Qualquer semelhança não é mera coincidência

Manifestante em Paris. Foto: CITIZENSIDE / Alphacit NEWCIT

Na França, as grandes greves contribuíram para novas conquistas sociais

Por Marlene Oliveira | ODS 1 • Publicada em 28 de abril de 2017 - 11:20 • Atualizada em 30 de abril de 2017 - 12:19

Manifestante em Paris. Foto: CITIZENSIDE / Alphacit NEWCIT
Manifestante em Paris: a greve faz parte da cultura da França, como o queijo e o vinho. Foto: Citizenside/ Alphacit Newcit

A palavra “greve” teve origem numa praça em Paris. Uma praça onde todos os turistas certamente já estiveram: a Praça do Hôtel de Ville, bem no centro da cidade luz. Ali, às margens do rio Sena, a partir do século XIV, na Place de Grève, desempregados procuravam trabalho no movimentado ancoradouro, o Porto de la Grève por onde chegam mercadorias que abastecem Paris: a madeira, o trigo, o vinho, os fenos são descarregados ali, dando origem a instalação de um mercado. Depois, era na praça que os trabalhadores voltavam para reclamar das condições do trabalho, do pagamento e demonstrar sua insatisfação com os colegas.

A greve faz parte da cultura da França. Assim como o pão, o queijo, o vinho e a contestação. Discutir e protestar? Eles adoram. E o fazem com convicção e ardor.

Há um ano, em maio de 2016, a França parou para uma greve geral contra as reformas nas leis do trabalho. Dos transportes às refinarias, passando pelos aeroportos de Paris, mais de dez setores ficaram em greve, no tradicional mês de maio, sempre lembrado pelos movimentos de 1968.  Atacado até por membros do seu partido, o presidente disse: “Não vou recuar”. “Não há alternativa”, acrescentou depois o então primeiro-ministro, Manuel Valls. Em Toulouse, sindicalistas bloquearam a entrada de um deputado socialista com tapumes. Em Perpignan, vários parlamentares foram encurralados no aeroporto.

Não é possível contar a história da França sem falar de greves. Elas estão por toda parte e em todas as categorias. E garantiram grandes conquistas sociais

Muitas sedes regionais dos socialistas ficaram protegidas pela polícia. Aliás, até a polícia fez greve. O maior sindicato da categoria, o Alliance, afirmou que a categoria estava cansada do fato de os policiais serem chamados de “selvagens que agridem os jovens cegamente”. Sob o lema “Parem o ódio contra a polícia”, os policiais convocaram 90 manifestações em diversas localidades do país. Vale lembrar que o Governo francês é – ou foi – socialista. A reforma, que facilita e desonera as demissões, foi implantada “na marra’, por força de decreto, mesmo repudiada por 70% dos franceses, segundo as pesquisas de opinião. Para Hollande e Valls, a reforma era “necessária” para melhorar a competitividade das empresas e da França.

Protesto, na Place d’Italie, em maio de 2016, contra a nova lei trabalhista na França. Foto: Mustafa Yalcin / Anadolu Agency

 Não é possível contar a história da França sem falar de greves. Elas estão por toda parte e em todas as categorias. E garantiram grandes conquistas sociais: em 1889, o 1° de maio passou a ser considerado como o dia anual da greve, com o objetivo de reduzir a jornada de trabalho para 8 horas, o que só aconteceu em 1919. Em junho de 1936, uma greve garantiu aos franceses o direito de ter férias pagas, convenções coletivas e criou-se a figura de representantes de empregados.

Mesmo quem não estava lá sabe que maio de 1968 representou uma ruptura na sociedade francesa. A ocupação da universidade da Sorbonne por 400 manifestantes foi o estopim de uma série de eventos que, pela primeira vez, culminou com uma greve geral, paralisando o país

A greve também serviu para defender a democracia: em fevereiro de 1934 contra o fascismo e inúmeras vezes durante a Ocupação. Há ainda as greves de não assalariados, como as dos motoristas de táxi e dos donos de tabacaria – o francês sente muito quando isso acontece. E as greves não se limitam apenas aos setores produtivos.

Mesmo quem não estava lá sabe que maio de 1968 representou uma ruptura na sociedade francesa. A ocupação da universidade da Sorbonne por 400 manifestantes foi o estopim de uma série de eventos que, pela primeira vez, culminou com uma greve geral, paralisando o país e tornando-se o movimento social mais importante da história da França no século XX. Com um viés antiautoritário, contra o capitalismo e o imperialismo americano, os franceses passaram a dar menos peso a alguns valores que sempre pautaram o país: a autoridade, a família, a moral e a religião.

Depois de 68, as greves de 1995 foram as mais importantes e as que mais impactaram a França. Alain Juppé, na época primeiro-ministro de Jacques Chirac, esteve à frente de uma proposta para mudar o sistema de saúde e a aposentadoria: aumentar os anos de trabalho para o setor público, aumentar a participação dos pacientes nas despesas hospitalares, congelar as bolsas família, aumentar as cotizações, entre outras medidas extremamente impopulares. As greves paralisaram, entre outros setores, os transportes, obrigando o parisiense a fazer grandes trajetos a pé ou de bicicleta, em pleno frio do mês de novembro e dezembro.

Origens históricas das greves no Brasil

Em Brasília, cartaz convoca para a greve geral deste 28 de abril. Foto: Mateus Bonomi / AGIF

Com o fim da escravatura, em 1888, chegam ao Brasil imigrantes europeus para o trabalho nas lavouras de café e açúcar. Influenciados pelos valores humanos e pelas conquistas sociais que avançavam na Europa, os movimentos sociais começaram a crescer e acontece, em São Paulo, a primeira greve geral em 1917. Mais tarde, a industrialização fez aumentar o número de trabalhadores urbanos e a pressão por melhores condições de trabalho e de vida.

Em 1937, Getúlio Vargas tentou apaziguar as tensões sociais através da concessão de direitos trabalhistas e, com isso, diminuir o embate entre as classes. Em compensação, criou um sindicato único, manejado pelo Estado, e extinguiu o direito de greve, por considerar uma conduta antissocial, nociva ao trabalho, ao capital e aos interesses da produção nacional.

Somente na Constituição de 1988, o direito de greve é assegurado e regulamentado pela lei 7.783/89 que determina os requisitos para a deflagração do movimento.

Perdendo a cabeça na Grève

O Hôtel de Ville, em Paris: palco de execuções, na Revolução Francesa. Reprodução: Ann Ronan Picture Library

 A praça da Grève, em Paris, também foi palco de suplícios públicos por outras razões: era lá o palco para diversas execuções feitas durante o Antigo Regime e onde, durante a Revolução Francesa, foi empregada, pela primeira vez, a guilhotina. Diz a lenda que o “espetáculo” não agradou a população, que esperava um suplício mais demorado como os da Idade Média. Entre as últimas cabeças cortadas estavam as de um deputado e de um promotor público.

Marlene Oliveira

Jornalista e profissional de comunicação, vive em Paris e conhece bem a ebulição do ambiente corporativo. Acredita que a queda do império romano "é pouco" perto das transformações que a sociedade está vivendo mas, otimista até a raiz dos cabelos, acredita que dias melhores virão. Inxalá!

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