‘Game of Thrones’ agora é feminista? ’

Depois de críticas por cenas de violência contra a mulher, sétima temporada da série começa com destaque para personagens femininas

Por Claudia Sarmento | ODS 5ODS 9 • Publicada em 23 de julho de 2017 - 08:49 • Atualizada em 6 de setembro de 2017 - 14:10

“Game of Thrones”, ou “GoT”, a série mais bem-sucedida da história da HBO, começou sua sétima e penúltima temporada no dia 16 de julho, batendo recordes. Foram 16,5 milhões de espectadores sintonizados no canal apenas nos EUA (sim, nem só de streaming vive a produção televisiva). Mais de dois milhões de tweets foram publicado durante a exibição do primeiro episódio. Com números astronômicos assim, não dá para esperar consenso em relação à fantasia épica que mistura dragões e mortos-vivos com aventuras de capa e espada e personagens shakespearianos. As polêmicas alimentam o fenômeno pop, mas parece haver um ponto que está ficando incontestável: as mulheres vêm dominando a terra dos Sete Reinos.

 

  “GoT” é feminista? Bem, a produção não começou preocupada com igualdade de gênero. A história, baseada nos livros de George R.R Martin, se passa numa era incerta, porém inspirada em tempos medievais. Na disputa pelo Trono de Ferro, os homens ditavam as regras e decidiam quais as  cabeças que deveriam ser cortadas. As mulheres, embora importantes para a trama, não tinham muita chance de levantar a voz. Estavam à espera do inverno, que poderia durar para sempre, e sabiam que Westeros era um lugar para reis.

A partir daqui há spoilers sobre as últimas temporadas.

Uma das mais fascinantes personagens femininas, Daenerys Targaryen (Emilia Clarke), começa a história sendo vendida pelo irmão para guerreiros nômades e é estuprada pelo marido. Prostitutas frequentemente nuas desfilavam pelos cenários e eram tratadas feito bicho. Sansa Stark (Sophie Turner) era uma donzela romântica. Passou pelo menos cinco temporadas sendo usada. Nas mãos do sádico Ramsay Bolton (Iwan Rheon) foi submetida a violências sexuais que revoltaram, por exemplo, as feministas do influente blog americano The Mary Sue. Elas pediram um boicote à série, por acharem totalmente dispensáveis e apelativas as cenas de crueldade contra uma mulher. Mas desde então houve mudanças, a começar pela vingança de Sansa, que atirou seu algoz a cachorros famintos. O inverno finalmente chegou. E as mulheres de “GoT” foram ficando cada vez mais empoderadas.

Ou seja, “GoT” é feminista? Talvez seja arriscado abraçar essa definição, até porque um dos trunfos da série é atropelar nossas convicções com reviravoltas surpreendentes. Mas tem sido bacana acompanhar uma narrativa na qual mulheres não estão limitadas a sofrer por amor.

  Algumas são psicopatas, é verdade (como definir Cersei, a rainha louca?), mas todo mundo tem um lado monstruoso em “Game of Thrones”. Pelo menos agora, principalmente na sexta temporada e neste início da sétima, os papéis tradicionais _ homens com a coroa na cabeça ou à frente das batalhas e mulheres em segundo plano nos jogos de poder ou objetificadas _ estão sendo revertidos. Algumas falas do episódio “Dragonstone”, que abriu de forma espetacular a nova temporada, são emblemáticas.

Quem ainda não assistiu ao episódio de estreia é melhor parar de ler por aqui.

Lyanna Mormont: o Norte lembra e ela é líder entre um monte de barbados (Reprodução/HBO)
Lyanna Mormont: o Norte lembra e ela é líder entre um monte de barbados (Reprodução/HBO)

É possível entender a mensagem mesmo que você nunca tenha se interessado por “GoT”. Numa assembleia comandada pelo novo rei do Norte, o herói Jon Snow (Kit Harington), aliados da Casa dos Stark discutem a estratégia contra os inimigos. Snow informa que todos, meninos e meninas, dos 10 aos 16, precisarão treinar diariamente para serem soldados. O Norte precisa reforçar seu Exército ou será trucidado. Um dos lordes questiona a necessidade de colocar uma lança nas mãos de sua neta. A voz que interrompe a discussão dos homens vem de uma garotinha. Lady Lyanna Mormont (Bella Ramsey), líder de um minúsculo clã, é uma criança, mas já sabe que não nasceu para viver num patriarcado. A senhora da Ilha dos Ursos, de apenas 10 anos, anuncia: “Posso ser pequena, Lord Glover, e posso ser uma menina. Mas sou tão nortista quanto você”. Aquela sentença que tantas vezes ouvimos ao longo da vida, “Isso é coisa de menino”, não quer dizer nada para Lady Lyanna. Todos os habitantes da Ilha dos Ursos serão treinados para guerrear, decide ela. “Não preciso de sua permissão para lutar”, avisa, encerrando o assunto.

Arya assassina todo o clã Frey: vingança pelo Casamento Vermelho (Foto reprodução)
Arya assassina todo o clã Frey: vingança pelo Casamento Vermelho (Foto reprodução)

  No mesmo episódio, a adolescente-justiceira Arya Stark (Maisie Williams) já havia exterminado boa parte de seus rivais numa tacada só: mascarada e travestida de homem, ela envenenou uma festa inteira. Os convidados formavam o exército de Walder Frey, o lorde que traíra o clã dos Stark, promovendo o mais memorável massacre de “Game of Thrones” em “O casamento vermelho”, capítulo que já entrou para a história das séries. Arya virou uma serial-killer. Na sexta temporada cortou a garganta do velho Frey (David Bradley), mas antes fez ele comer uma torta feita com pedaços dos corpos de seus filhos. “GoT” é, muitas vezes, excessivamente violento, mas o que discutimos aqui é o avanço dos papéis femininos, e Arya vem, sem dúvida, se destacando.  

  Se o assunto é empoderamento, é necessário voltar a Cersei e Daenerys _ peças-chave no universo criado por Martin. A primeira, grande vilã da história, perde seus herdeiros tragicamente mas não desiste do Trono de Ferro. Decide que a coroa é dela e pronto. A personagem engoliu seu parceiro de intrigas políticas, irmão e amante, Jammie Lannister (Nicolaj Coster-Waldau), que agora parece um fantoche em suas mãos descontroladas. Já Daenerys é a mais forte candidata ao comando de Westeros. Ela passou por uma transformação monumental, de mulher-objeto à revolucionária que incendeia seus opressores, mantendo sua feminilidade. Está cada vez mais perto de um confronto final com os Lannister, cercada de dragões e de uma frota cedida pela guerreira Yara Greyjoy (Gemma Whelan), outra rebelde que subverte a lógica do ambiente machista. A tensão sexual entre Yara e Daenerys fez os fãs vibrarem com a possibilidade de um romance entre as duas. E ainda tem a complexa Brienne de Tarth (Gwendoline Christie), uma das mais queridas personagens dessa deliciosa barafunda produzida por David Benioff e D.B. Weiss. Brienne é um soldado por opção própria, porém não é um estereótipo da mulher masculinizada. Precisa sobreviver num mundo de homens, claro, mas balança diante de Jammie Lannister.

 Ou seja, “GoT” é feminista? Talvez seja arriscado abraçar essa definição, até porque um dos trunfos da série é atropelar nossas convicções com reviravoltas surpreendentes. Mas tem sido bacana acompanhar uma narrativa na qual mulheres não estão limitadas a sofrer por amor.

Claudia Sarmento

Jornalista, PhD em Mídia e Comunicação pela Universidade de Westminster e professora visitante do Departamento de Humanidades Digitais do King's College de Londres.

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