Planeta sitiado

Passeata de agricultores no Grito da Terra

Sem novo modelo de produção e consumo, comemorar o Dia Mundial do Meio Ambiente é falsear a realidade.

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoFlorestasODS 12ODS 14 • Publicada em 7 de junho de 2016 - 08:00 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:54

Passeata de agricultores no Grito da Terra
Passeata de agricultores no Grito da Terra
Passeata de agricultores no Grito da Terra

O Dia Mundial do Meio Ambiente – 05 de junho – foi criado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1972, para marcar a abertura da Conferência de Estocolmo sobre Ambiente Humano. A ONU definiu os seguintes objetivos: “a) Mostrar o lado humano das questões ambientais; b) Capacitar as pessoas a se tornarem agentes ativos do desenvolvimento sustentável; c) Promover a compreensão de que é fundamental que comunidades e indivíduos mudem atitudes em relação ao uso dos recursos e das questões ambientais; d) Advogar parcerias para garantir que todas as nações e povos desfrutem um futuro mais seguro e mais próspero”.

Todo ano a data é comemorada e muita tinta é gasta em documentos plenos de boa intenção. Mas de 1972 para cá, a degradação ambiental aumentou paralelamente ao avanço das atividades humanas. Todavia, sustentar, indefinidamente, o enriquecimento da humanidade com o empobrecimento do planeta é uma tarefa fisicamente impossível. Se o meio ambiente “perde o gás” a economia fica sem oxigênio. “Acreditar que o crescimento econômico exponencial pode continuar infinitamente num mundo finito é coisa de louco ou de economista”, disse Kenneth Boulding. A economia é um subsistema da ecologia e a parte não pode ser maior do que o todo.

Acreditar que o crescimento econômico exponencial pode continuar infinitamente num mundo finito é coisa de louco ou de economista

O processo contínuo de extrair luxo da natureza e devolver lixo para o meio ambiente é, além de insustentável, considerado um crime ambiental. O egoísmo individual, que é uma das bases da economia liberal, só funcionaria integralmente se a sociedade adotasse um altruísmo “ecomênico”. O enorme crescimento das atividades antrópicas nos últimos 70 anos tem provocado uma ampla perda de biodiversidade e a extinção de milhares de espécies. O Planeta está sitiado. Caso houvesse um Tribunal Penal dos seres vivos da Terra, a humanidade seria condenada pelos crimes do ecocídio, do especismo e do holocausto biológico.

Por exemplo, as áreas de florestas estão definhando em função da maior demanda por madeira, lenha e espaço para a agricultura e a pecuária. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o ritmo do desmatamento devido ao uso de áreas florestais para fins agrícolas, foi de 14,5 milhões de hectares por ano, entre 1990 e 2005. No Brasil, a Mata Atlântica perdeu cerca de 90% da sua cobertura natural. Como disse Chateaubriand: “A floresta precede os povos. E o deserto os  segue”.

Dados do projeto PRODES, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), mostram que o desmatamento na Amazônia Legal brasileira atingiu o montante de 413.506 km² entre 1988 a 2015. Essa área desflorestada é maior do que a soma dos territórios dos estados de São Paulo (248.209 km²), Rio de Janeiro (43.696 km²), Espírito Santo (46.078 km²), Alagoas (27.768 km²), Sergipe (21.910 km²) e Distrito Federal (5.801 km²). No total, as seis Unidades da Federação possuem uma área de 393.462 km². Outros 400 mil km² tinham sido destruídos entre 1965 e 1988. A despeito das promessas de desmatamento zero, aumentou o desflorestamento anual da Amazônia entre 2012 e 2015.

Segundo o relatório da WWF (2014), o estado atual da biodiversidade do planeta está pior do que nunca. O Índice do Planeta Vivo, que mede as tendências de milhares de populações de vertebrados, diminuiu 52% entre 1970 e 2010. Em outras palavras, a quantidade de mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes em todo o planeta caiu pela metade. O biólogo da Universidade de Harvard, Edward Osborne Wilson, duas vezes vencedor do Prêmio Pulitzer, acredita que o ser humano está provocando um “holocausto biológico” e para evitar a extinção em massa de espécies, ele propõe uma estratégia de aumento das áreas anecúmenas, destinando metade do Planeta exclusivamente para a proteção da vida selvagem e dos ecossistemas.

Se os abatedouros tivessem paredes de vidro, seriamos todos vegetarianos

Para alimentar uma população crescente de seres humanos mais de 60 bilhões de animais terrestres são mortos todos os anos e a escravidão animal é responsável pelo confinamento de 19 bilhões de galinhas, 1,4 bilhão de bovinos, 1 bilhão de porcos, 1 bilhão de ovelhas e um número considerável de cabritos, búfalos, etc., segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). O sofrimento imposto às espécies é imenso. Além disso, o processo digestivo dos ruminantes libera gás metano, que tem um forte impacto no efeito estufa, sendo 21 vezes mais poluente do que o gás carbônico (CO 2 ). Cada bovino adulto libera cerca de 56 quilos de metano por ano. Portanto, os 1,4 bilhão de bois e vacas do mundo liberam algo em torno de 78 milhões de toneladas de metano por ano, o que é uma contribuição significativa para o aquecimento global. O sofrimento animal levou Paul McCartney a narrar o vídeo “Glass Walls”, onde afirma: “se os abatedouros tivessem paredes de vidro, seriamos todos vegetarianos”.

Enquanto a pecuária amplia o domínio sobre a vida animal, a agricultura também desmata e revolve as terras, provocando erosão e aumento exagerado do uso de fertilizantes e agrotóxicos. Espécies invasoras substituem a vegetação original. O CO2 , o nitrogênio, o fósforo, o potássio e o zinco, além de diversos produtos químicos, são importantes insumos utilizados para aumentar a produtividade agrícola, mas criam uma rede de poluição que ultrapassa o ponto seguro da fronteira planetária. O uso dos agrotóxicos neonicotinóides tem provocado a morte das abelhas e o fenômeno caracterizado como Síndrome do Colapso das Colméias. Sem as abelhas e demais polinizadores a produção agrícola mundial pode entrar em colapso.

Os rios têm sido desviados, represados, assoreados e enterrados vivos nas grandes cidades. A poluição reduz a disponibilidade de água doce, diminui o oxigênio e provoca a mortandade de peixes. Cachoeiras e belezas naturais (como Sete Quedas, em Guaíra no Paraná) foram inundadas por represas hidrelétricas. Lagos, como o mar da Aral estão diminuindo ou secando para atender aos interesses da irrigação. O rio Colorado nos Estados Unidos não chega mais ao mar porque suas águas são consumidas antes de chegar ao litoral, inclusive para irrigar os cassinos de Las Vegas. Os rios da China estão sendo represados e poluídos em uma dimensão inimaginável (até mesmo o rio Brahmaputra, no Tibete), gerando conflitos hidropolíticos com a Índia, Paquistão, Bangladesh e Vietnã. O rio Xingu foi represado e o rio Doce ficou amargo e amargurado.

Aquíferos fósseis estão desaparecendo e os aquíferos renováveis não estão conseguindo manter os níveis de reposição dos estoques, reduzindo a capacidade de carga dos recursos hídricos. Segundo reportagem do jornal indiano Economic Times, os agricultores obtinham água dos poços escavados numa profundidade de 30 a 40 pés há cerca de 50 anos, no norte da Gujurat. Hoje os poços tubulares estão indo até 1.300 pés. Mesmo assim, está difícil a extração de água, pois não há recarga suficiente dos aquíferos. A Arábia Saudita fez uma plano de ampliação da produção agrícola a partir exploração de seus aquíferos fósseis. Mas a água acabou e o país teve de voltar a importar praticamente todas as suas necessidades alimentares.

Boa parte da sujeira resultante do modelo de produção e consumo corre para o mar. Assim, os oceanos do mundo estão se tornando mais ácidos em consequência da poluição dos rios e da absorção de 26% do dióxido de carbono emitido, afetando tanto as cadeias alimentares marinhas quanto a resiliência dos recifes de corais. Apenas 7% da área da Grande Barreira de Corais, na Austrália, sobreviveu ao branqueamento causado pelo aquecimento do mar. Se a acidificação dos oceanos continuar, é provável que haja alterações nas cadeias alimentares bem como impactos diretos e indiretos sobre diversas espécies.

A sobrepesca fez com que 85% de todos os estoques de peixes fossem atualmente classificados como sobre-explorados, esgotados, em recuperação ou totalmente explorados, uma situação substancialmente pior do que há duas décadas. Relatório da Fundação Ellen MacArthur mostra que a proporção de toneladas de plástico para toneladas de peixes era de uma para cinco em 2014, deve ser de uma para três em 2025 e vai ultrapassar uma para uma em 2050. Ou seja, os oceanos terão mais plásticos do que peixes em meados do século.

O aumento das emissões de gases de efeito estufa agrava o aquecimento global, tendo como consequência o derretimento das geleiras e das camadas de gelo, provocando também escassez de água potável e o aumento do nível dos oceanos. As mudanças climáticas e a elevação do nível do mar ameaçam a existência de países como Tuvalu e pode alagar territórios densamente povoados. Cidades, praias e áreas costeiras estão ameaçadas. Mesmo sofisticados centros de tecnologia do mundo, como a base de lançamento de foguetes da NASA em Cabo Canaveral, na Flórida, correm risco de serem inundados.

Os últimos dados mostram que a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera ultrapassou 400 partes por milhão, algo que não acontecia há pelo menos 800 mil anos. No Holoceno (termo geológico que define o período que se estende desde o fim da última glaciação há 10 mil anos) havia estabilidade climática. Durante dez milênios a temperatura do Planeta variou 0,5ºC para cima ou para baixo da média, permitindo o avanço da civilização humana. Mas o aquecimento global está indicando que teremos em breve a maior temperatura dos últimos 3 milhões de anos, desde o aparecimento do gênero Homo.

O calor tem aumentado 0,17ºC por década a partir de 1970. A temperatura média entre 2001 e 2010 ficou 0,60ºC acima do ponto médio do século passado. Com a chegada de um novo El Niño, 2015 foi o ano mais quente desde que começaram as medições em 1880, ficando 0,90ºC acima da temperatura média do século XX. De forma surpreendente e inesperada, o aquecimento foi ainda maior nos quatro primeiros meses de 2016, sendo que a anomalia de abril de 2016 atingiu o preocupante nível de 1,10ºC, segundo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA). Se consideramos a média do período 1880-1910, a temperatura dos quatro primeiros meses de 2016 ficou perto de 1,5º C acima do valor médio do início da série.

Esses dados mostram que as atividades humanas se tornaram tão volumosas que conseguem alterar a química do Planeta e equivalem a uma força geológica capazes de gerar mudanças climáticas e uma grande perda de biodiversidade. Por conta disso, o químico e prêmio Nobel, Paul Crutzen, passou a usar o termo Antropoceno para definir a época atual. Os cientistas discutem sobre o ponto de partida exata, mas o início do Antropoceno pode ser datado em meados do século XX, quando houve uma aceleração das atividades antrópicas. A população mundial passou de 2,5 bilhões de habitantes em 1950 para quase 7,5 bilhões em 2016. Mas enquanto a população cresceu 3 vezes, a economia avançou quase 12 vezes no mesmo período. Com base em dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), calculado em poder de paridade de compra, o Produto Interno Bruto (PIB) do mundo, passou de cerca de US$ 10 trilhões em 1950 para US$ 118 trilhões em 2016 (em dólares constantes).

A configuração produtiva que gerou o Antropoceno foi incentivada pela ideologia desenvolvimentista e a apologia do crescimento econômico sem limites que serviram para justificar a acumulação da riqueza humana e a regressão ambiental. Mas a continuidade desse processo é inviável. Assim, é preciso questionar o paradigma hegemônico e, ao mesmo tempo, recuperar a noção de “Estado Estacionário”, conforme exposto por John Stuart Mill, em 1848. Para evitar um colapso ambiental, as atividades humanas deveriam ser direcionadas para a recuperação ecológica e não para a ostentação de riqueza e
a elevação do consumo conspícuo (o que Josep Gali chama de “consumicídio”).

Essas são algumas ponderações que visam contribuir para uma abordagem mais holística e integral nos debates do Dia Mundial do Meio Ambiente. O ser humano é o único animal capaz de fazer autocrítica e, de forma reflexiva, redirecionar os rumos de suas ações. A mudança de rota é necessária e urgente. A alternativa para um novo modelo de produção e consumo deve ser sinérgica, igualitária, mutualista, libertária, simbiótica e intrinsecamente conectada a Gaia.

 

 

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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