O Tinder analógico

A pintura do francês Leon Girardet mostra um exemplo dos primórdios dessa prática

Também conhecido como flerte, permite encontrar a alma gêmea flanando pelos ruas

Por Leo Aversa | ODS 9 • Publicada em 24 de maio de 2016 - 08:00 • Atualizada em 24 de maio de 2016 - 11:15

A pintura do francês Leon Girardet mostra um exemplo dos primórdios dessa prática
A pintura do francês Leon Girardet mostra um exemplo dos primórdios dessa prática
A pintura do francês Leon Girardet mostra um exemplo dos primórdios dessa prática

É a nova tendência dos millenials, aqueles nascidos após os anos 80: depois da volta do vinil, do filme fotográfico e do chocolate Lollo, o novo hype é a versão analógica do Tinder.

Começou, como sempre, com um coletivo de  fotógrafos, designers e músicos. Ocupando um cortiço reciclado no Morro da Conceição e Inebriados por tanto retrô e vintage à sua volta, estes começaram a desconfiar que usar aplicativos de relacionamento, como o Tinder, era uma contradição na sua desesperada busca por autenticidade, o Santo Graal da geração Y. Num movimento solene, todos apagaram ao mesmo tempo o app dos seus iPhones. Ao invés da esperada epifania vieram noites de tédio e onanismo, então o coletivo se juntou para buscar uma solução à altura do seu hype. A que encontraram lhes pareceu tão brilhante que não tiveram outra alternativa que lançar um manifesto, distribuído pela cidade por pombos-correios:

Outra característica dos adeptos dessa nova prática é a disponibilidade ao acaso. Podem encontrar o amor da vida (ou ao menos daquela noite) num elevador ou mesmo na sala de espera do dentista. Sorte é tudo, destino is the new black.

O movimento do flerte é a versão analógica do Tinder, uma maneira orgânica e natural  de substituir o processo banalizado digitalmente pelos aplicativos digitais. O adepto deve chegar à sua alma gêmea apenas flanando pelas ruas, não utilizando outro recurso que não o olhar. Nossos sentimentos não podem mais ser traduzidos por crush e match.

Também se negam a flertar em bares e boates, localidades identificadas com a geração X e considerados mais impuros que bacon transgênico. O flerte genuíno, afirmam, se pratica à luz do dia, no supermercado, na fila do banco, no ponto de ônibus. E nada de cantadas, fiu-fius e outras grosserias, coisa de baby boomers decrépitos, apenas  sorrisos e comentários espirituosos, no máximo uma troca de telefones. Telefone fixo, é claro. Nada de whatsapp, nada de nudes. Quem sabe faz ao vivo, dizem orgulhosos.

Outra característica dos adeptos dessa nova prática é a disponibilidade ao acaso. Podem encontrar o amor da vida (ou ao menos daquela noite) num elevador ou mesmo na sala de espera do dentista. Sorte é tudo, destino is the new black, explicam. A opção pelo analógico não quer dizer que sejam conservadores, pelo contrário: um poliamor pode surgir passando na porta da Colombo, é só saber olhar na direção, ou melhor, nas direções, certas.

Por enquanto o movimento ainda é restrito: a maioria não quer jogar fora o know-how adquirido no Tinder, Happn ou Grindr, como o de chegar às vias de fato sem precisar de nada mais que emojis ou conseguir um parceiro que apareça antes do disk-pizza. Os hipsters, por sua vez estão embarcando na novidade à sua maneira: com pince-nez para ver melhor e caneta tinteiro para anotar números de telefones.

Alguns millenials mais radicais estão indo ainda mais longe nessa busca do vintage definitivo: chegaram numa instituição que nem seus avós lembravam.

O casamento arranjado.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

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