Tiroteio a caminho do ‘Pantera Negra’

Depois do susto, crianças fazem o gesto emblemático de #WakandaForever (Foto Leonne Gabriel)

Rumo ao cinema, crianças de Acari ficam no meio do fogo cruzado de PMs, em episódio emblemático da violência a que moradores de favelas são submetidos no Rio

Por Leonne Gabriel | ODS 1 • Publicada em 28 de fevereiro de 2018 - 08:47 • Atualizada em 29 de agosto de 2020 - 09:58

Depois do susto, crianças fazem o gesto emblemático de #WakandaForever (Foto Leonne Gabriel)

No mundo todo o movimento #BlackPantherChallenge está levando crianças negras para assistir ao sucesso “Pantera Negra”, filme sobre o super-herói africano da Marvel, com elenco e equipe de produção majoritariamente negros. Mas, no Rio de Janeiro, o programa – voltado para proporcionar uma experiência de empoderamento e diversão aos pequenos – quase acaba em tragédia. No último domingo (26), meninos e meninas do complexo de favelas do Acari se viram em meio a um tiroteio, quando estavam em um ponto de ônibus, a caminho do cinema. Um episódio emblemático da violência à qual moradores de favelas são submetidos na cidade diariamente.   

Nascido e criado em Acari, o gerente financeiro Wellington Mendes, do  Instituto Identidades do Brasil, fez um esforço pessoal para levar moradores do local ao cinema, pagando ingresso, passagem e pipocas. A ideia era um final de semana de diversão, que os fizesse fugir um pouco a realidade do bairro, com um dos piores Índices de desenvolvimento Humano (IDH) do Rio de Janeiro.

“Quando soube do lançamento de ‘Pantera Negra’, não pensei duas vezes em levar representatividade e sonhos para crianças negras”, diz ele, que reuniu as crianças com a ajuda do coletivo Fala Akari. 

No sábado, Wellington conseguiu levar 30 crianças a um shopping no Irajá para acompanhar as aventuras do herói, no reino de Wakanda. No dia seguinte, o plano era repetir a dose, mas apenas oito crianças apareceram porque havia operações da Polícia Militar perto de onde moram. Mesmo assim, o grupo persistiu, sem imaginar o episódio traumático que viria a seguir:  

“Quando estávamos no ponto de ônibus, chegou um rapaz de moto e subiu a passarela da Avenida Brasil. Os policiais o mandaram parar, mas ele continuou. E então mandaram tiro na direção das crianças. Eu estava segurando a mão de uma delas. Algumas correram na minha direção, e outras se jogaram no chão. Elas começaram a chorar e ficar tremendo. Os policiais viram a quantidade de crianças que estavam no ponto e, ainda assim, atiraram na nossa direção. O tiro quase pegou no rosto da minha filha. Eu fiquei apavorada e sem saber o que fazer”, conta Jaqueline dos Santos, uma das responsáveis pelo passeio: “Todos viram a morte de perto, mas, felizmente, ninguém foi atingido”, resume. O #Colabora procurou a Polícia Militar para apurar o que ocorreu, mas até agora não obteve resposta. 

O Pantera Negra é preto, e eu gostei de ele ser assim. Essa é a diferença dele para o  Super-Homem. O Pantera se parece comigo

Apesar do susto e da exposição à violência, as crianças conseguiram assistir ao filme e saíram da sala de cinema motivadas a encarar, como super-heroínas, as dificuldades do mundo em que vivem.

“As mãozinhas levantadas como panteras, nada paga! Acari é um dos vários espaços esquecidos pela mídia, poder público e ONGs, muito por não ser uma favela vitrine. A violência em Acari está enraizada no cotidiano dos moradores que já se acostumaram a se trancar ou não voltar para casa em dias de guerra. Essa violência não tem hora e nem lugar para acontecer e compromete a infância, as oportunidades e os sonhos”, avalia Wellington.

Marcos Gomes, de 12 anos, foi um dos que saíram impactados pelo filme. O menino reparou que a diferença entre o Super Homem e o Pantera Negra é o tom de pele e ainda disse que o novo herói se parece com ele: “O Pantera Negra é preto, e eu gostei de ele ser assim. Essa é a diferença dele para o  Super-Homem. O Pantera se parece comigo”, comemorou o menino.

Crianças em Playa Vista, na Califórnia, fazem o gesto que marca o filme. A sessão foi financiada pelo IMAX e por Snoop Dogg (IMAX/AFP)
Crianças em Playa Vista, na Califórnia, fazem o gesto que marca o filme. A sessão foi financiada pelo IMAX e por Snoop Dogg (IMAX/AFP)

Sucesso e poder

Com mais de US$ 700 milhões de bilheteria desde a estreia neste mês, “Pantera Negra” é saudado como um dos melhores filmes originados dos quadrinhos de todos os tempos. Mas, além de entretenimento dos bons, o filme cumpre uma função social que está mobilizando muita gente.  Octavia Spencer, dona de um Oscar de atriz coadjuvante por “Histórias cruzadas”, anunciou em suas redes sociais que ia comprar todos os ingressos de uma sessão em uma comunidade pobre “para se assegurar de que todas as crianças negras poderão se reconhecer em um super-herói”. A estrela negra não foi a única celebridade a se engajar na campanha por levar crianças pobres para verem o filme. O filantropista Frederick Joseph foi quem lançou o  BlackPantherChallenge na plataforma de financiamento coletivo GoFundMe. Ele mesmo arrecadou US$ 40 mil para levar crianças do Harlem, em Nova York, para assistir à história do príncipe T’Challa, mas o desafio se espalhou e já foram levantados US$ 775 mil, com doações do diretor  J.J. Abrams, da apresentadora Ellen DeGeneres e da atriz Viola Davis.

“Todas as crianças merecem acreditar que podem salvar o mundo, entrar em aventuras emocionantes e conseguir o impossível. Sou grato a todos vocês que responderam meu chamado e estão agindo para ajudar mais crianças a assistirem seus heróis na tela grande”, diz Joseph, no site do GoFundMe. Mais de 50 mil crianças já assistiram ao filme por conta da campanha.

 

 

Leonne Gabriel

Leonne Gabriel é graduado em Comunicação Social jornalismo e publicidade e propaganda com ênfase em Tecnologias e Mídias Digitais na PUC-Rio. Atualmente integra o time de jornalismo do Canal Futura como apresentador. É ganhador do Prêmio ANF de Jornalismo 2019 na categoria melhor reportagem de educação e do Prêmio Ubuntu de Cultura 2019 na categoria jornalista revelação.

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