passeios no litoral, da Pedra de Guaratiba a Sepetiba, passando pela Área de Proteção Ambiental da Praia da Brisa. A poluição da Baía de Sepetiba – provocada não só pelo esgoto jogado in natura, mas também pelos despejos das indústrias que operam no Porto de Sepetiba – tornou o banho de mar impraticável.  Criado em 2007, só em 2013 o Ecomuseu passou a organizar os passeios de reconhecimento e de ecoturismo na região. Foram 80 até agora. Eles acontecem sempre no primeiro domingo do mês, às 9 da manhã, partindo da praça Washington Luiz, onde fica o famoso Coreto de Sepetiba, cenário da novela O Bem Amado, da TV Globo, nos anos 70.

“O  Ecomuseu é um lugar de memória viva”, define a socióloga Bianca Wild, uma das fundadoras, que pesquisa a história daquela região. Ela conta que,  após o incremento do trabalho, inclusive com a divulgação de textos e fotografias antigas, surgiram vários blogs e páginas nas redes sociais sobre o bairro. Nos passeios, além de levar os visitantes históricos, como o Cais Imperial, do século XIX, os organizadores denunciam a poluição na Baía de Sepetiba. Falam de  como ela começou, de quem são os culpados e da forma como a população deve agir, principalmente as crianças, para quem sabe, um dia, conseguir recuperar o rico ecossistema do lugar. “Este é o nosso objetivo, o despertar de Sepetiba”, diz Bianca.

Andre Luis Mansur

Jornalista e escritor, tendo passado por veículos como Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil e O Globo, onde publicou mais de cem críticas literárias. Tem nove livros publicados, a maioria sobre a história da cidade do Rio de Janeiro, como “O Velho Oeste Carioca”, “Fragmentos do Rio Antigo” e “Marechal Hermes – a história de um bairro”. Vive na zona oeste do Rio de Janeiro, no bairro de Campo Grande.

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Um comentário em “No meio do caminho, uma aula

  1. Dayse Gomis disse:

    Que bacana!!!
    Estou na 2ª foto com uma mão levantada (hehee)
    Adorei a lembrança. Esse dia me lotou de informação relevante.

    Bom relembrar.

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