Mesmo triste, Paris volta à vida

Bandeira do Brasil entre as homenagens aos mortos nos atentados de novembro

Presença ostensiva de militares armados e queda no movimento do comércio são as novidades do fim de ano

Por Carla Lencastre | ODS 11 • Publicada em 27 de dezembro de 2015 - 09:21 • Atualizada em 28 de dezembro de 2015 - 11:54

Bandeira do Brasil entre as homenagens aos mortos nos atentados de novembro
Bandeira do Brasil entre as homenagens aos mortos nos atentados de novembro
Bandeira do Brasil entre as homenagens aos mortos nos atentados de novembro

Haroldo sem Calvin. Sentado no galho de uma árvore, um solitário tigre de pelúcia laranja, personagem criado pelo americano Bill Watterson, era um dos muitos objetos, desenhos, bandeiras, flores e velas no memorial em frente à casa de shows Bataclan, entre as praças da République e da Bastille, em Paris. Haroldo fazia sua vigília na pracinha do outro lado do Boulevard Voltaire no dia 13 de dezembro passado, um mês depois dos atentados na capital francesa.

Dos 130 mortos nos ataques terroristas, a maioria, quase cem pessoas, estava no Bataclan, um prédio de inspiração chinesa erguido na segunda metade do século XIX. Muitos foram alcançados pelas balas na Passage Saint-Pierre Amelot, ao lado do Bataclan. Caminhar por esta ruela é angustiante. Os buracos de bala estão por toda a parte, nas paredes, nos postes. Fica claro que não havia rota de fuga por ali. Mas a sensação que predomina em meio à tristeza do local é de paz. Declarações de amor estão nos desenhos e cartazes. Também se lê muitas vezes “liberté, egalité, fraternité” (“liberdade, igualdade, fraternidade”), lema da Revolução Francesa, e suas variações. Uma homenagem lembra Quentin Mourier, de 29 anos, um dos mortos, jovem arquiteto e ecologista.

Todo mundo ficou devastado. Mas a ocupação está voltando. A comunidade francesa tem grande capacidade de recuperação.

Os moradores de Paris seguem suas vidas incorporando à rotina os tristes monumentos. Dia 13 de dezembro foi um domingo cinzento, mas sem chuva e com temperatura relativamente amena para um fim de outono. Muita gente aproveitou para passear com o cachorro, correr e andar de bicicleta. Vários paravam em frente ao Bataclan para acender uma vela, tirar fotos ou simplesmente se deixar ficar um pouco, quietos. E depois voltavam ao que estavam fazendo.

Outros aproveitaram o domingo para lavar roupa. Uma lavanderia de autosserviço colada ao Bataclan funcionava normalmente. Mas ela fica dentro da área isolada pela polícia. Para chegar lá, é preciso contornar um camburão e passar por baixo da faixa de isolamento. Dois policiais acompanhavam o movimento, sem interferir. Os donos da casa de espetáculos, onde já se apresentaram artistas como o rapper americano Kanye West e o cantor britânico Sam Smith, disseram que pretendem reabrir o lugar em algum momento de 2016.

Na mesma área da Bastille, a menos de 20 minutos a pé do Bataclan, fica La Belle Equipe, na Rue de Charonne. Nesse bistrô do bairro, 19 pessoas morreram. O proprietário, judeu, perdeu sua mulher, muçulmana. Na homenagem diante do Belle Equipe o ambiente era mais intimista, e ainda mais emocionante. Mas ali também se seguia adiante. Um casal velava, olhos marejados, no bistrô. Mais tarde, os dois almoçavam no informal Clamato, restaurante inaugurado há dois anos pelo chef Bertrand Gébraut, um dos representantes dos novos bistrôs franceses com o seu pequeno e concorrido Septime, frequentado por gente de todo o mundo, brasileiros inclusive. Clamato e Septime ficam lado a lado na Rue de Charonne, a cerca de cem metros do Belle Equipe.

Para os turistas não há muitas mudanças no dia a dia. A presença do exército é ostensiva. Nos aeroportos, não se nota nenhum procedimento de segurança diferente do normal. Nas atrações turísticas, as filas estão um pouco maiores: é preciso abrir o casaco e a bolsa, às vezes passar por máquinas de raios X. O procedimento é o mesmo nas lojas, mas no comércio as eventuais filas andam rápido. Os lojistas estão preocupados com o Natal mais curto este ano. Nas semanas seguintes aos atentados, as lojas ficaram vazias. A expectativa era que dezembro concentrasse todo o movimento natalino. O mercado de Natal na Avenue des Champs-Elysées e sua roda-gigante na Place de la Concorde, e as Galeries Lafayette, com decoração inspirada em “Star Wars”, estavam lotados no segundo fim de semana do mês.

A agência de notícias Associated Press divulgou esta semana números do turismo mostrando que a Air France registrou prejuízos de cerca de 50 milhões de euros em novembro. Para o Ano Novo, não houve impacto significativo. A companhia aérea diz que novas reservas mostram “uma recuperação progressiva”.  Ainda segundo a AP, nas semanas seguintes ao atentado a taxa de ocupação hoteleira em novembro caiu 12% em relação ao ano passado.

“Todo mundo ficou devastado. Mas a ocupação está voltando. A comunidade francesa tem grande capacidade de recuperação”, diz Michael Hobson, diretor de marketing da rede asiática de luxo Mandarin Oriental, que tem um hotel em Paris na Rue Saint-Honoré.

O World Travel & Tourism Council prevê que o impacto no turismo será sentido apenas no curto prazo. A organização com sede em Londres diz que “destinos onde turistas não foram alvos específicos de terrorismo, como Paris, se recuperam rapidamente depois do choque inicial”.

Depois dos atentados, houve quem me perguntasse se eu manteria meus planos de ir a Paris. Não me passou pela cabeça cancelar ou alterar o roteiro. Nem mudar meu local de hospedagem, a meio caminho entre o Bataclan e o Belle Equipe. Talvez porque já estive na cidade dezenas de vezes e me sinto à vontade por lá. Ou porque estava viajando sem crianças. De qualquer maneira esta é uma decisão extremamente pessoal. Operadores de turismo brasileiros registraram cancelamentos para Paris logo depois dos ataques. Mas dizem que agora o movimento já voltou ao normal.

“Tivemos viagens canceladas nos dias imediatamente após os atentados. Mas novas reservas estão sendo feitas”, afirma Frederico Fajardo, da Fred Tours, de Belo Horizonte.

Flavio Geo, da Visa Turismo, também de BH, teve uma experiência diferente:

“Uma cliente iria ficar quatro dias em Paris e aumentou para nove dias. Ela me disse que a cidade seria a mais segura na Europa, por causa do grande número de policiais nas ruas”.

De fato, o policiamento ostensivo está grande. E uma das poucas coisas que me incomodou nos dias que passei na França este mês foi justamente o enorme número de jovens militares andando com armas pesadas para lá e para cá pelas ruas de Paris.

Carla Lencastre

Jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou por mais de 25 anos na redação do jornal O Globo nas áreas de Comportamento, Cultura, Educação e Turismo. Editou a revista e o site Boa Viagem O Globo por mais de uma década. Anda pelo Brasil e pelo mundo em busca de boas histórias desde sempre. Especializada em Turismo, tem vários prêmios no setor e é colunista do portal Panrotas. Desde 2015 escreve como freelance para diversas publicações, entre elas o #Colabora e O Globo. É carioca e gosta de dias nublados. Ama viajar. Está no Instagram em @CarlaLencastre 

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