Lugar de quereres e oportunidades

Centro Social e Cultural Tatiane Lima

Por Wilson Aquino | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 17 de março de 2016 - 08:10 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:23

Turma do Coletivo Coca-Cola da ONG Tatiane Lima
Jovens atendidos pelos Centro Tatiane Lima participam do “Coletivo Coca-Cola” para serem inseridos no mercado de trabalho

Adriano tem 16 anos. É órfão de pai e mãe. Já foi reprovado três vezes. Quer se aprimorar e conquistar o primeiro emprego. Pâmela tem 19. Concluiu o Ensino Médio, mas perdeu a prova do Enem. Quer um trabalho para pagar a faculdade de Engenharia de Produção. Lidiane, 24, é casada e tem um filho. Quer retomar os estudos e arrumar um serviço com carteira assinada. Nick tem 27 anos. É da Nova Zelândia e quer ficar no Brasil por causa de uma linda garota. A Sandra tem 52 anos e não quer nada, quer apenas ajudar.

Todos querem alguma coisa. E todos precisam apenas de uma coisa: oportunidade.

Sede do Centro Tatiane Lima
Sede do  Tatiane Lima, na Favela do Batan

E essa turma do parágrafo de cima ganhou a chance de começar a atingir seus sonhos em um dos lugares mais improváveis: uma comunidade carente da Zona Oeste do Rio de Janeiro, mais precisamente na Favela do Batan. É lá que funciona o Centro Cultural e Social Tatiane Lima, uma ONG, meio caidinha por fora, mas toda arrumadinha por dentro, que impressiona pela variedade de projetos que desenvolve e pela quantidade de gente que atende. “Se for somar tudo, vai dar umas duas mil pessoas atendidas por ano”, calcula Eliane Lima, fundadora e presidente do Tatiane Lima.

Além do “Coletivo Coca-Cola”, que ajuda a inserir jovens no mercado de trabalho, a ONG oferece oficina de música, onde os meninos aprendem a tocar instrumentos com o maestro Genivaldo Carvalho Soares, um dos reitores da Escola de Música Villa-Lobos; e também judô, capoeira, inglês, informática, e, no último dia 29 de fevereiro, começou o curso Afro, que vai ensinar a fazer penteados. A ONG também trabalha com mulheres portadoras de HIV.

A entidade costuma ser procurada pelo Conselho Tutelar, pedindo ajuda para crianças que saíram da escola e que têm problemas pessoais. É a equipe do Tatiane Lima costuma entrar em contato com a família dos menores.

Já visitamos 4.116 casas e prestamos orientação para o combate à tuberculose

E é tudo de graça. Mas como?

“A gente cria bazar, almoço comunitário. Nos viramos. Compramos um pula-pula para alugar nas festinhas. Em cinco dias, faturamos R$ 1,2 mil. Mas, ficamos só com R$ 600. A outra metade foi do moço que ficou tomando conta do brinquedo nas festas. Por que não ajudar essa pessoa também? A gente não fica de pires na mão pedindo a um e a outro. A gente promove coisas para arrecadar fundos. Quem nos ajuda um pouco é o Instituto Coca-Cola. Não banca a instituição, mas ajuda. Por exemplo, a conta de luz é R$ 700. A Coca me dá metade, o restante a gente cobre. A água é a mesma coisa. Um pouquinho que nos dá, ajuda a sobreviver”, conta Eliane.

E ela não se esquece dos outros parceiros: Viva Rio, Rio Solidário, Tribunal de Justiça do Rio, Ceasa. “O PHI nos ajudou muito no projeto de música, doaram os instrumentos. Eles escolheram a gente. Foi uma surpresa boa, vieram na hora certa, quando a instituição mais precisava. Estávamos quase fechando. Eu estava muito desanimada, nos deram motivação para o trabalho”, revela, acrescentando que só não fechou porque o imóvel é próprio. “Muita ONG encerra porque não consegue pagar o aluguel”.

Mas, e os voluntários?

Lousa do Centro Tatiane Lima, que é compartilhada por diferentes oficinas
Quadro de aviso sobre as oficinas na recepção

Sandra Ângela de Oliveira chegou no Tatiane Lima depois de conversar com Neuci Rosa, que é assistente social na entidade. Ela trabalha na faxina da sede, que incluí quatro salas, recepção, banheiro e cozinha, distribuídos em dois andares. É grande para limpar, mas pequena para tanto curso.

“Na mesma sala do inglês, funciona o judô, a capoeira e a música. A sala é multiuso”, conta Neuci.

A lousa do inglês se reveza com o quadro da partitura musical.

Outro detalhe interessante está justamente na lousa do inglês. O Nick lá do primeiro parágrafo, é voluntário pela iko Poran, que abastece o Centro Tatiane Lima com recursos humanos. Ele dá aulas de noção de inglês para duas turmas, cada uma com 25 alunos, a partir dos sete anos de idade. O Nick é ótimo na língua inglesa, mas seu português deixa a desejar. Ele escreve “quinte”, em vez de quinta, quando traduz thursday.

“A gente não tem a pretensão de formar ninguém no inglês, queremos é despertar no jovem a curiosidade, a vontade de querer aprender outra língua, coisa que não é cultural, pelo menos na classe menos privilegiada. E os voluntários vêm ensinar e acabam aprendendo. A gente teve há uns quatro ou cinco anos, duas voluntárias da Estônia, que não falavam uma palavra em português e ficaram seis meses. Em três meses, já estavam falando português. As crianças corrigem os professores. Há essa troca. E isso é muito legal”, ensina Eliane.

O Centro Tatiane Lima já ajudou muita gente a conseguir colocação no mercado de trabalho. Mas, também contabiliza suas perdas. “Um dos nossos jovens, no dia que completou 18 anos, do nada foi assaltar e está agora no presídio Bangu 4. Fiquei muito abalada. Perdi um, mas creio que a gente vai resgatar. Todos são importantes”, desabafa uma entristecida Eliane, cuja vida lhe impôs muitas perdas. O Centro, aberto em 2005, é uma homenagem à única filha dela, Tatiane Lima, que morreu, em 1996, prestes a completar 15 anos, em um acidente de carro.

Equipe de trabalho do Centro Tatiane Lima
Equipe Centro Tatiane Lima,o neozelandês Nick, a faxineira Sandra, a diretora Eliane e a assistente social Neuci

Antes que esqueçamos, Eliane e Neuci também querem alguma coisa. Eliane quer ver o Centro transformado em um grande instituto, com muitas salas e mais conforto tanto para quem dá, quanto para quem recebe. A Neuci, no momento, está querendo mesmo é um jogo de espelhos para inaugurar um curso de dança para idosos. Certamente vai funcionar na sala do inglês.

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Wilson Aquino

Wilson Aquino é repórter e autor do livro Verão da Lata (editora Leya)

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