O IDH do Brasil melhorou

Os anos médios de estudos dos brasileiros passaram de 7,2 para 7,9

Apesar de correto, método de cálculo do PNUD mascara realidade

Por Flavio Comim | ArtigoODS 1 • Publicada em 18 de dezembro de 2015 - 09:53 • Atualizada em 18 de dezembro de 2015 - 13:13

Os anos médios de estudos dos brasileiros passaram de 7,2 para 7,9
Os anos médios de estudo dos brasileiros eram de 7.2 anos, passando agora para 7.7 anos para pessoas acima de 25 anos, o que não é desprezível
Os anos médios de estudo dos brasileiros eram de 7.2 anos, passando agora para 7.7 anos para pessoas acima de 25 anos, o que não é desprezível

O Brasil está passando por uma crise política, econômica, social e por que não dizer também moral sem precedentes. Parece assim natural que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) capte através de suas variáveis tudo isso que vem acontecendo no país. Nada mais esperado ver portanto que a evolução do IDH (ou mais precisamente a variação do país no ranking do IDH) seja negativa, isto é, que o Brasil caia no ranking do IDH. E foi isso o que oficialmente aconteceu. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) divulgou essa semana que o Brasil, que estava no IDH anterior na posição 74a no ranking, caiu uma posição ao ir para a posição 75a. Tudo dentro do previsível. O Brasil está em crise e o IDH mostra isso.

O lançamento do IDH desse ano nos mostrou que vivemos em uma sociedade fragmentada moralmente, que dispõe de poucas pontes de conversação entre seus cidadãos e que carece desesperadamente de razão pública. O número do IDH pouco importa. Como o interpretamos diz muito sobre nós mesmos, e sobre o futuro que temos adiante, com crise ou sem crise.

Só que não. No IDH do ano passado o Brasil tinha uma expectativa de vida de 73.9 anos. Agora, no IDH atual tem uma expectativa de vida de 74.5 anos, um avanço significativo de uma variável que se move muito lentamente, dentro do espaço de um ano. Similarmente no IDH anterior, os anos médios de estudo dos brasileiros eram de 7.2 anos, passando agora para 7.7 anos para pessoas acima de 25 anos, o que é também um aumento não desprezível. A expectativa de vida escolar manteve-se constante mas em um patamar muito elevado de 15.2 anos. Por fim, a renda nacional bruta (a preços constantes de 2011) subiu de US$ 14.275 para US$ 15.175 em termos nominais. Ou seja, a leitura de que o Brasil ‘caiu’ esconde essas melhorias em termos absolutos.

Mas como então foi produzida a notícia de que o Brasil caiu? Seria um artifício da mídia ‘malvadona’? Não, nada disso. O dado foi produzido pelo próprio PNUD que calcula a variação do ranking do IDH com base na revisão do IDH do ano anterior. Isso significa que todas as variáveis do IDH do ano passado foram corrigidas com base em novas evidências antes de se fazer a comparação de rankings desse ano. Em grande medida isso é tecnicamente correto, mas mascara as variações que acontecem entre o ‘ano anterior sem revisar’ e o ‘ano anterior revisado’. E o pior: reescreve a história, pois ano passado a posição do Brasil no ranking do IDH era 79a. Considerando que agora o país está na 75a posição, deveria ser dito que o país subiu 4 posições e não que caiu uma. O Brasil está mais perto e não mais longe da Noruega!

Os efeitos da crise atual vão ser sentidos no IDH pelo menos pelos próximos 2-3 anos, mas o IDH deste ano ainda não mostra de todo o que tem acontecido no Brasil. De certo modo essa é uma característica do índice cujas variáveis saúde e educação captam apenas impactos de mais longo prazo. No entanto, toda a mídia, sem exceção, pelo o que eu saiba, comprou a versão oficial. Em poucos fóruns nos quais eu (que já trabalhei para o PNUD com a divulgação oficial do IDH por cinco anos, de 2006 a 2010) participei sobre esse IDH, fui acusado de oferecer uma interpretação positiva do índice por ser politicamente favorável ao governo. Logo eu, que vem criticando o governo e os mesmos erros de leitura do IDH por um bom tempo?

No cerne desse debate e de nossa crise ficam três lições importantes. Primeira: não podemos isolar-nos em ‘tribos morais’, como diria o escritor Joshua Greene no seu livro que tem esse título, defendendo ideias herméticas a evidências. Não há como planejar ou construir o desenvolvimento sustentável sem estarmos abertos a evidências, sejam quais forem, positivas ou negativas. O IDH desse ano foi positivo, mas toda a imprensa tratou-o como negativo. Segunda: o IDH, apesar de seus méritos, continua sendo um indicador limitado, não apenas pelo o que deixa de incluir, mas pela maneira pela qual o faz, com uma linha burocrática na produção da informação que a torna ‘velha’ quando ela é lançada (o jornal New York Times já criticou o IDH nesse mesmo ponto).

Por fim, fica claro que vivemos em uma sociedade que discute e examina pouco sua realidade. Estamos ainda muito longe de viver em uma sociedade onde impere a ‘razão pública’ de John Rawls e Amartya Sen. Pelo contrário, o contraditório é visto com desconfiança. Um desenvolvimento humano sustentável precisa de pessoas que possam discutir, examinar os fatos, ponderar argumentos, considerar cenários alternativos cujas evidências algumas vezes podem ser cruciais apesar de frágeis. O lançamento do IDH desse ano nos mostrou que vivemos em uma sociedade fragmentada moralmente, que dispõe de poucas pontes de conversação entre seus cidadãos e que carece desesperadamente de razão pública. O número do IDH pouco importa. Como o interpretamos diz muito sobre nós mesmos, e sobre o futuro que temos adiante, com crise ou sem crise.

Flavio Comim

O economista Flávio Comim é formado pela Federal do Rio Grande do Sul, tem mestrado pela USP e doutorado por Cambridge. Já foi consultor do Pnuma na África e foi consultor do PNUD, onde foi responsável pelo IDH no Brasil até 2010. Já co-editou livros para a Oxford University Press, Palgrave Macmillan e Cambridge University Press, sendo que o último foi em parceria com a filósofa Americana Martha Nussbaum.

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