Faxina nas contas dos parlamentares

Rosie, a robô faxineira dos Jetsons, serviu de inspiração para o projeto Serenata de Amor. Foto de Mark Ralston

Projeto usa tecnologia contra a corrupção e identifica R$ 378 mil em gastos irregulares

Por Nelson Vasconcelos | ODS 17 • Publicada em 23 de janeiro de 2017 - 08:58 • Atualizada em 24 de janeiro de 2017 - 10:54

Rosie, a robô faxineira dos Jetsons, serviu de inspiração para o projeto Serenata de Amor. Foto de Mark Ralston
Rosie, a robô faxineira dos Jetsons, serviu de inspiração para o projeto Serenata de Amor. Foto de Mark Ralston
Rosie, a robô faxineira dos Jetsons, serviu de inspiração para o projeto Serenata de Amor. Foto de Mark Ralston

Entrar no Facebook e reclamar contra a corrupção é fácil. Difícil é arregaçar as mangas para brigar contra ela. Sabendo disso, a equipe da Operação Serenata de Amor tratou de se armar com um software muito esperto para lutar contra os gastos abusivos de parlamentares. Em atividade desde novembro passado, o “robô” foi batizado de Rosie e, graças a ele, já foram detectados 3.550 casos de uso indevido do nosso dinheirinho, somando R$ 378 mil gastos irregulares.

Cada documento de despesas gerado pelo Congresso é pesado, carregado de linguagem técnica e obtusa para a maioria dos mortais. No fim das contas, o Congresso realmente apresenta um documento público, como manda a lei, mas que está longe de ser transparente

A ideia do Serenata de Amor é tão simples quanto genial. Rosie mapeia todas as informações públicas da chamada Cota para Exercício da Atividade Parlamentar, que destina entre R$ 30 mil e R$ 45 mil mensais para despesas com alimentação, transporte e segurança de cada parlamentar. É uma nota preta. Apenas com essa cota, os reembolsos dos 513 deputados chegam a um total de R$ 128 milhões por ano.

A lei permite que o próprio político justifique as despesas apenas apresentando as notas fiscais ou simples recibos que, em tese, comprovam que o dinheiro Cota para Exercício da Atividade Parlamentar foi gasto devidamente. Aí é que está o busílis, porque a fiscalização sobre essas operações é praticamente nula.

O que Rosie faz é coletar as informações fornecidas pelo Congresso para justificar o uso das cotas parlamentares e cruzá-las com dados da Receita Federal, do Google Maps e de outras fontes – como cardápios de restaurante.

E cabe aqui uma curiosidade nerd: Rosie é o nome da faxineira eletrônica da família Jetsons, desenho animado dos longínquos anos 1960. O objetivo do Serenata de Amor, portanto, é justamente fazer uma limpeza numa área da nossa política.

Rosie, pelo jeito, vai ter trabalho. Basta dizer que já descobriu muitos 216 distraídos, daqueles que acabam usando dinheiro público para gastos proibidos – como tomar uma cerveja em Las Vegas, ou torrar US$ 91 em bebidas na cidade de Boston (EUA), ou fazer 13 refeições no mesmo dia, ou comprar produtos superfaturados, ou gastar um tanque de gasolina por dia… O céu é o limite. Há também o caso de um deputado que conseguiu apresentar notas fiscais emitidas em cidades distantes entre si quase no mesmo horário e, ainda, 47 (maus) exemplos de parlamentares que transferem dinheiro da cota para suas próprias empresas.

Um dos idealizadores do projeto, Irio Musskopf é o responsável pela tecnologia do Serenata. Ele conta que sua equipe de oito pessoas está apenas seguindo o que diz a Lei de Acesso à Informação, de 2011, que garante a divulgação de gastos públicos. Não estão mexendo com nenhum segredo de Estado – o que, claro, seria proibido.

Só que esse processo de mineração dos dados não é tão simples assim. Cada documento de despesas gerado pelo Congresso é pesado, carregado de linguagem técnica e obtusa para a maioria dos mortais comuns. Na verdade, são três arquivos em XML que pesam, no total, mais de 3 gigabytes, difíceis de serem lidos em computadores comuns (mesmo os que tenham configurações mais parrudas, com 8GB de RAM, por exemplo).

No fim das contas, o Congresso realmente apresenta um documento público, como manda a lei, mas que está longe de ser transparente – o que desestimula a fiscalização por parte do grande público.

Aí entra outra grande sacada do projeto. Depois de cruzar milhares de dados, Rosie transforma tudo numa simples planilha Excel, que pode ser lida, entendida e debatida por todos. Bela jogada – que, naturalmente, já tem despertado preocupação nos corredores do Congresso, segundo fontes citadas por Musskopf.

Com todos os gastos de um deputado devidamente computados, a equipe do Serenata entra em contato com o político, pedindo esclarecimentos sobre as possíveis irregularidades apontadas pela Rosie. Se o dinheiro não for devolvido aos cofres públicos por livre e espontânea vontade do deputado distraído, a equipe de Musskopt encaminha uma denúncia à Câmara ou ao Ministério Público. Até agora, já foram 629 casos.

Só que toda essa operação tem um preço. O projeto consome pouco mais de R$ 20 mil por mês – e o caixa indica que só há recursos disponíveis até o fim deste mês de janeiro de 2017. A equipe está em busca de patrocinadores para não deixar o trabalho morrer na praia, justamente agora que começou a incomodar. Está incomodando tanto que até a polícia já ofereceu proteção especial aos membros do projeto, segundo Musskopf. Mas ninguém aceitou. Pelo contrário. O projeto Serenata de Amor está recebendo a candidatura de muitos voluntários, querendo ajudar a fuçar os dados da Câmara. Isso mostra que essa dor de cabeça dos parlamentares malandros está apenas começando.

Nelson Vasconcelos

É carioca e jornalista. Cobre o acelerado mundo da tecnologia desde 1996. Para contrabalançar, gosta muito de escrever sobre livros, antigo suporte de dados que ainda resiste ao Facebook e redes afins. Fotógrafo muito amador, já pediu o autógrafo do Leo Aversa, que o ignorou totalmente - mas tudo bem, porque é botafoguense e, por isso mesmo, está acostumado a adversidades. Pai de quatro filhos. Quatro!!!

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Um comentário em “Faxina nas contas dos parlamentares

  1. José Wellington M de Aragão disse:

    Parabéns Nelson Vasconcelos pela matéria sobre ”Faxina nas contas dos parlamentares”‘. Sugiro que esse tipo de faxina seja estendido para os outros dois poderes executivo e judiciário nacionalmente, em cada Estado da Federação e para todos os nossos municípios que são mais de 5.500. Conte comigo para colaborativamente ajudar nos levantamentos do faxinaço para o Estado da Bahia e sua capital: Salvador. Abraços.

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