Natal bem mais magro

Em tempos de crise, mesmo na Saara, pouca gente olha e pouca gente compra

Crise faz com que as festas de fim de ano fiquem mais sustentáveis, na marra

Por Laura Antunes | ODS 12 • Publicada em 21 de dezembro de 2015 - 07:23 • Atualizada em 21 de dezembro de 2015 - 10:55

Em tempos de crise, mesmo na Saara, pouca gente olha e pouca gente compra
Vista no alto, no último domingo antes do Natal, a rua da Alfândega mais parece o deserto que dá nome à região
Vista no alto, no último domingo antes do Natal, a rua da Alfândega mais parece o deserto que dá nome à região

Devagar, é verdade, reverbera pelo planeta o discurso em defesa da prática do consumo responsável, no qual exagero e impulsividade dão lugar ao meio termo entre o desejo de comprar e a sustentabilidade. Cá entre nós, esse mantra sempre provocou calafrios entre os brasileiros, especialmente nos períodos em que a febre consumista atinge o grau máximo, como no Natal. Mas em tempos de crise, o jeito é partir para essa prática, mesmo a contragosto. E, claro, as ruas da Saara sempre foram o destino preferido para quem busca as famigeradas “lembrancinhas”. Só que este ano, a julgar pela avaliação dos lojistas do maior centro comercial popular carioca, os bolsos dos consumidores estão vazios até para as opções mais baratas de presentes.

Acho que nem as lembrancinhas estão cabendo no orçamento. Neste período, nos anos anteriores, nossas ruas estavam bombando. Agora, a crise econômica e a grande quantidade de obras pelo Centro afastaram os consumidores

Na ponta do lápis, empresários da Saara garantem que vêm sofrendo neste Natal uma queda entre 25% e 30% no faturamento e no movimento de clientes, em relação ao mesmo período dos últimos anos.

– Sem dúvida, nunca enfrentamos um Natal tão fraco em duas décadas, tempo em que trabalho na Saara e acompanho de perto o comportamento do consumidor. Acho que nem as lembrancinhas estão cabendo no orçamento. Neste período, nos anos anteriores, nossas ruas estavam bombando. Agora, a crise econômica e a grande quantidade de obras pelo Centro afastaram os consumidores. Prova disso é que o movimento só melhora durante o horário de almoço, o que significa que são pessoas que já trabalham no Centro que fogem para fazer compras – afirma o empresário Marcello Assemany, integrante da Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega (Saara) e dono de uma loja de brinquedos e produtos domésticos.

Segundo ele, os comerciantes das 11 ruas que formam a Saara estão apostando todas as fichas no último fim de semana antes do Natal. Como nos anos anteriores, as lojas abrirão as portas até no domingo. E ele promete muitas promoções. Tudo para esvaziar os estoques, que nunca estiveram tão abarrotados para esta época.

– Vamos tentar de tudo para a atrair os clientes que ainda não foram às compras. Estamos fazendo promoções como nunca porque os estoques estão cheios ainda. Nossa esperança é que, com a liberação da segunda parcela do décimo terceiro-salário, os consumidores venham à Saara – acrescenta ele.

Suando em bicas debaixo do sol forte, a aposentada Rosa Maria Nunes de Souza, que mora no Méier, personificava, na semana passada, o poder de compra atual do consumidor brasileiro. Ao lado de uma amiga, ela batia perna pelas ruas da Saara, mas nem nesse oásis de produtos baratinhos elas se animavam a abrir as carteiras.

– Além de dar apenas lembrancinhas, reduzi bastante a lista de pessoas que vou presentear este ano porque o dinheiro está muito curto até mesmo para as lojas aqui da Saara. Em outros anos, eu já comprei bem mais. Agora, estou decidida a economizar no que puder. E nem estou achando tudo tão barato assim – reclamava Rosa.

Em tempos de crise, mesmo na Saara, pouca gente olha e pouca gente compra
Em tempos de crise, mesmo na Saara, pouca gente olha e pouca gente compra

O funcionário de uma loja de artigos para casa, instalada na Rua da Alfândega há mais de uma década, também esbravejava contra a crise econômica, que fez emagrecer até o valor da caixinha de fim de ano que os clientes mais generosos costumam deixar.

– Dá para sentir a diferença. Neste mesmo período, no ano passado, era quase impossível caminhar pelas ruas da Saara de tantos clientes. As pessoas se espremiam. Parecia um verdadeiro formigueiro. Agora, dá para caminhar sem muita dificuldade. Todo mundo sabe que a maioria dos consumidores deixa para fazer as compras na última hora, mas mesmo assim a região ficava bem mais movimentada. O pior é que as nossas gorjetas também vão ficar mais magras – lamentava ele, que preferiu não se identificar.

Assistente de um escritório na Avenida Rio Branco, Ângela Gomes Batista aproveitava a hora do almoço, na última terça-feira, para pesquisar preços e procurar boas promoções na região da Saara. De acordo com ela, a família numerosa e a lista extensa de amigos exigem paciência e equilíbrio na hora das compras natalinas. Ela admite que já foi mais generosa nos presentes, mas desta vez vai pisar no freio.

– A gente não sabe se essa crise financeira vai piorar. E numa situação dessas, os nossos empregos correm perigo. Por isso, acho que não é hora para gastos desnecessários. Neste Natal, preferi segurar as despesas. Nem para mim vou fazer compras. Apenas um vestido para o réveillon e olhe lá. Para os amigos, vou reduzir a lista. Entre a família, vou caprichar apenas para meu pai e minha mãe. O restante dos parentes vai ganhar só lembrancinhas – anunciava Ângela.

A falta de clientela constatada pelos comerciantes da Saara deste Natal da crise já havia sido confirmada recentemente pela Fecomercio-RJ, por meio de uma pesquisa realizada em outubro. De acordo com os números, divulgados na imprensa, o gasto médio com presentes natalinos no Natal de 2015 deverá ser o menor em uma década. O gasto deverá ser, em média, de R$ 138. Já no ano passado, esse valor foi de R$ 223. Bolsos mais vazios, portanto, ou do ponto de vista otimista, a prática de um consumo mais responsável.

 

Laura Antunes

Depois de duas décadas dedicadas à cobertura da vida cotidiana do Rio de Janeiro, a jornalista Laura Antunes não esconde sua preferência pelos temas de comportamento e mobilidade urbana. Ela circula pela cidade sempre com o olhar atento em busca de curiosidades, novas tendências e personagens interessantes. Laura é formada pela UFRJ.

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