Esporte com fins educativos ajuda a driblar dificuldades

Sede da entidade Gol de Letra no Rio de Janeiro

Fundação Gol de Letra

Por Alfredo Mergulhão | Mapa das ONGsODS 10 • Publicada em 10 de dezembro de 2015 - 00:45 • Atualizada em 3 de setembro de 2017 - 01:27

Sede da entidade Gol de Letra no Rio de Janeiro
Sede da entidade Gol de Letra no Rio de Janeiro
Fundação Gol de Letra ganha chancela da Unesco e projeto é replicado em diferentes cidades do país, além do Rio de Janeiro e de São Paulo

Os nomes dos projetos da Fundação Gol de Letra fazem referência ao futebol. E Victor de Sousa Silva Teixeira, de 14 anos, e Matheus Alexandre Ferreira, de 15 anos, também fazem metáforas futebolísticas para explicar como a entidade tem ajudado a transformar suas vidas. Eles participam das atividades desenvolvidas na unidade do Caju, na Zona Portuária do Rio.

– Aqui a gente dribla as dificuldades. Desde que comecei, perdi a timidez, pois eu era uma pessoa fechada. Agora é mais fácil fazer amizades. Também passei a estudar e aprender mais – disse Matheus, que frequenta as aulas de esporte e letramento há um ano e meio.

Para Victor, passar o contraturno escolar na sede da Gol de Letra tem ampliado o horizonte dele, nascido e criado na comunidade do Caju.

– Nunca imaginei que iria para São Paulo conhecer outros garotos do projeto de lá. Ter essa experiência foi muito legal, mostra que a gente pode ir para qualquer lugar se a fizer a coisa certa – afirmou Victor.

Criada pelos ex-jogadores de futebol Raí e Leonardo, a organização não-governamental (ONG) funciona há 16 anos, mas está no Caju há uma década. O local no Rio de Janeiro foi escolhido com uma motivação especial: tem cerca de 25 mil moradores encravados entre um complexo de cemitérios e os galpões das empresas que atuam no porto.

O Caju é um dos bairros mais pobres do Rio de Janeiro. É mais conhecido pelos cemitérios que abriga e carrega os aspectos negativos de ficar na Zona Portuária, com tráfego intenso de carretas, engarrafamentos e poluição. Além de não ter sido incluído no projeto Porto Maravilha, que pretende repaginar a região.

Sentada na biblioteca da entidade – inaugurada em 2008 pelo escritor Ziraldo e que por muitos anos foi a única do bairro – a diretora executiva Beatriz Pantaleão conta que o projeto conseguiu se inserir na realidade local e, aos poucos, tenta modificá-la.

Temos uma grande lista de espera. Então mantemos o espaço aberto para quem não conseguiu uma vaga. Assim, todos sentem parte da fundação. Manter um projeto social é um desafio diário. Dizer não para uma criança é frustrante. E aumentar o atendimento nem sempre é possível

Hoje, a Gol de Letra atende 2.100 pessoas em suas atividades no Rio de Janeiro e em São Paulo. Tratam-se de crianças e adultos de 6 a 30 anos em práticas socioeducativas voltadas ao aprendizado, convivência e multiplicação de saberes para um público que vive em comunidades socialmente vulneráveis. Em 2001, a Fundação Gol de Letra foi reconhecida pela Unesco como instituição modelo.

Comprometimento

Gol de Letra no Rio de Janeiro
Jovens do projeto e Beatriz (no canto, à direita)

Uma das dificuldades da fundação é atuar em uma comunidade onde o tráfico de drogas está presente. Para Beatriz Pantaleão, a competição é desleal, pois o comércio ilegal de entorpecentes seduz os jovens pelos resultados financeiros imediatos. Na história da entidade, alguns jovens do projeto foram perdidos para as facções criminosas, mas a quantidade que se manteve na sala de aula e conseguiu uma profissão é bem maior. A comunidade conta com uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) desde abril de 2013.

Ter sucesso nesse desafio exige comprometimento. E, de acordo com a diretora executiva, o compromisso dos profissionais precisa ser reforçado sempre. Por isso, ela argumenta que os contratos dos trabalhadores da entidade têm de ser via CLT. Entre professores e trabalhadores da área administrativa e serviços gerais, são 46 funcionários na unidade do Caju.

– Nós lidamos com crianças que vêm de uma realidade complicada. E elas acabam criando vínculo conosco, nos chamam de tia, pegam afeto.  Nossa responsabilidade torna-se ainda maior quando a gente pensa nesse contexto. Então o contrato na carteira de trabalho deixa esse compromisso mais forte – explica.

No começo, a entidade mantinha seu quadro de funcionários com o fundo institucional que foi criado, para atender uma exigência da legislação brasileira. Para a criação, os ex-jogadores Raí e Leonardo colocaram a mão no bolso. Depois de 15 anos de existência, esses valores já foram usados.

Atualmente, os professores e outros profissionais são pagos, sobretudo, com recursos obtidos por meio de contribuições de empresas e das leis de incentivo, embora também receba dinheiro de pessoas físicas. No ano passado, o orçamento total foi de R$ 10 milhões, sendo que 41% veio de empresas, institutos e fundações parceiros, de acordo com o relatório anual que a entidade mantém em sua página na internet.

Clones do projeto

A princípio Raí e Leonardo acreditavam que o projeto estaria em todos os estados brasileiros à essa altura, 15 anos depois da criação. Mas hoje as intenções mudaram. A ideia agora é disseminar a metodologia de trabalho.

Com apoio da Adidas, a Fundação Gol de Letra está levando sua fórmula de atuação para Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, São Paulo, Brasília, para os municípios goianos de Barro Alto e Niquelândia, e para o Morro dos Prazeres, em Santa Tereza, no Rio de Janeiro.

A gente traz outras instituições para conhecer nossa sede, assistir as reuniões que fazemos com a comunidade, ensinamos nosso método, treinamos e explicamos como criar projeto para captar recursos. Depois vamos sair de cena e deixar os projetos caminharem com as próprias pernas

Enquanto isso, a sede do Caju passa por uma ampliação. Um novo prédio está em construção para receber cursos de capacitação profissional, entre eles um de logística e um de design de modas, escolhidos pela própria comunidade. O primeiro vai ajudar os moradores a conseguirem uma colocação no mercado de trabalho da Zona Portuária e o último amplia as chances de empregabilidade no polo de confecções de São Cristóvão, que fica próximo.

Alfredo Mergulhão

Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Goiás. Trabalhou nos jornais "Diário da Manhã", "O Hoje" e "O Popular", de Goiânia. Desde 2014 está Rio, onde trabalhou no Portal UPP e, atualmente, no "Extra".

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