Viva Rio, de ONG a empresa social

Time de futebol Pérolas Negras, do Haiti

Time de futebol e fundo de investimentos são os principais ativos

Por Liana Melo | ODS 1 • Publicada em 3 de janeiro de 2016 - 08:29 • Atualizada em 5 de janeiro de 2016 - 13:22

Time de futebol Pérolas Negras, do Haiti

Se fosse uma empresa juridicamente constituída, o Viva Rio seria das grandes, com faturamento de R$ 500 milhões, um quadro de funcionários de seis mil empregados e processo de internacionalização no Haiti. O principal sócio capitalista é o poder público. Só que o Viva Rio é uma organização social (OS) sem ativos fixos, como imóveis e maquinário, mas rica em capital social: 14 mil voluntários e parte considerável da mão de obra trabalhando nas 62 clínicas de saúde da família e em duas Unidades de Pronto Atendimento (Upas) do Rio de Janeiro, que, devido a falta de pagamento pelo estado, estão passando por uma das piores crises financeiras desde que abriram as portas em 2007.

Mas ao contrário do que possa parecer, seus dirigentes não são avessos a palavras como planejamento, estratégia, plano de negócios e dinheiro. Pelo contrário. A Oceana Investimentos se aproximou recentemente do Viva Rio e criou um fundo que aplica em ações negociadas em bolsa. O patrimônio é de R$ 75 milhões. A gestora de recursos doa para o Viva Rio parte da receita líquida dos investimentos realizados no fundo. A empresa social tem até um time de futebol, o Pérolas Negras, que estreia hoje na Copa São Paulo de Futebol Junior.

Não somos uma empresa lucrativa, não distribuímos dividendos e nosso ganho é reinvestidos nos projetos sociais

Só que ao contrário do que prega o ícone do laissez-faire, Milton Friedman, a função social da empresa não é gerar lucro. Mas como é tênue a linha que separa a entidade do chamado terceiro setor, o Viva Rio continua sendo identificado como uma organização não-governamental – o que deixa seu fundador, o antropólogo Rubem César Fernandes, de cabelo em pé. Ele quer distância do acrônimo ONG, mas não é fácil apagar o passado. Aos 22 anos, o Viva Rio tem mais tempo de vida como entidade filantrópica do que como uma empresa social – o que veio a ocorrer somente em 2009.

Centro de saúde Tamires Barcelos, administrado pelo Viva Rio
Centro de saúde Maria do Socorro, na Rocinha, administrado pelo Viva Rio

Por causa do mau uso do dinheiro público repassado para variadas organizações não-governamentais, criou-se a desconfiança que, sob o manto das causas nobres, trabalhos sociais eram apenas fachada. Ou “picaretagem”, como prefere Rubem César. Além de ser difícil apagar essa livre associação com uma ONG, persegue ainda a entidade um trocadilho pouco lisonjeiro: “Viva Rico” no lugar de Viva Rio. A provocação é antiga. Seu autor foi o sociólogo Caio Ferraz, uma das lideranças comunitárias de Vigário Geral.

À época da fundação da entidade, a comunidade havia sido vítima de uma chacina, meses depois do massacre da Candelária. Ferraz acusava  o Viva Rio – que nasceu justamente para apaziguar os ânimos na cidade, que, além de violência, vivia um momento de estagnação econômica – de não fazer nada para desconstruir a imagem negativa das favelas. “Acho gozado”, responde Rubem César.

Em resposta à crítica, foi criado o Viva Favela – um portal de jornalismo comunitário que nasceu para retratar o lado A das comunidades, ou seja, a produção cultural, o empreendedorismo e os negócios; e não o lado B explorado exclusivamente pela violência e a marginalidade. Apesar da iniciativa, o apelido nunca mais desgrudou da entidade.

Soros, futebol e educação

Dois anos depois de o Brasil ser convidado a liderar a missão de paz no país em nome da ONU após uma explosão de conflitos entre inimigos e partidários do então presidente Jean-Bertrand Aristide – que fugiu à época em um avião americano, o Viva Rio foi escolhido para atuar no país. O ano era 2006. A experiência consolidada no país foi o passaporte para clonar o trabalho social para a ilha caribenha.

A convivência fez os funcionários do Viva Rio descobrirem que a proximidade entre os dois países vai além do calor e do carnaval. A paixão pelo futebol une Brasil e Haiti. É através do futebol que os haitianos aprendem desde cedo a chutar as tristezas e driblar as dificuldades inerentes a um país marcado pela pobreza e destinado a tragédias naturais, como furacões e terremotos. Nada restou da antiga colônia francesa – conhecida como a “jóia das Antilhas”. De um país rico em café, cacau, tabaco e algodão, o Haiti se transformou no mais pobre das Américas e o 25º pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo.

Montar um time de futebol foi a consequência óbvia. Daí a montar um centro de treinamento foi um pulo. O megainvestidor George Soros que já atuava no país através da sua fundação, gostou da ideia e virou sócio da Academia de Futebol Pérolas Negras, administrada pelo Viva Rio Haiti. O complexo dispõe de quatro campos de futebol, uma piscina, uma área de ginástica e pode acomodar até 110 atletas – meninos e meninas – que lá vivem, estudam e se tornam profissionais de futebol.

Se não fossem os US$ 5,5 milhões investidos pelo financista no Centro de Treinamento (CT) da região de Bon Repos, ao norte da capital Porto Príncipe, os jogadores haitianos talvez não estivessem em condições de disputar a Copa São Paulo.

Quando o Pérolas Negras entrar em campo hoje, às 14h, contra o Juventos, de São Paulo, cada lance poderá definir a trajetória dos atletas. Ganhando ou não, jogadores não voltam mais para casa. Provisoriamente, serão instalados em um CT em Miguel Pereira, na região Centro-Sul fluminense. A equipe será mesclada a atletas brasileiros e a mudança é uma estratégia de negócios: disputar as melhores colocações em times nacionais e estrangeiros.

É que como bom jogador no mundo das finanças, o bilionário americano não entra em campo para perder dinheiro. E agora, seis anos depois de inaugurar o CT de Bon Repas, ele quer realizar o lucro. A “Copinha” pode até não render dividendos financeiros generosos – como a venda dos jogadores para times internacionais -, mas Soros não abre mão, de pelo menos, realizar o lucro social com o investimento feito até aqui.

Uma nova frente de receita está prestes a chegar ao mercado com a rúbrica do Viva Rio. Em parceria com o empreendedor Marco Fisbhen, do Descomplica, o maior site de aulas online para estudantes de ensino médio no Brasil, está sendo desenvolvida uma plataforma similar, só que voltada para estudantes das classes C e D. A expectativa de Rubem César é atingir cifras similares ao do Descomplica: 1 milhão de assinantes, cada um deles ao custo de R$ 12,00. A sustentabilidade financeira é hoje a missão da empresa social Viva Rio.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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Um comentário em “Viva Rio, de ONG a empresa social

  1. Dora Leite disse:

    Boa noite, sou do Projeto Solidário de Nova Friburgo RJ.
    Estamos com um trabalho solidário ajudando as famílias em vulnerabilidade social.
    Meu número 22 992553116

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