Livros apontam risco do Facebook à democracia

Segundo os autores, o Facebook perdeu o controle, não como negócio, que vai bem, mas das suas consequências. Foto FrankHoermann / SVEN SIMON / SVEN SIMON / DPA

Estudos alertam para uso do aplicativo como causador de transtornos mentais em crianças, adolescentes e adultos

Por José Eduardo Mendonça | ODS 12ODS 3 • Publicada em 1 de novembro de 2018 - 08:52 • Atualizada em 2 de novembro de 2018 - 10:55

Segundo os autores, o Facebook perdeu o controle, não como negócio, que vai bem, mas das suas consequências. Foto FrankHoermann / SVEN SIMON / SVEN SIMON / DPA
Segundo os autores, o Facebook perdeu o controle, não como negócio, que vai bem, mas das suas consequências. Foto FrankHoermann / SVEN SIMON / SVEN SIMON / DPA
Segundo os autores, o Facebook perdeu o controle, não como negócio, que vai bem, mas das suas consequências. Foto FrankHoermann / SVEN SIMON / SVEN SIMON / DPA

Dois livros lançados nos Estados Unidos, e um deles no Brasil, recentemente, mostram sinais claros de que o aplicativo fugiu de controle e pode representar o contrário do que dizia sobre ele, há dez anos, o seu fundador, Mark Zuckerberg. Segundo ele, o Facebook seria um agente da livre expressão, de protesto e de uma mudança social positiva. Deve-se lembrar ainda que a empresa é dona do Whatsapp, frequentador de manchetes negativas sobre sua presença ubíqua na disseminação de notícias falsas.

Os livros são Antisocial Media: How Facebook Disconnects US and Undermines Democracy (Mídia Anti-Social: Como o Facebook nos Desconecta e Mina a Democracia), de Siva Vaidhyanathan, e Dez Argumentos para Deletar Sua Conta de Mídia Social Agora Mesmo, de Jaron Lanier. Os autores das duas publicações têm sólidas credenciais. O primeiro é um historiador da cultura digital e professor de Estudos de Mídia na Universidade da Virgínia. O segundo é um filósofo da computação, cientista, artista visual e autor de música clássica, além de ser um dos pioneiros da realidade virtual. Segundo os dois, o Facebook perdeu seu controle não como negócio, que vai bem, mas de suas consequências. Os usuários do Facebook entregam de mão beijada informações sobre seus hábitos. E como 98% do faturamento da empresa vêm de publicidade, as pessoas são convocadas a fornecer ainda mais dados sobre si mesmas.

Um algoritmo é construído a partir de dados de comportamento do usuário e vai se sofisticando. recolhendo um feedback cada vez mais detalhado para manipular sua experiência. O cérebro do usuário busca um sentido a partir do que lhe é exibido de acordo com os algoritmos, mas este estímulo não tem significado real – é genuinamente aleatório, e a resposta acaba sendo a uma fantasia. O processo de ficarmos atados a uma miragem, que não sabemos descrever, é o que gera a dependência, ou o vício.

As críticas não partem apenas de gente de fora. O primeiro presidente do Facebook, Sean Parker, reconheceu em 2017 que ele foi desenhado para cultivar o vício de seu uso, afirmando que o botão curtir foi criado em resposta à questão “como consumirmos tanto quanto possível de seu tempo e de sua atenção”.  Chamath Palihapitiya, fundamental no crescimento da plataforma, disse sentir “tremenda culpa” de seu envolvimento no desenvolvimento de “ferramentas que estão destruindo o tecido social de funcionamento da sociedade”. Roger McNamee. um dos primeiros investidores e mentor de Zuckerberg, se tornou conhecido por sua cruzada contra um app que hoje descreve como “feito sob medida para o abuso de maus atores”.

O autor Vaidhyanathan enxerga o Facebook como uma “máquina do prazer” na qual se fundem política e entretenimento, e que encoraja seus usuários a colocar os sentimentos de concordância e pertencimento acima da verdade, criando um gigantesco “fórum para o tribalismo”, um pesadelo pós-Admirável Mundo Novo. O resultado foi o surgimento de uma ferramenta melhor para autocratas que para revolucionários, um veículo de vigilância e desinformação.

Lanier explica um mecanismo das redes sociais que chama de reforço aleatório, e que tende a gerar confusão mental. É assustador. Funciona assim: a dependência que temos das redes é alimentada pela recompensa das curtidas, compartilhamentos e outras interações, e por não sabermos quando ela virá, ou mesmo se virá. Um algoritmo é construído a partir de dados de comportamento do usuário e vai se sofisticando. recolhendo um feedback cada vez mais detalhado para manipular sua experiência. O cérebro do usuário busca um sentido a partir do que lhe é exibido de acordo com os algoritmos, mas este estímulo não tem significado real – é genuinamente aleatório, e a resposta acaba sendo a uma fantasia. O processo de ficarmos atados a uma miragem, que não sabemos descrever, é o que gera a dependência, ou o vício.

Tudo depende inteiramente da manipulação sutil dos usuários e do reforço negativo na tarefa de nos manter viciados, para que alimentemos frequentemente a máquina com novos insights sobre nosso comportamento. A máquina se ajusta continuamente para conseguir melhores resultados de nossos dados pessoais, para que continuemos dependentes e alimentemos as máquinas para explorações futuras, etc. Um cruel círculo vicioso.

O próprio Facebook reconheceu que o uso da mídia social pode ser ruim para a saúde mental de quem o utiliza, uma mostra de que a empresa se sente pressionada por críticos disparando alarmes sobre os efeitos da plataforma sobre a sociedade. Em um post em seu blog no final do ano passado, admitiu recentemente que passar tempo no app “consumindo passivamente informação” pode levar as pessoas a se “sentirem piores”, mas afirma que a solução é criar meios de interagir mais com as pessoas.

As empresas de mídia social devem assumir responsabilidade por ajudar crianças nos desafios da vida online, uma vez que elas estão crescendo “caçando curtidas”, diz Anne Longfield, comissária do governo inglês para as crianças. Elas as estão expondo a um “significativo risco emocional” com uma área particularmente sensível na transição do ensino fundamental para o médio, quando estão mal equipadas para lidar “com as demandas súbitas” da utilização dessas mídias. Uma das consequências graves é a confusão de identidade, quando as crianças lutam para “manter as aparências”. As “curtidas” se transformaram em forma de validação emocional, com o aumento de ansiedade quando se está online.

Crianças e adolescentes são particularmente suscetíveis, mas adultos exibem também padrões de transformação de comportamento. Um deles é a alteração de humor. Um estudo austríaco de 2015 mostrou que as pessoas relataram depressão depois de ter utilizado o Facebook por 20 minutos, comparadas àquelas que apenas navegaram na internet. E os sentimentos podem ser virais. Outra pesquisa, feita entre 2009 e 2012 pela Universidade da Califórnia, mostra que o mau tempo aumentou em 1% o número de posts negativos, mas ao mesmo tempo eles cresceram 1.3% entre amigos que moravam em lugares secos ou ensolarados.

A ansiedade pode ser experimentada por qualquer um de nós que utilize a mídia social, na forma de inquietação e preocupação. Pessoas que usam sete ou mais destas plataformas exibem tendência a altos níveis de ansiedade geral, diz estudo da Computers and Human Behaviour. O sono também é prejudicado. O fato de hoje estarmos cercados de luz artificial dia e noite inibe a produção do hormônio melatonina, que o facilita. E a luz azul, emitida por telas de smartphones e notebooks, é a grande responsável. Portanto, se você ficar na cama checando mensagens, uma noite mal dormida será quase inevitável.

Seria exaustivo falar de outros males, como baixa autoestima, mal-estar, problemas de relacionamento, inveja e solidão. Como a utilização em massa das mídias sociais é relativamente recente, faltam estudos para melhor compreendermos as preocupações e como tratarmos delas. Mas seria impossível dizer que nós mesmos, ou gente que conheçamos, não tenhamos sido atingidos por um ou vários dos distúrbios.

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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