Professor Pardal das artes plásticas

Ivan Henriques e seu pedalinho andando nos rios na Holanda |Foto de Divulgação

O artista carioca Ivan Henriques e suas biomáquinas

Por Liana Melo | ODS 9 • Publicada em 13 de agosto de 2016 - 08:02 • Atualizada em 13 de agosto de 2016 - 11:11

Ivan Henriques e seu pedalinho andando nos rios na Holanda |Foto de Divulgação
Ivan Henriques e o pedalinho da Lagoa Rodrigo de Freitas
Ivan Henriques e o pedalinho da Lagoa Rodrigo de Freitas

O artista é por essência um ser inquieto. No caso do carioca Ivan Henriques, essa inquietação foi elevada ao paroxismo. Há sete anos morando em Haia, na Holanda, ele transformou seu estúdio em um laboratório, e, no lugar de materiais tradicionais para esculpir suas obras de arte, ele adotou a ciência e a tecnologia como ferramentas de trabalho. Em 2018, uma de suas esculturas será levada para a Lua e, em 2020, o mesmo trabalho irá pousar em Marte.

Suas colegas de ofício não são artistas renomados do circuito internacional da arte contemporânea, mas cientistas e engenheiros que consideram seus devaneios absolutamente normais. Para essa turma, suas ideias não são malucas. Suas invenções artísticas interessaram inclusive a Agência Espacial Europeia, que virou uma das sete instituições científicas que está ajudando o artista-cientista a desenvolver sua “Máquina simbiótica para exploração espacial”.

Henriques fala da sua “biomáquina voadora”, uma espécie de drone, com a desenvoltura de quem fala de trivialidades. Não é o caso. Sua máquina-escultura coloca no centro da discussão um tema latente: “Tudo o que a gente usa é extraído da natureza. Chegamos num momento em que as coisas estão colapsando”.

A possibilidade de ocupar a Lua e Marte com uma escultura capaz de transformar nitrogênio e gás carbônico em oxigênio é abrir a possibilidade – ainda que remota – de tornar nossos vizinhos, planetas habitáveis. E quem sabe até a Terra, dada a velocidade com que estamos destruindo os recursos naturais e aumentando a camada de ozônio. Em algumas cidades do mundo, como é o caso de megalópoles como Pequim, o ar já está irrespirável.

Filho de um engenheiro com uma médica endrocrinologista, Henriques começou bisbilhotando os livros da estante de sua casa, quando era criança. Menino curioso, cresceu desenhando engrenagens. Virou adulto e foi estudar escultura na Escola de Belas Artes da UFRJ. Não se conforma até hoje de a disciplina de Arte Contemporânea ser dada apenas no último período. A inquietação o levou para a Holanda, onde foi fazer Mestrado em Arte e Ciência. Nunca mais voltou. Está no Brasil de passagem. Veio apresentar seus trabalhos na exposição “Repaisagem”, no Centro Cultural Hélio Oiticica, no centro da cidade.  Desconhecido do grande público, é artista premiado no Japão, Austrália e Áustria.

– Se as máquinas tradicionalmente são desenhadas para extrair de forma eficiente os recursos naturais da paisagem, funcionando na lógica do aumento de produtividade e do esgotamento desses recursos, as máquinas construídas por Henriques invertem esse sentido, pois guardam na sua constituição uma função ecológica e são, ao mesmo tempo, atos simbólicos – analisa a diretora do Centro Hélio Oiticica, Izabela Pucu, para quem a relação entre arte e ciência é um tema fundamental em nossos dias.

Escultura cinética

 

Ivan Henriques e seu pedalinho andando nos rios na Holanda - Foto de Divulgação
Henriques pedalando com sua escultura cinética no canal Wijnhaven, em Roterdã, na Holanda

Henriques trouxe para a exposição um dos primeiros trabalhos desenvolvidos na Holanda: um aparelho que faz fotossíntese sintética em ambientes contaminados por algas predadoras. É o caso das algas que habitam um dos cartões-postais do Rio de Janeiro, a Lagoa Rodrigo de Freitas. A máquina simbiótica “come” essas plantas e entra na cadeia alimentar, como se fosse um animal artificial. A medida que o pedalinho avança, a água vai sendo despoluída. “Estou convidando o público a participar de um gesto artístico-simbólico a partir de segunda-feira”, anuncia Henriques, quando sua biomáquina estará à disposição para ser testada. A primeira versão do pedalinho foi testada no canal Wijnhaven, em Roterdã, na Holanda.

Biomáquina de Ivan Henriques
Biomáquina de Ivan Henriques

Antenado com as questões da atualidade, como crises hídrica e energética, Henriques desenvolveu uma escultura cinética interativa. No lugar de combustível fóssil, ele usou uma planta, a Mimosa pudica, popularmente conhecida como dormideira. Um sensor conectado a planta, que costuma responder a um simples toque, envia os sinais, continuamente, para uma placa eletrônica situada na estrutura robótica, que analisa a frequência do seu sinal elétrico. Quando algo acontece no seu entorno, esse sinal é alterado, fazendo a estrutura robótica se mover. Utópico pensar que as esculturas propostas por Henriques venham a chamar a atenção de empresas interessadas em mudar o atual modo de produção. Mas como escreveu a diretora do Centro Cultura Hélio Oiticica, “é urgente a necessidade da mudança do modo de produção social, utopia que, junto com as algas, o sol, o movimento das pessoas, é o combustível primordial das invenções de Henriques”, conclui Izabela.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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