As agruras do dr. Big Data

Se os personagens presos na porta giratória fossem sempre a Penelope Cruz e Adrien Brody , a vida do dr. Big Data seria muito mais simples. Foto Kobal / The Picture Desk

Quinhentos anos de relações sociais processados em meio segundo

Por Leo Aversa | ODS 1 • Publicada em 8 de fevereiro de 2017 - 09:12 • Atualizada em 8 de fevereiro de 2017 - 11:18

Se os personagens presos na porta giratória fossem sempre a Penelope Cruz e Adrien Brody , a vida do dr. Big Data seria muito mais simples. Foto Kobal / The Picture Desk
Se os personagens presos na porta giratória fossem sempre a Penelope Cruz e Adrien Brody , a vida do dr. Big Data seria muito mais simples. Foto Kobal / The Picture Desk
Se os personagens presos na porta giratória fossem sempre a Penelope Cruz e Adrien Brody , a vida do dr. Big Data seria muito mais simples. Foto Kobal / The Picture Desk

O alarme toca e a porta giratória trava. O segurança olha por meio segundo e trava a porta. Ou não. Quer saber tudo sobre big data ou algoritmos? Não precisa ir para o MIT ou ter um diploma de Harvard, basta ficar quinze minutos olhando o segurança da agência bancária.

Se o detector de metais avisa, a porta trava. A pessoa tem que voltar e mostrar o que tem na bolsa. Simples e democrático. Até aí nenhuma necessidade maior de informação, tudo analógico e elementar.

Em outros tempos seria fácil, dotô era todo aquele de terno e gravata, pronto. Mas o dotô passou a achar que se vestir de dotô era cafona e antiquado e passou a andar com outras fantasias. E o segurança, como faz para reconhecê-lo e não perder o emprego?

Mas a agência está no Rio de Janeiro, Brasil

A equação começa a ficar complicada quando aparece um homem branco bem vestido, o popular “dotô”. O dotô não gosta de ser parado por nada, se isso acontece vai ao gerente, diz que foi tratado com insolência e lá se vai o emprego do segurança e o cliente do banco. Tem que deixar o dotô passar sem ser revistado para manter o salário. Mas como o segurança pode saber quem é o dotô?

Em outros tempos seria fácil, dotô era todo aquele de terno e gravata, pronto. Mas o dotô passou a achar que se vestir de dotô era cafona e antiquado e passou a andar com outras fantasias. E o segurança, como faz para reconhecê-lo e não perder o emprego? Precisa de data, big data. E da empírica, não da que se vende a R$ 1,99 em faculdade metida à besta.

Para isso ele tem que reparar e anotar com cuidado como são as pessoas que vão para a seção premium-gourmet-diferenciada do banco. A marca da roupa, a aparência, o estilo, a cor, o celular, os sapatos etc. Também tem que observar como cada cliente é tratado, quem é atendido primeiro pelo gerente, quem fica mofando na fila, quem recebe cafezinho e água, quem ganha tapinha nas costas, quem é esculachado pelo caixa porque não trouxe o documento certo para pagar o imposto. O segurança tem que criar um banco com todos esses dados, para utilizá-lo no meio segundo em que a pessoa gira a porta. Tipo Robocop. Homem branco, meia idade, camisa polo com cavalo, sapatênis com três furos…porta livre. Rapaz negro sem camisa, bermuda, chinelo de dedo…porta trancada.

A situação complica quando tem um mix, como dizem os publicitários. Um rapaz branco sem camisa, bermuda e chinelo de dedo. E aí? Aí entra o algoritmo, que tem que calcular, baseado na big data, a chance de o rapaz ser um dotô, ou um filho de dotô, que é ainda mais perigoso que o pai. É o algoritmo do real, do que salva emprego, que vai dizer se é para travar a porta ou não. E se na porta está um negro de camisa polo com cavalo bordado e sapatênis de três furos? Aí tem que calcular a probabilidade dele ser dotô, a chance dos outros dotôs, que estão dentro, ficarem chateados porque ele não foi revistado e a possibilidade de levar um processo por racismo. E tem que levar em conta também quem vem antes e depois. Tudo em meio segundo.

São inúmeras combinações entre tom de pele, classe social, figurino e atitude que o guarda tem que resumir em pouco tempo. Quinhentos anos de relações sociais processados em meio segundo. Se errar para mais, o dotô, disfarçado ou não, pede a cabeça dele. Se errar para menos, o banco pode ser assaltado e ele perde a cabeça da mesma maneira. A ele, que tem uma arma na mão e um controle remoto na outra, cabe aplicar todos os preconceitos, racismos e fobias que os outros inventaram. E rápido, que aqui ninguém gosta de esperar.

Já para encontrar o culpado quando algo nesse esquema não dá certo, não precisa saber de big data, muito menos de algoritmo, é só perguntar ao dotô.

A culpa é sempre do segurança.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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