Número de famílias chefiadas por mulheres dobrou em 15 anos

Cada vez mais famílias são sustentadas por mulheres: luta por igualdade continua. Leemage/AFP

Livro analisa crescimento expressivo da chefia feminina nos lares do país, entre 2001 e 2015

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 5 • Publicada em 10 de abril de 2018 - 10:39 • Atualizada em 29 de novembro de 2021 - 13:46

Cada vez mais famílias são sustentadas por mulheres: luta por igualdade continua. Leemage/AFP

O Brasil passou por grandes transformações econômicas, sociais e demográficas nas últimas décadas. As transições urbana e demográfica possibilitaram avanços na conquista dos direitos de cidadania das mulheres e mudanças na configuração dos arranjos familiares. Este processo abriu espaço para uma mudança das relações de gênero no seio das famílias e gerou um grande aumento do número e do percentual de mulheres chefes de família.

Entre os casais sem filho, o número de mulheres chefes passou de 339 mil, para 3,1 milhões, entre 2001 e 2015, um aumento expressivo de 822%, em 15 anos

Houve um aumento quantitativo e qualitativo no montante de mulheres chefes de família no Brasil nos primeiros 15 anos do século XXI. Enquanto o total de famílias brasileiras aumentou 39% em 15 anos, passando de 51,5 milhões, em 2001, para 71,3 milhões, em 2015, as famílias chefiadas por homens aumentaram somente 13%, passando de 37,4 milhões para 42,4 milhões. O número de famílias chefiadas por mulheres dobrou em termos absolutos (105%), subindo de 14,1 milhões, em 2001, para 28,9 milhões, em 2015. Em termos percentuais, o total de famílias chefiadas por homens diminuiu de 72,6%, em 2001, para 59.5%, em 2015, enquanto o percentual de famílias chefiadas por mulheres subiu de 27,4% para 40,5%, no mesmo período.

Nas últimas três décadas do século XX, o aumento da chefia feminina ocorreu, fundamentalmente, em arranjos familiares de núcleo uniparental ou unipessoal: família monoparental feminina (mulher com filho e/ou outros parentes e agregados, mas sem cônjuge)  e pessoas morando só. Nestes dois casos, a chefia feminina ocorre, automaticamente, devido à ausência de um marido ou companheiro. No caso dos arranjos familiares de núcleo duplo (marido e esposa), a percentagem de mulheres chefes era muito pequena, quase residual.

Porém, este quadro mudou no século XXI. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, o crescimento das mulheres chefes de família no arranjo monoparental passou de 9 milhões, em 2001, para 11,6 milhões, em 2015 – um aumento de 20% em 15 anos. O crescimento no arranjo unipessoal passou de 2,3 milhões para 5,2 milhões – aumento de 124% entre 2001 e 2015. O crescimento da chefia feminina no arranjo casal com filhos, foi de 1 milhão, em 2001, para 6,8 milhões em 2015 – um aumento de 551% em 15 anos – e entre os casais sem filho, o número de mulheres chefes passou de 339 mil, para 3,1 milhões, entre 2001 e 2015 – um aumento expressivo de 822% em 15 anos. Desta forma, nas famílias de núcleo duplo (casais com e sem filho), o percentual de mulheres chefes de família passou de 4%, em 2001, para 22,5%, em 2015.

Sem dúvida, existe uma mudança cultural que tem valorizado o papel das mulheres na sociedade e na família, contribuindo para o maior reconhecimento da responsabilidade feminina no lar

Estes e outros dados foram analisados no livro “Mulheres Chefes de Família no Brasil: Avanços e Desafios”, escrito pelos demógrafos Suzana Cavenaghi e José Eustáquio Alves e publicado pela Escola Nacional de Seguros, neste mês de março de 2018. O estudo (que está disponível gratuitamente), indicou que o percentual da chefia feminina tende a aumentar com os maiores níveis de educação e maiores taxas de participação no mercado de trabalho. Porém, o percentual de chefia feminina também aumenta, mesmo nos casos em que as mulheres possuem menores rendimentos oriundos de todas as fontes pessoais de renda e quando passam muitas horas semanais em afazeres domésticos. Sem dúvida, existe uma mudança cultural que tem valorizado o papel das mulheres na sociedade e na família, contribuindo para o maior reconhecimento da responsabilidade feminina no lar.

Portanto, o grande crescimento da chefia feminina entre 2001 e 2015 não se deve apenas aos fatores clássicos de empoderamento feminino – como a educação e o emprego –, mas também aos indicadores de maior envolvimento com as responsabilidades domésticas. Fica claro que o atual aumento da chefia feminina não pode ser associado automaticamente e exclusivamente aos processos de exclusão e vulnerabilidade social e muito menos à perspectiva da feminização da pobreza.

Estampa de uma camiseta usada em manifestações feministas: luta por igualdade continua.Foto: Pascal Deloche/Godong/ Photononstop
Estampa de uma camiseta usada em manifestações feministas: igualdade de gêneros é meta para o século XXI.Foto: Pascal Deloche/Godong/ Photononstop

Em sua formação social histórica, o Brasil foi organizado na base de relações desiguais de poder e em estruturas hierárquicas e androcêntricas de família. Mas, embora ainda se possam encontrar hoje em dia resquícios da antiga família patriarcal brasileira, a dominação masculina absoluta não é mais a regra e o país passa por um consistente processo de despatriarcalização. Do ponto de vista legal, a Constituição Federal de 1988 foi um divisor de águas e possibilitou que a legislação ordinária avançasse rumo a uma maior equidade de gênero. Em termos econômicos e sociais, os avanços também foram tremendos entre 1950 e 2013.

Espera-se que essa crise econômica conjuntural não afete as transformações estruturais de longo prazo, pois o Brasil está nos quinquênios finais do seu bônus demográfico e precisa aproveitar essa janela de oportunidade para dar um salto na qualidade de vida da população e na redução das desigualdades entre homens e mulheres

Mas a recessão econômica que começou no segundo trimestre de 2014 – tornando-se uma das mais longas e profundas da história do Brasil – tem provocado recuos no grau de inserção das mulheres na educação e no mercado de trabalho, reduzindo as oportunidades de ascensão social. Espera-se que essa crise econômica conjuntural não afete as transformações estruturais de longo prazo, pois o Brasil está nos quinquênios finais do seu bônus demográfico (época em que existe um alto percentual de pessoas em idade produtiva) e precisa aproveitar essa janela de oportunidade para dar um salto na qualidade de vida da população e na redução das desigualdades entre homens e mulheres.

Como disse Charles Fourier, em 1808: “O grau de emancipação da mulher numa sociedade é o barômetro natural pelo qual se mede a emancipação geral de um povo”. Existe uma multiplicidade de causas individuais e sociais que se somam para reordenar a estrutura de poder no seio das famílias brasileiras. Quer seja por oportunidades, fatalidades ou conveniências diversas, o fato é que tem crescido a chefia feminina e há uma tendência para maior equidade de gênero entre os arranjos familiares brasileiros. Porém, uma justa e completa equidade de gênero ainda é uma meta a ser conquistada ao longo do século XXI.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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4 comentários “Número de famílias chefiadas por mulheres dobrou em 15 anos

  1. Lucilene disse:

    Bom material, eu faço parte dessa estatística. Outro ponto interessante, é que os homens, até discordam que as mulheres sejam as “chefes” de casa, mas muitas vezes, são elas que provê todas as despesas da casa.

  2. Lucilene disse:

    Os homens se aproveitam da conjuntura econômica, “crise”, política… E não correm atrás de oportunidades, em algum lugar elas estão.

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