Nos indicadores sociais, Brasil também perde na fase final da Copa

A festa das crianças durante a Copa do Mundo de 2014, em Porto Seguro, na Bahia. Foto Andreas Gebert/DPA

Derrotado nas quartas-de-final do Mundial, país perde em renda, mortalidade infantil e expectativa de vida

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 1ODS 15 • Publicada em 11 de julho de 2018 - 08:25 • Atualizada em 15 de julho de 2018 - 13:43

A festa das crianças durante a Copa do Mundo de 2014, em Porto Seguro, na Bahia. Foto Andreas Gebert/DPA
A festa das crianças durante a Copa do Mundo de 2014, em Porto Seguro, na Bahia. Foto Andreas Gebert/DPA
A festa das crianças durante a Copa do Mundo de 2014, em Porto Seguro, na Bahia. Foto Andreas Gebert/DPA

A Copa do Mundo de futebol é um torneio organizado de forma desigual entre os continentes, pois a Europa, com uma população de 742 milhões de habitantes (representando 9,8% da população mundial), tem a participação de 14 seleções; as Américas, com uma população de 1 bilhão de habitantes (representando 13,3% do total mundial), tem 8 seleções; a Ásia com uma população de 4,5 bilhões de habitantes (representando 59,7% do total mundial) tem somente 4 seleções; a África, com 1,3 bilhão de habitantes (representando 16,6% do total mundial), tem 5 seleções e a Oceania, com 40,7 milhões de habitantes (0,5% do total mundial), tem uma única seleção. Ou seja, a Copa do Mundo é um torneio dominado pela desproporcional presença dos países europeus, que constituem menos de 10% da população mundial, mas ocupam 44% das vagas.

Das 32 seleções representadas na competição, os países europeus predominam no bloco de cima do ranking do mais elevado nível do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Na primeira chave, com os 16 países de melhor IDH, além da Austrália, 11 países são europeus, 3 são asiáticos (Japão, Coreia do Sul e Arábia Saudita) e apenas a Argentina representando as Américas. Na segunda chave, com os 16 países de menor IDH, há 3 europeus (Croácia, Rússia e Sérvia), o Irã pela Ásia, os demais países latino-americanos e no fim da fila os 5 países africanos que estão na lanterninha do ranking do IDH.

A tabela abaixo mostra que, no topo da liderança mundial da qualidade de vida, estão Austrália e Suíça, ocupando o segundo lugar (o primeiro posto do IDH pertence à Noruega) e no piso está Senegal, que tem o mais baixo IDH entre as 32 seleções da Copa da Rússia, ocupando o 162º lugar, num rol de 191 nações. O Brasil só está à frente do Peru, da Colômbia e dos países africanos, ocupando a 79º posição no ranking das 191 nações elencadas no IDH.

Fonte: UNDP: Human development index (HDI), 2016

Para as oitavas de final da Copa da Rússia, passaram 10 países europeus, 5 latino-americanos e o Japão, representando a Ásia. Nenhuma nação africana conseguiu ultrapassar a fase de grupos. Nas quartas de final, ficaram 6 nações europeias e 2 nações sul-americanas. Dos oito finalistas, o Brasil se destaca como detentor dos piores índices de desenvolvimento humano e social.

A tabela abaixo compara alguns indicadores para os oito finalistas do campeonato mundial. O Brasil é o país com a maior população (209 milhões de habitantes em 2017) e a Croácia (com 4,2 milhões) e o Uruguai (com 3,4 milhões) são as nações menos populosas. O Brasil é o país com a menor renda per capita (em poder de paridade de compra), estimada em US$ 14,2 mil, em 2017, enquanto a Suécia apresentava a maior renda per capita (US$ 46,9 mil). O Brasil é o país com a maior concentração de renda, tendo um índice de Gini de 51,3, em 2016, sendo que a Bélgica (27,7) e a Suécia (29,2) apresentavam as menores desigualdades de renda. O Brasil tem uma mortalidade infantil de 13 óbitos para cada mil nascimentos, no quinquênio 2015-20, seguido do Uruguai com 11 óbitos por mil, a Rússia com 7 óbitos por mil e os demais países europeus com 3 óbitos por mil e a Suécia com 2 óbitos por mil. Na esperança de vida ao nascer, no quinquênio 2015-20, o Brasil com 75,8 anos só ganhava da Rússia, com 71,2 anos, perdendo para todas as outras nações, com destaque para a França e a Suécia que apresentam esperança de vida ao nascer de 82,8 anos, no atual quinquênio.

Considerando o número de pessoas que ganharam o prêmio Nobel, em cada uma das oito nações, a Inglaterra lidera com 129 agraciados, seguido da França com 68 agraciados e, na lanterninha, Brasil e Uruguai, que nunca marcaram gol nessa área. No campo do desemprego, o Brasil lidera com 12,9% da força de trabalho desocupada, em 2017, contra apenas 4,3% da Inglaterra. No terreno da violência, o Brasil está bem à frente com uma taxa de 31,3 homicídios para cada cem mil habitantes, em 2016, seguido da Rússia com taxa de homicídio de 11,3 por cem mil, Uruguai com taxa de 7,4 por cem mil, e a Bélgica, a Croácia, a França e a Suécia com taxa em torno de 1,0 homicídio por cem mil habitantes.

Indicadores econômicos e sociais dos oito finalistas da Copa do Mundo da Rússia 2018

Indicadores Bélgica Brasil Croácia França Inglaterra Rússia Suécia Uruguai
População (em milhões) 11,4 209 4,2 64,9 65,4 143,9 9,9 3,4
Renda per capita (US$) 42.404 14.212 22.247 39.860 40.185 25.353 46.887 20.377
Índice de Gini 27,7 51,3 30,8 32,7 33,2 37,7 29,2 39,7
Mortalidade infantil (em mil) 3 13 3 3 3 7 2 11
Esperança de vida (anos) 81,4 75,8 77,9 82,8 81,8 71,2 82,8 77,7
Prêmio Nobel 11 0 2 68 129 27 31 0
Desemprego aberto (%) 7,4 12,9 10,8 9,7 4,3 5,2 6,8 8,1
Taxa homicídio (em 100 mil) 1,0 31,3 1,0 0,9 1,3 11,3 1,0 7,4

Diversas fontes (ver referências e notas)

Portanto, no torneio dos piores indicadores sociais, a nação brasileira lidera com folga. Como diz a música: “Com brasileiro, não há quem possa!”. Dos oito finalistas da Copa de 2018, o Brasil é o país com menor renda per capita, maior desigualdade de renda, maior mortalidade infantil, segunda menor esperança de vida ao nascer, nunca recebeu um prêmio Nobel, tem a maior taxa de desemprego aberto e a maior taxa de mortes violentas por homicídio.

Uma vitória no futebol poderia mitigar os problemas sociais do país mais pobre, mais desigual e mais violento entre as oito nações finalistas da Copa da Rússia. Porém, o sonho do hexa foi adiado. Os dois países sul-americanos – e de menor IDH – foram eliminados nos dois primeiros jogos das quartas de final. Ficaram os países europeus e  com IDH acima de 0,800. O velho continente ganha mais uma.

Os países europeus venceram todas as Copas desde 2006 e doze das 21 disputadas (o que representa 57% do total). Este predomínio europeu já começa na organização do torneio, que tem maioria europeia na largada. Mas parece que ter alto IDH está se tornando uma condição básica para a vitória. Talvez esta seja a maior lição a ser aprendida pelo Brasil.

Ao mesmo tempo, o Brasil é o maior vencedor do campeonato mundial de futebol. Já ganhou cinco Copas. Apesar da derrota para a Bélgica, nos gramados mundiais, como dizia Nelson Rodrigues, o Brasil superou o “complexo de vira-lata”. Porém, sem querer ofender a biodiversidade canina, o Brasil continua um “vira-lata” na luta para superar o seu atraso social.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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