Discriminação contra a mulher no trabalho persiste

Só 41% das mulheres, com filhos menores de 1 ano, conseguem continuar empregadas. Foto Rodrigo Fonseca/AFP

Número de denúncias e de ações na justiça cresce, mas empresas brasileiras ainda valorizam mais o trabalho dos homens

Por Luciana Werner | ODS 1ODS 5 • Publicada em 16 de novembro de 2017 - 08:18 • Atualizada em 17 de novembro de 2017 - 13:25

Só 41% das mulheres, com filhos menores de 1 ano, conseguem continuar empregadas. Foto Rodrigo Fonseca/AFP
Só 41% das mulheres, com filhos menores de 1 ano, conseguem continuar empregadas. Foto Rodrigo Fonseca/AFP
Só 41% das mulheres, com filhos menores de 1 ano, conseguem continuar empregadas. Foto Rodrigo Fonseca/AFP

Ser funcionário do Google é desejo de muita gente. Mas, até mesmo a gigante das buscas, que há seis anos lidera o ranking com as dez melhores empresas para se trabalhar da Revista Fortune, tem problemas relativos à discriminação de gênero. Recentemente, três ex-funcionárias entraram com um processo contra a companhia – famosa por criar um ambiente de trabalho invejável, igualitário e cheio de regalias -, alegando que não tiveram os mesmos aumentos salariais e perspectivas de crescimento oferecidas aos colegas do sexo masculino. Se até lá essa questão ainda aparece, como andará o cenário nas empresas brasileiras?

Na nossa sociedade, quando uma família tem filhos, a mulher é quem geralmente falta ao trabalho quando acontece algum problema com as crianças. No código interno de algumas empresas antigas havia cláusulas dizendo, por exemplo, que uma mulher que “contraísse núpcias” seria demitida. Já tive que analisar um contrato de trabalho que ainda continha essa norma

 “Na nossa sociedade, quando uma família tem filhos, a mulher é quem geralmente falta ao trabalho quando acontece algum problema com as crianças. Os empregadores tradicionais do Brasil ainda pensam dessa forma e isso compromete muito a ascensão social e financeira. No código interno de algumas empresas antigas havia cláusulas dizendo, por exemplo, que uma mulher que “contraísse núpcias” seria demitida. Já tive que analisar um contrato de trabalho que ainda continha essa norma”, espanta-se Juliana Bracks, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas. “E o mais interessante é que, na faculdade, a gente não vê essa distinção. Pelo contrário, vemos as mulheres superdestacadas. Não é uma questão de qualidade, tem preconceito até por parte das próprias mulheres. Quantas vezes você já não ouviu uma mulher dizendo que não vai contratar uma candidata a doméstica porque ela é muito novinha, logo vai casar, ter filhos e começar a faltar?”, pergunta.

Foi mais ou menos o que aconteceu com a doméstica Michele Pereira, de 27 anos. Seu primeiro filho tem pouco mais de um ano e ela acaba de ser dispensada do emprego, em uma casa de família. “Minha patroa ficava furiosa quando meu filho adoecia e eu faltava, ou quando havia algum problema com a moça que cuida dele para mim enquanto  trabalho e precisava chegar mais tarde ou faltar também. Quando eu sugeria levar meu filho para o trabalho, aí ela ficava mais brava ainda”, desabafa.

A própria Fundação Getúlio Vargas acaba de divulgar uma pesquisa relacionada ao assunto: “Licença-maternidade e suas consequências no mercado de trabalho do Brasil”, baseada em dados do Ministério do Trabalho e do setor privado. Segundo o estudo, metade das mulheres analisadas estava fora do mercado de trabalho 12 meses após o início da licença-maternidade. Os pesquisadores acompanharam, até 2016, o desempenho no mercado de trabalho de 247.455 mulheres, com idades entre 25 e 35 anos, que tiveram direito ao benefício entre os anos de 2009 e 2012. De acordo com essa análise, no quinto mês após o início da licença, quando acaba o período de garantia do emprego, 5% da população analisada não trabalhava mais. O percentual subia para 15% no sexto mês. Um ano depois, 48% das trabalhadoras já não estavam mais em seus postos.

Um ano após tirarem a Licença-maternidade, apenas 48% das mulheres seguiram no emprego. Foto Evaristo Sá/AFP
Um ano após tirarem a Licença-maternidade, apenas 48% das mulheres seguiram no emprego. Foto Evaristo Sá/AFP

De acordo com professora Cecilia Machado, da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EPGE), uma das autoras da pesquisa, os dados do Ministério do Trabalho mostram que a maior parte das profissionais foi demitida sem justa causa. A pesquisa revela, também, que o índice de mulheres desligadas do emprego após a licença-maternidade varia conforme a escolaridade: quanto maior o nível de instrução da funcionária, maiores suas chances de permanência no cargo. Cecília diz, ainda, que um outro estudo, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), feita em 2015 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), chegou à conclusão de que a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho é bem mais baixa que a dos homens. Na época do estudo, em torno de 65% das mulheres com idades entre 25 e 44 anos estavam empregadas. Para os homens, o percentual era de 88%. A presença de um filho pequeno na família contribui muito para a baixa participação das mulheres no mercado de trabalho. O percentual de mulheres empregadas entre 25 e 44 anos e com um filho de até 1 ano de idade cai para 41%. E somente 28% destas mulheres trabalham 35 horas ou mais por semana no Brasil.  “No caso dos homens, o perfil se inverte: 92% dos que tinham filhos de até 1 ano estavam trabalhando, 82% deles em atividades com 35 horas ou mais de carga horária semanal. Esses dados mostram como é importante a questão da maternidade no mercado de trabalho”, acrescenta a professora.

Procuradora do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ) e representante regional da Coordenação de Promoção da Igualdade de Oportunidade e Eliminação da Discriminação no Trabalho – Coordigualdade, Luciana Tostes afirma que as denúncias relacionadas à discriminação de gênero têm crescido muito no Brasil, o que atribui à conscientização cada vez maior da ilegalidade da prática discriminatória. Por conta desse aumento, existe uma grande preocupação em promover ações preventivas. “Fazemos campanhas, cartilhas e informativos, além de ocuparmos assentos em grupos e conselhos de direitos humanos. Recebemos muitas denúncias sobre empresas que não contratam mulheres ou que não lhes dão possibilidade de crescimento profissional. Investigamos cada caso e, em função do que constatamos, propomos a celebração de um Termo de Ajuste de Conduta ou ajuizamos uma Ação Civil Pública”, explica ela. “Foram muitas as ações julgadas procedentes. Em defesa da igualdade de gênero, por exemplo, um banco foi obrigado a pagar R$ 20 milhões por dano moral coletivo decorrente do fato de que uma empregada, extremamente pressionada, sofreu um aborto dentro da empresa e continuou trabalhando”, revela. “As denúncias podem ser feitas de forma anônima, sigilosa ou identificada, através do site do MPT (www.prt1.mpt.mp.br) ou de uma ligação gratuita para 0800-0221-331.

A engenheira Marta Lima, de 69 anos, passou por uma situação que enxerga claramente como discriminação de gênero. Aos 30 anos, estava grávida de sua segunda filha e trabalhava em uma empresa que precisou cortar pessoal por conta de uma crise financeira. As mulheres foram as primeiras da lista: “Fui demitida assim que acabou meu período de licença-maternidade. Na empresa, diziam que mulher ou tinha pai, ou tinha marido. Só ficaram homens trabalhando lá. E eles sempre ganharam mais do que as mulheres, que muitas vezes exerciam as mesmas funções. Isso foi há muito tempo, mas o que me impressiona muito é que continuo ouvindo o mesmo tipo de relato até hoje”, avalia ela.

Para a economista Luana Passos, que está no meio de uma tese de doutorado sobre essa questão de gênero, a igualdade no mercado de trabalho passa pela igualdade dentro das famílias e na sociedade de modo geral. Nesse sentido, ela afirma que o movimento feminista tem desempenhado um importante papel na desconstrução de estereótipos. “A luta das mulheres por direitos igualitários faz com que, atualmente, a legislação trabalhista defenda a não discriminação por questão de gênero.  Assim como a racial, a de gênero ocorre, em geral, camuflada, para impedir qualquer queixa trabalhista. Infelizmente, é difícil de ser comprovada”, finaliza.

Luciana Werner

Jornalista graduada pela PUC-Rio, trabalhou 15 anos no Jornal O Globo, onde foi repórter especial. Ocupou o cargo de editora de Cultura do Jornal O Dia e participou de projetos para empresas como Globosat e PUC-Rio. Mora em San Francisco, na Califórnia, onde continua a escrever e pretende fazer mestrado na área de sustentabilidade.

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