Hamburgo proíbe ‘cafezinho poluente’

As cápsulas não podem ser recicladas porque são feitas basicamente de uma mistura de plástico e alumínio. São 6 gramas de café em 3 gramas de embalagem

Prefeitura de cidade alemã investe em compras sustentáveis e corta também copos descartáveis e garrafas plásticas

Por Renata Malkes | LixoODS 12ODS 14 • Publicada em 26 de fevereiro de 2016 - 08:32 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 16:00

As cápsulas não podem ser recicladas porque são feitas basicamente de uma mistura de plástico e alumínio. São 6 gramas de café em 3 gramas de embalagem
As cápsulas não podem ser recicladas porque são feitas basicamente de uma mistura de plástico e alumínio. São 6 gramas de café em 3 gramas de embalagem
As cápsulas não podem ser recicladas porque são feitas basicamente de uma mistura de plástico e alumínio. São 6 gramas de café em 3 gramas de embalagem

O cafezinho é uma paixão mundial, e esnobar o galã George Clooney parece algo impensável no imaginário coletivo. Por isso, os onipresentes comerciais onde belas e sofisticadas mulheres ignoram o marido da advogada Amal Clooney para se deliciar com a bebida produzida pelas cápsulas de uma conhecida marca de café ganharam o mundo. Mas não o Norte da Alemanha. As cápsulas de máquinas de café expresso, cada vez mais populares, planeta afora, entraram na lista negra de produtos nocivos ao meio ambiente na cidade portuária de Hamburgo. E foram proibidas – pelo menos no serviço público local -, de olho na otimização dos cerca de € 250 milhões gastos por ano em material de apoio aos servidores. A partir de agora, não só o café, mas água, lâmpadas, tintas, carros, produtos de limpeza e o consumo de papel terão de ser ecologicamente corretos.

Nem mesmo aquecedores a gás usados do lado de fora no inverno ou radiadores elétricos não vamos mais comprar, porque a grande energia que usam é desproporcional ao pequeno efeito de aquecimento que produzem. Estamos sinalizando à economia e aos cidadãos a importância de prestar mais atenção às consequências ecológicas de se comprar certos produtos.

No entanto, são as populares cápsulas anunciadas pelo astro de Hollywood o ponto alto de uma extensa lista de inimigos do meio ambiente. Isso porque, em 2013, segundo a consultoria Euromonitor, o consumo per capita de café na Alemanha foi de 5,2 quilos, o que deixa o país em oitavo lugar no mundo. E de acordo com o jornal “Handeslblatt”, um em cada oito cafezinhos degustados por lá, hoje, é feito nessas pequenas – e caras – máquinas caseiras de café expresso. As cápsulas apareceram com destaque no “Guia de Aquisições Verdes”, um documento de 150 páginas compilado no mês passado pelo governo de Hamburgo para listar produtos “poluentes ou compostos por materiais poluentes” a serem banidos das compras estatais. As regras têm determinações exatas sobre todos os critérios a serem observados em quaisquer produtos adquiridos pelo Estado.

Para ambientalistas, esse simples cafezinho das máquinas caseiras deixa um gosto amargo na natureza. As chamadas Kaffekapseln aparecem como vilãs da categoria “bebidas de embalagem inadequada”, pois não podem se recicladas. Além disso, o invólucro dos pequenos refis é feito de alumínio, um elemento tóxico, cuja produção demanda alto consumo de energia. De acordo com o Instituto de Freiburg, os alemães produzem quatro mil toneladas de lixo composto por plástico e alumínio por ano, não só poluindo o meio ambiente, como também desperdiçando preciosos recursos energéticos. E num país obcecado por sustentabilidade e reciclagem, a palavra Verschwendung (desperdício) soa, de fato, quase um palavrão.

“Essas cápsulas não podem ser recicladas porque são feitas basicamente de uma mistura de plástico e alumínio. São 6 gramas de café em 3 gramas de embalagem. Nós achamos que isso não deve ser pago com o dinheiro do contribuinte. O governo de Hamburgo quer um papel pioneiro na Alemanha no que diz respeito à conscientização sobre o impacto das compras públicas no meio ambiente”, declarou ao jornal “Die Welt” o senador local Jens Kerstan, do Die Grünen, o partido verde alemão.

Sob o temor de que nem o charme de George Clooney possa impulsionar no futuro as vendas das cápsulas de café, o holandês Niels Kuijer, presidente da Nespresso Alemanha, se defendeu.

“Não é só a embalagem que influencia a sustentabilidade. O processo de torrar e moer os grãos, totalmente automatizado, também influencia a preservação de recursos. Um processo automático como o nosso é muito mais eficiente e econômico do que se cada um fosse torrar e moer seu próprio café”, afirmou ele, em entrevista ao “Handelsblatt”.

As proibições são extensas. Além de perderem a bebida das máquinas caseiras de expresso, os funcionários públicos de Hamburgo não terão mais à disposição nas cozinhas das repartições, por exemplo, copos, pratos e talheres descartáveis, assim como água mineral em garrafas plásticas. Em vez disso, o número de bebedouros vai aumentar. As lâmpadas deverão ter embalagens ecologicamente corretas, passíveis de reciclagem, e serem de LED, mais econômicas e de longa duração. Produtos de limpeza que contenham cloro na fórmula passarão a ser proibidos. E até fatores impensáveis do lado de cá do mundo, como o transporte de produtos, também devem ser observados: afinal, compras que vêm de longe exigem maior deslocamento terrestre e, consequentemente, mais consumo de combustível e maior emissão de gases de efeito estufa.

“Nem mesmo aquecedores a gás usados do lado de fora no inverno ou radiadores elétricos não vamos mais comprar, porque a grande energia que usam é desproporcional ao pequeno efeito de aquecimento que produzem. Estamos sinalizando à economia e aos cidadãos a importância de prestar mais atenção às consequências ecológicas de se comprar certos produtos”, acrescentou o senador Kerstan.

O papel é outro ponto nevrálgico da lista negra. Estudos da Agência de Proteção Ambiental de Hamburgo indicam que a equipe administrativa da cidade consume mais de 206 milhões de folhas por ano – um terço delas de papel reciclado. Mas não é o bastante. O objetivo é aumentar ainda mais essa proporção. Números do departamento técnico da agência indicam que o uso de papel reciclado impede a emissão de 285 toneladas de carbono por ano, além de gerarem uma economia de 51,9 milhões de litros de água, o equivalente ao consumo diário de água de quase 415 mil moradores da cidade – ou pouco menos de um quarto da população de 1,8 milhão de habitantes.

Nada mal para uma cidade que, embora seja a mais rica da Alemanha, com um PIB per capita estimado em € 53 mil, disse recentemente um sonoro “não” aos Jogos Olímpicos de 2024. O motivo? Insatisfação com o desperdício de recursos. Em novembro passado, a população foi às urnas para decidir o endosso à candidatura da cidade à sede dos Jogos, e 51,6% disseram “não” ao evento, orçado em € 11,2 bilhões.

O plano previa um investimento de € 6,2 bilhões do governo federal alemão, € 3,8 bilhões obtidos em lucros provenientes de propaganda e visitantes e mais € 1,2 bilhão dos cofres da própria prefeitura. Mas os moradores não quiseram nem saber do investimento. Preferiram ver todo esse dinheiro aplicado em outras frentes. E, claro, subir ainda mais alto no pódio da qualidade de vida, com ou sem astros como Usain Bolt, Moh Farah, LeBron James – ou mesmo George Clooney.

Renata Malkes

Carioca nada da gema, na Alemanha desde 2016. Mestre em Estudos de Paz e Guerra pela Universidade de Magdeburg. Jornalista, inconformista e flamenguista. Mochileira e cervejeira. Ex-correspondente do jornal O Globo no Oriente Médio e da alemã Deutsche Welle no Brasil. Contadora de 'causos', mantém as antenas ligadas em ciência, direitos humanos e política internacional.

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