Morte e vida dos livros de papel

A convivência entre os livros digitais e os impressos seguirá por muito tempo

Impressos, digitais ou sonoros, o futuro da leitura segue provocando dúvidas

Por Mànya Millen | Economia VerdeODS 12ODS 14 • Publicada em 18 de novembro de 2015 - 18:26 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:48

A convivência entre os livros digitais e os impressos seguirá por muito tempo
Na dança dos números e das pesquisas, ninguém sabe quem ficará com o lugar de destaque na estante
Na dança de números e  pesquisas, ninguém sabe quem ficará com o lugar de destaque na estante

No mundo da futurologia, talvez mais que em outros campos, estudos e pesquisas têm função importante. Existem aos montes, para todos os gostos, idades, credos, e são usados para referendar ou derrubar teses. Ou as duas coisas simultaneamente. E na velha discussão sobre como será a leitura do/no futuro (seja um futuro bem próximo, quase presente, ou aquele no qual você acredita que não estará mais neste planeta para conferir as mudanças), eles são especialmente vertiginosos. Principalmente porque costumam acompanhar a velocidade igualmente vertiginosa dos avanços tecnológicos. Por conta disso, num breve, brevíssimo espaço de tempo, o livro impresso pode ter sua morte decretada numerosas vezes, e sua ressurreição alardeada outras tantas diante do livro digital, uma realidade incontestável, mas não imutável.

Vejamos. No início de 2015 uma pesquisa divulgada pelo jornal britânico “Financial Times”, feita pela Nielsen BookScan, deu conta de que em 2014 as vendas de títulos impressos foram melhores que em anos anteriores nas principais livrarias de EUA, Reino Unido e Austrália, enquanto os títulos digitais estagnavam. Então um outro recente estudo feito nos Estados Unidos, berço da poderosa Amazon, gigante dos livros digitais e também uma das maiores vendedoras de livros físicos do mundo, projetou que em 2018 o lucro das editoras com os e-books ultrapassará o valor arrecadado com a venda de livros impressos. Porém, outra pesquisa mais atual, que veio à luz neste outubro de 2015, mostrou que no primeiro semestre do ano a venda de livros digitais caiu pela primeira vez nos EUA desde que começaram a ser vendidos, estabilizando-se no patamar de 20%. É o mesmo país que também acompanha o surgimento de novas livrarias físicas, que haviam diminuído quase pela metade quando os e-books ganharam concretude e agora dão mostras de lenta recuperação de fôlego.

Na gangorra da futurologia, a única certeza, até prova em contrário, é a impossibilidade da morte do livro físico. Mesmo os defensores mais ferrenhos das facilidades trazidas pelos e-books – a principal delas o fato de carregar no bolso sua própria biblioteca e acessá-la a qualquer momento e em qualquer lugar – acreditam que o papel e o digital conviverão pacificamente por muito tempo. Ou eternamente. Qual a grande discussão, então? A mais acirrada é a que diz respeito ao fator ambiental. Fazer livros significa, todos sabem, muitos e muitos quilômetros de florestas derrubadas para a fabricação do papel. A Humanidade precisa de florestas, precisa de árvores, precisa da natureza para sobreviver. Porém, e há muitos poréns nesse debate, produzir aparelhos eletrônicos, não apenas os e-readers, destinados exclusivamente à leitura, mas também os celulares e tablets que cumprem cada vez mais essa função, prejudica tanto quanto o meio ambiente.

De novo, estudos e pesquisas ainda não chegaram a uma conclusão sobre o assunto. Especialistas lembram que o papel usado nos livros não é o mais poluente. O processo de branqueamento exigido por outros tipos como o higiênico, o dos lenços, o das toalhas de mesas de restaurantes ou fraldas e absorventes necessita de uma quantidade absurda de produtos químicos que vão parar nos lençóis freáticos. Para onde vai também o chumbo usado na fabricação da maioria dos componentes de aparelhos eletrônicos. Entretanto, a conscientização da população tem aumentado os níveis de reciclagem desses objetos, enquanto o reaproveitamento ou descarte correto do papel ainda são menosprezados por aparentemente representarem menor perigo. É um debate que está longe do fim, e novas pesquisas e novos estudos vão continuar a trazer mais informações sobre as vantagens de um e de outro processo.

Embora ainda não atendam como deveriam nem aos próprios portadores de deficiência visual, primeiros e mais interessados no formato – é uma antiga batalha travada com as editoras, aliás -, os audiobooks podem ser uma solução confortável para quem está ao volante ou imprensado no transporte público

Talvez a grande batalha, afinal, não seja entre livros digitais e livros de papel, mas simplesmente entre livros e leitores, pelo menos no Brasil. Neste país gigante o índice de títulos lidos per capta não avança (continua 1,7 por ano, dado considerado vergonhoso inclusive pelo ministro da Cultura Juca Ferreira, que falou sobre o assunto em junho); o e-book está longe de ser a estrela que todos imaginavam há algum tempo (representa entre 3% e 5% das vendas, no máximo); e as tiragens estão diminuindo (a média era de 2 ou 3 mil exemplares para um livro comum, ou seja, excluindo-se os best-sellers, e hoje há fornadas de menos de mil cópias de alguns títulos indo para as livrarias). Além disso, a crise econômica que não tem prazo para terminar também respingou fortemente no mercado: o atraso ou suspensão dos programas de compra de livros didáticos e paradidáticos pelo governo, correspondente a uma fatia gorda do faturamento das editoras (37%, em números de 2013), já provocou demissões e reavaliações de prioridades em várias delas. Levando-se ainda em conta que o primeiro item eliminado da cesta básica quando o orçamento está curto costuma ser a cultura, o hábito e o prazer de comprar e ler livros, seja em papel ou em formato digital, pode ter ficado mais distante do cotidiano dos brasileiros.

E como no território da futurologia vale tudo, arrisco dizer que um outro formato digital pode acabar fazendo mais sucesso por aqui: o audiobook. Do jeito que a mobilidade urbana tem se tornado cada vez mais imóvel nas grandes metrópoles brasileiras, numa lógica invertida e pervertida na qual investimentos em transportes verdadeiramente de massa não chegam perto dos insumos dados à indústria automobilística, teremos pela frente mais e mais horas de engarrafamento em carros ou em ônibus lotados –  onde não é possível sequer manter os pés no chão, que dirá sacar um livro, ou um tablet, ou um celular para ler. Com isso, embora ainda não atendam como deveriam nem aos próprios portadores de deficiência visual, primeiros e mais interessados no formato –  é uma antiga batalha travada com as editoras, aliás -, os audiobooks podem ser uma solução confortável para quem está ao volante ou imprensado no transporte público. Com sorte, as aproximadamente 2.500 páginas de “Guerra e paz”, de Tolstói, talvez deem conta de uma ida ao trabalho ou volta para casa lá pelo ano 2030. Ou antes…

 

Mànya Millen

Manya Millen é jornalista. Em 1989 ingressou na redação do jornal O Globo, onde trabalhou como repórter da área de cultura, editora assistente da editoria Mundo e, entre agosto de 2004 e agosto de 2015, como editora do caderno Prosa, suplemento de livros e debates do jornal.

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