O Ano da Pós-Verdade

As mentiras vêm se repetindo tanto e com tanta frequência que viraram emojis nas redes sociais.

Pérolas do noticiário transformam o 1º de Abril em dia que se repete o ano inteiro

Por Aydano André Motta | ODS 12 • Publicada em 1 de abril de 2017 - 14:34 • Atualizada em 1 de abril de 2017 - 14:40

As mentiras vêm se repetindo tanto e com tanta frequência que viraram emojis nas redes sociais.
As mentiras vêm se repetindo tanto e com tanta frequência que viraram emojis nas redes sociais.
As mentiras vêm se repetindo tanto e com tanta frequência que viraram emojis nas redes sociais.

E aí, você percorre o noticiário – de ontem, hoje, ano passado, mês que vem – e comenta: só pode ser mentira. Não é possível, onde nós vamos parar, o baile todo. Não tem mamãe-me-dói, queridos: todo santo dia agora parece 1º de abril, tamanha a dose de surrealismo que inunda os acontecimentos. O Brasil e o mundo andam numa fase inspirada na produção de bizarrices.

Donald Trump, pessoal! A turma de Brasília! O Doria, o Brexit, a roubalheira enlouquecida de Cabral e seus parceiros, as reformas do Temer, a carne que assou até queimar o filme do Brasil. Até a seleção virou o jogo no pós-7 a 1 e saiu ganhando de todo mundo, até se classificar para a Copa da Rússia com sete meses de antecedência.

Não estamos tirando nenhum direito do trabalhador

Não para, não para, não para não. O Dia da Mentira se espalhou pelo ano – consta até que atualmente prefere ser chamado de Dia da Pós-Verdade, mas não há confirmação oficial – e vive a surpreender o distinto público com suas excentricidades. Está longe da França do século XVI, quando a brincadeira do 1º de Abril foi inventada (ao menos para os pesquisadores com mais credibilidade). Consta que, até ali, o Ano Novo era festejado em 25 de março (pelo início da primavera), em comemorações insones até o início do mês seguinte. O babado era sério, queridos. Até 1564, quando o rei Carlos IX – o Estraga-Prazeres, mas há controvérsias em torno do epíteto – decidiu pela adoção do calendário gregoriano, mas surgiram resistências. Os teimosos viraram alvo de piadas e…bem, você já entendeu né?

O novo ensino médio seria o começo de uma grande mudança. Foto Mateus Bonomi/AGIF
O novo ensino médio seria o começo de uma grande mudança. Foto Mateus Bonomi/AGIF

Só que nos últimos tempos, a turma decidiu transbordar a brincadeira, atropelando a vida real de todo dia. O #Colabora pediu a seus valorosos leitores os exemplos mais eloquentes da história recente, que tocaram seus corações. Deu numa coleção formidável. Partiu?

  • “Carne confiável tem nome” (Ramos, Tony). O ator queridinho, galã da vida toda, ganhou zilhões para estrelar os reclames da Friboi, vitrine da JBS. Veio a Operação Carne Fraca e demoliu o prestígio num escândalo planetário de produtos vencidos, substâncias nocivas à saúde, etc. Bandalheira pura, pode confiar.
  • Não sei sambar, mas sei trabalhar(Crivella, Marcelo). O bispo da Universal hoje inquilino da Prefeitura do Rio mandou essa, por conta do questionamento pela ausência dos desfiles das escolas de samba, na Sapucaí. Em pleno Carnaval, postou um vídeo com um auxiliar metido na fantasia de workaholic. Atravessou o samba.
  • Não estamos tirando nenhum direito do trabalhador (Oliveira, Laércio). O relator do projeto que liberou geral a terceirização no Brasil, ocupou os microfones para garantir o contrário da realidade.
  • A terceirização vai facilitar a geração de empregos (Meirelles, Henrique). O ministro da Fazenda entrou na brincadeira cheio de gás, tentando dar uma força para seu chefe, Michel Temer, com sua reforma que anda desagradando até os aliados mais fiéis.
A mentira da carne deixou os brasileiros ainda mais confusos. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP
A mentira da carne deixou os brasileiros ainda mais confusos. Foto Yasuyoshi Chiba/AFP

O Brasil, essa terra tolerante, ensolarada e muito criativa, vem há tempos cevando o 1º de Abril permanente. A saga do impeachment produziu pérolas do “cancioneiro popular” que merecem integrar a lista. A turma do #Colabora não se esquece:

  • “Primeiro a gente tira a Dilma, depois tira o resto”. Nesta sexta, fez sete meses que a petista foi apeada do poder (como se escreve em Brasília) e, afora uns ministros enrolados do Temer, está todo mundo dando pinta por aí.
  • “Depois que tirarem a Dilma, o país voltará a crescer”. O PIB de 2016, segundo prévia do Banco Central, recuou 3,6%; em janeiro, ficou numa contração de 0,26%; mas os ministros de Temer seguem com aquele coro que parece inspirado na velha musiquinha de Natal: “Hoje, é um novo dia, de um novo tempo” etc.
  • “Lula é inocente, não sabia de nada”. Antes que um aventureiro acuse o querido #Colabora de petralha, vale lembrar a crença de que o líder petista ignorava rigorosamente tudo que acontecia à sua volta. Dirceu, Palocci, trocentos tesoureiros do partido, tudo vendo o sol amanhecer quadrado, mas ele não sabia de coisa nenhuma. #Puxado.

E na data magna da pós-verdade, se você aí tiver reclamações, elogios ou sugestões, não se acanhe. Estaremos todos de plantão. Acredita?

Aydano André Motta

Niteroiense, Aydano é jornalista desde 1986. Especializou-se na cobertura de Cidade, em veículos como “Jornal do Brasil”, “O Dia”, “O Globo”, “Veja” e “Istoé”. Comentarista do canal SporTV. Conquistou o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa em 2012. Pesquisador de carnaval, é autor de “Maravilhosa e soberana – Histórias da Beija-Flor” e “Onze mulheres incríveis do carnaval carioca”, da coleção Cadernos de Samba (Verso Brasil). Escreveu o roteiro do documentário “Mulatas! Um tufão nos quadris”. E-mail: aydanoandre@gmail.com. Escrevam!

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