Cultura 24 horas

A Mário de Andrade é a única do Brasil e a primeira da América Latina a funcionar 24 horas durante os sete dias da semana. Foto de Florência Costa

Aberta dia e noite, biblioteca Mário de Andrade vira ponto de encontro em São Paulo

Por Florência Costa | ODS 9 • Publicada em 21 de outubro de 2016 - 18:30 • Atualizada em 21 de outubro de 2016 - 20:34

A Mário de Andrade é a única do Brasil e a primeira da América Latina a funcionar 24 horas durante os sete dias da semana. Foto de Florência Costa
A Mário de Andrade é a única biblioteca do Brasil e a primeira da América Latina a funcionar 24 horas durante os sete dias da semana. Foto de Florência Costa
A Mário de Andrade é a única biblioteca do Brasil e a primeira da América Latina a funcionar 24 horas durante os sete dias da semana. Foto de Florência Costa

De noite, as luzes do número 94 da Rua da Consolação, no coração de São Paulo, atraem a atenção dos passantes que andam com aquela pressa paulistana. Seja por medo de assalto ou movidos pela vontade de chegar logo em casa após um dia duro de trabalho. Ali, nos últimos meses, um sisudo e imponente edifício de 24 andares parece ter assumido a forma de um farol no meio do oceano. De dentro vem uma luz convidativa, aconchegante e, ao mesmo tempo, instigante.

Quando alguns reclamam porque vêm jovens aqui só usar o wi-fi, eu digo: ‘Deixa eles’.

Quando você chega mais perto, vê pessoas sentadas nas muretas de um corredor interno. Parecem relaxadas, tranquilas, entretidas com livros ou smartphones nas mãos. Gente de todas as idades, de todas as cores, de várias nacionalidades e classe sociais. Quase impossível não entrar. Espécie de templo da sabedoria da capital paulistana, a Biblioteca Mário de Andrade tornou-se, há mais de três meses, em um novo ponto de encontro dos paulistanos notívagos. Desde o dia 1º de julho, a segunda biblioteca do país em número de itens (a primeira é a Biblioteca Nacional) deixa suas portas abertas para abrigar quem quiser entrar. A Mário de Andrade é a única do Brasil e a primeira da América Latina a funcionar 24 horas durante os sete dias da semana.

Todos os dias, circulam 1500 pessoas pela biblioteca, que abriga 60 mil livros disponíveis para empréstimo. Mas o acervo total é bem maior: 4 milhões de itens. Se você chega de noite, tem gente. Se chega da manhã bem cedinho, também tem. Uns preparam-se para concursos, outros estudam para provas da faculdade. Há os que estão ali apenas para desbravar novas histórias. E vários são os que levam seus laptops e smartphones para usar o wi-fi de graça.

Tarcila Lucena, supervisora de Ação Cultural da biblioteca, explica que a ideia de abrir 24 horas nasceu em 2013. Foram feitos estudos orçamentários e tecnológicos para detectar a viabilidade do projeto e, este ano, o plano foi colocado em prática, após a instalação de um sistema de auto-atendimento. Funciona assim: a pessoa que tem um número de matrícula no Sistema Municipal de Bibliotecas pode pegar emprestado um livro em uma máquina, sem a necessidade de ser atendido por um funcionário. Ela faz um cadastro na máquina, passa a capa do livro pela leitura ótica e obtém o recibo do empréstimo. Quem não souber usar a máquina pode chamar um atendente noturno (espécie de recepcionista, que não é um funcionário público, mas terceirizado).

Pelo sistema de auto-atendimento, é possível pegar emprestado um livro em uma máquina, sem a necessidade de ser atendido por um funcionário. Foto de Florência Costa
Pelo sistema de auto-atendimento, é possível pegar emprestado um livro em uma máquina, sem a necessidade de ser atendido por um funcionário. Foto de Florência Costa

O sistema é semelhante ao utilizado na biblioteca da Universidade de Berlim. A devolução do livro também é feita pela máquina. “Fizemos vários estudos de possibilidades técnicas com o aparelho de auto-atendimento. A projeção de impacto no orçamento mostrou que gastaríamos apenas 25% a mais, com segurança, pessoal receptivo e manutenção”, diz Tarcila. Antes, a biblioteca abria de segunda à sexta, de 8h às 20h, e nos sábados de 10h às 17h.

De dia, a biblioteca empresta. em média, 300 itens. De madrugada (entre 24h e 7h), são 30, um número considerado bastante satisfatório, segundo ela.  No balanço geral, a decisão de abrir 24 horas aumentou o volume de empréstimos e de matrículas. No primeiro semestre deste ano, foram 23.807 empréstimos. No segundo semestre, em três meses (julho, agosto e setembro), foram mais de 25 mil. A Mário de Andrade tem um  total de 37 mil matrículas – e elas não param de crescer. Em agosto, foram realizadas 600 (contra 511 no mesmo mês, no ano passado). Em setembro, o aumento foi até mais acentuado: de 505 matrículas, em 2015, passou a 900, este ano.

Lucena conta que toda a mudança aconteceu após uma reforma administrativa, em 2009, pela qual o diretor da biblioteca (subordinada à Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo) ganhou autonomia para usar como quisesse a verba orçamentária de gestão. Oficinas de texto, exposições de arte, peças de teatro, espetáculos de dança e de música, projeção de filmes são algumas das atividades culturais que o paulistano encontra lá.

As pessoas marcam encontro no terraço. O wi-fi livre atrai gente que não está acostumada ao mundo dos livros. Mas há quem acabe se encantando ao entrar em contato com aquele universo literário. “Quando alguns reclamam porque vêm jovens aqui só usar o wi-fi, eu digo: ‘Deixa eles’”, conta Lucena.

Em agosto, por exemplo, a Mário de Andrade promoveu as mostras “Mundo Árabe de Cinema” e a “Ocupação Russa”, com exibições de filmes, oficina de língua e cultura russa, lançamento de livros e partidas de xadrez. E quem disse que a música também não encontra espaço na biblioteca? No auditório, foi organizado o “Samba na Varanda”, com rodas em homenagem a personagens importantes da  nossa história, como Tiradentes e Getúlio Vargas.  “O livro é um formato de história. Mas há variadas formas de narrativas. A biblioteca do século 21 oferece todos os tipos de narrativas, como a musical, por exemplo”, diz Tarcila Lucena. O sistema público de bibliotecas de Nova Iorque –  que oferece um leque de serviços, como aulas de tricô e conselhos profissionais – foi uma das inspirações para o modelo adotado na capital paulista.

As origens da Mário de Andrade remontam à Biblioteca Municipal de São Paulo, fundada em 1925 em outro endereço: na Rua 7 de Abril. Com o crescimento de seu acervo e serviços, ela foi transferida, em 1942, para o atual edifício – um marco da arquitetura moderna na cidade, projetado pelo francês Jacques Pilon. Mas foi apenas em 1960 que foi batizada em homenagem a Mário de Andrade, um dos principais nomes do movimento modernista no Brasil e autor de Pauliceia Desvairada (1922).

Florência Costa

Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).

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