Natal fora de época para empresários de ônibus no Rio

Lotação: longos trajetos, com pouco conforto são marca dos ônibus no Rio (Foto Custodio Coimbra)

Prefeito concede aumento de tarifas e relaxamento de obrigações, e cidade confirma seu triste destino de um transporte indigno

Por Aydano André Motta | ODS 16 • Publicada em 18 de maio de 2018 - 01:11 • Atualizada em 15 de setembro de 2022 - 13:17

Lotação: longos trajetos, com pouco conforto são marca dos ônibus no Rio (Foto Custodio Coimbra)

Nascido (e crescido) num enclave deslumbrante de mar, sol, montanha e floresta, o Rio de Janeiro acumula maldições renitentes, que fazem sua população padecer ao longo das décadas. A beleza natural da cidade – fruto da sua localização – vira encanto solitário, cercado de pesadelos que não se dissipam. Pode escolher: a violência cinematográfica, a malandragem burra do flerte com o ilegal, a poluição que destrói a baía, os rios, as lagoas…

Prefeito sim, prefeito também, a administração da cidade é generosa com os manda-chuvas dos ônibus, abandonando os passageiros à própria sorte.

A mazela aqui será outra: o Rio parece condenado a pena perpétua de um sistema de transporte público incompetente, caro, leviano, comandado por uma casta que põe o lucro (muito) à frente dos clientes. Prefeito sim, prefeito também, a administração da cidade é generosa com os manda-chuvas do setor, abandonando os passageiros à própria sorte.

O bispo Marcelo Crivella não negou os seus. Na quinta (17), o Rio amanheceu num Natal fora de época para os poderosos chefões do transporte rodoviário. A passagem subirá de R$ 3,60 para R$ 4; a permissão para o tempo de uso dos veículos foi alargada de oito para nove anos; e o prazo para a frota estar toda com ar-condicionado, ampliado para 2020 (neste caso, prêmio pelo atraso, porque o determinado era 2016). O acordo, que vai presentear as empresas com um ganho de R$ 31 milhões mensais, ainda precisa ser homologado pela Justiça. Mas, seja qual for o veredito, joga luz sobre as intenções da atual administração carioca.

De acordo com a Secretaria de Transportes, 54% das linhas que circulam no Rio tinham mais de 50% de seus trajetos idênticos ao longo das viagens
De acordo com a Secretaria de Transportes, 54% das linhas que circulam no Rio tinham mais de 50% de seus trajetos idênticos ao longo das viagens

Não há qualquer benefício visível para os passageiros, reféns de um serviço que para ficar ruim precisa melhorar muito. O pacote de presentes chega no momento em que a cidade padece num colapso do setor. Pela Zona Oeste, diversas linhas estão simplesmente desaparecendo, por não darem lucro, obrigando usuários a caminhar alguns quilômetros para chegar à condução. Em outras regiões, o número de ônibus em circulação cai drasticamente, com reduções que tiram das ruas até dois terços dos veículos.

(O BRT, recém-inaugurado, também dá sinais preocupantes de deterioração no serviço, com a velocidade média dos ônibus nas pistas expressas desabando de 70km/h para 20km/h. Culpa dos buracos nas vias e das condições dos veículos, constantemente depredados, assim como as estações.)

Os inquilinos da concessão dão seguidas provas de que estão preocupados apenas com o lucro, e dispostos a tudo – mas tudo MESMO – por ele.

Cabe ao prefeito, misericórdia!, a vigilância do serviço prestado – que, nunca será demais lembrar, é uma concessão pública. Logo, pertence ao povo do Rio. Mas o último episódio repete toda a história do setor, com o homem público escolhendo seu lado – o dos empresários.

Aqui está a raiz do problema. Os inquilinos da concessão dão seguidas provas de que estão preocupados apenas com o lucro, e dispostos a tudo – mas tudo MESMO – por ele. Nem de binóculo se enxerga, no Rio Ônibus (o Sindicato das Empresas), na Fetranspor, nos consórcios que retalharam a cidade, nem nas empresas, o menor sinal de interesse público. Tanto que o grande argumento dos concessionários, na queda de braço do aumento das passagens, é a “viabilidade econômica do sistema”. Numa palavra: dinheiro.

A consequências para a cidade são funestas. O serviço trágico prestado pelas empresas de ônibus – turbinado pelo metrô pedestre e os trens sucateados – empurra os pobres ao serviço informal de vans, controlado, em muitas regiões pela milícia. Remediados e ricos compram carros, lotando as ruas, produzindo engarrafamentos e destruindo mais um pouquinho o meio ambiente. O automóvel está para as grandes cidades como a nicotina para os pulmões, por nocivos, mortais. Mas no Rio, será para sempre valorizado, diante das alternativas.

No dia a dia da administração pública, tais conceitos são abandonados no ramerrame da política. E lá vão os habitantes do Rio pagar pecados que não cometeram, pela ação de seus governantes, pelo despreparo dos motoristas, pelo estado terrível dos veículos e ruas.

E pagar caro, porque assim toca a banda na cidade das maldições.

Aydano André Motta

Niteroiense, Aydano é jornalista desde 1986. Especializou-se na cobertura de Cidade, em veículos como “Jornal do Brasil”, “O Dia”, “O Globo”, “Veja” e “Istoé”. Comentarista do canal SporTV. Conquistou o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa em 2012. Pesquisador de carnaval, é autor de “Maravilhosa e soberana – Histórias da Beija-Flor” e “Onze mulheres incríveis do carnaval carioca”, da coleção Cadernos de Samba (Verso Brasil). Escreveu o roteiro do documentário “Mulatas! Um tufão nos quadris”. E-mail: aydanoandre@gmail.com. Escrevam!

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