A caminho da irrelevância

Messi chora após perder o penalti na final da Copa America

Decisão de Messi mostra que futuro das seleções nacionais é cada vez mais incerto

Por Aydano André Motta | ArtigoODS 12 • Publicada em 29 de junho de 2016 - 08:00 • Atualizada em 11 de julho de 2020 - 21:32

Messi chora após perder o penalti na final da Copa America

A bola que Lionel Messi enviou da marca do pênalti no MetLife Stadium, em Nova Jersey, à estratosfera, no desfecho da Copa América Centenário, encaminhando a derrota (mais uma) da Argentina, turbinou uma certeza das mais caras de uma tribo do planeta futebol: o multicampeão astro do Barcelona jamais chegará aos pés de Diego Maradona, o mítico ídolo que conquistou sozinho uma Copa do Mundo para nossos vizinhos. O (até domingo) inquilino da camisa 10 tornou-se protagonista do incômodo jejum de 23 anos sem títulos e, consumado o novo fracasso, anunciou, enquanto enxugava lágrimas raras de se ver em público, sua retirada da seleção.

Argentina de Lionel Messi negou-lhe o direito de ser jogador profissional. Quando criança, o corpo franzino, consequência de um problema hormonal, motivou um apelido, La Pulga, e o desprezo do Newell’s Old Boys, time da cidade natal, Rosário. O pai, Jorge Messi, decidiu tentar a sorte no exterior. Aos 13 anos, o menino de 1,40m de altura fez testes no Barcelona e superou oponentes bem mais velhos. Abriu-se o caminho virtuoso, que chegou há alguns anos – e até hoje – ao posto de melhor jogador do mundo.

A decisão tem motivações políticas – Messi quer se descolar da crise que assola a AFA (Associação Argentina de Futebol), motivada por bandalheiras semelhantes à da brasileira CBF e de boa parte da cartolagem mundial, e deve ser seguido por outros craques, como Mascherano, Agüero e Dí Maria. Mas evidencia um eloquente sinal de como a banda toca no futebol atual: as seleções nacionais estão definhando, a caminho da irrelevância.

No esporte dominado por clubes e patrocinadores que fazem girar montanhas de dinheiro cada vez mais impressionantes, falta espaço para os jogos entre países. Competições como a Copa América Centenário, as Olimpíadas, a Copa do Mundo e a Eurocopa apertam-se em brechas de um calendário congestionado, sacrificando os melhores jogadores – que, por óbvio, são os convocados mais frequentes. Em troca dos salários monumentais que pagam, as prósperas grifes europeias arrancam o máximo de suas estrelas ao longo do ano. Às seleções, sobra o bagaço da laranja.

Os dois melhores jogadores da Terra desembarcaram lesionados nas competições continentais. Cristiano Ronaldo e Messi começaram a Euro e a Copa América em condições físicas precárias. Neymar não foi liberado pelo Barcelona para atuar nos Estados Unidos pela seleção brasileira (a CBF preferiu guardá-lo para as Olimpíadas, em busca da inédita medalha de ouro). Outros craques, nos dois lados do Atlântico, ficaram pelo caminho, exauridos.

Ao longo do ano, as seleções reúnem-se três dias antes das partidas, as datas-Fifa, reservadas para amistosos e Eliminatórias da Copa do Mundo. Na maior parte das vezes, os convocados para os times das Américas precisam encarar uma viagem transatlântica. Uma correria.

Antes do Mundial de 2014, as seleções tiveram apenas duas semanas para se preparar. Não vieram ao Brasil, por contusão, nomes como o francês Ribéry, o italiano Montolivo, o alemão Marco Reus e o brasileiro naturalizado espanhol Thiago Alcântara. (À época, o comentarista Paulo Vinícius Coelho contabilizou, em seu blog, 42 ausências devido a lesões.)

A epidemia é consequência de uma estratégia para dissecar as seleções, roubar-lhes a importância e concentrar toda a magia do futebol nos clubes – que, em última análise, sustentam o show. No mundo imaginado por cartolas de Real Madrid, Barcelona, Paris Saint-Germain, Manchester United, Chelsea, Bayern de Munique, não cabem disputas entre países. Suas equipes, muito a propósito, são radicalmente multinacionais – o time titular do Real Madrid campeão da Europa mês passado tem apenas dois espanhóis, o lateral Carvajal e o zagueiro Sérgio Ramos. Com eles, entraram em campo dois portugueses (Pepe e Cristiano Ronaldo), dois brasileiros (Marcelo e Casemiro), um costarriquenho (Navas), um alemão (Toni Kroos), um croata (Modric), um galês (Gareth Bale) e um francês (Benzema). No banco, a dirigi-los, está o francês de ascendência argelina Zinedine Zidane.

Bem no meio do cenário, para o bem e para o mal, reina Lionel Messi. Sua Argentina de nascimento negou-lhe o direito de ser jogador profissional. Quando criança, o corpo excessivamente franzino, consequência de um problema hormonal, motivou um apelido, La Pulga, e o desprezo do Newell’s Old Boys, time da cidade natal, Rosário. O pai, Jorge Messi, decidiu tentar a sorte no exterior, com a ajuda de uma prima, que vivia na Catalunha. Aos 13 anos, o menino de 1,40m de altura fez testes no Barcelona e superou oponentes bem mais velhos. Abriu-se o caminho virtuoso, que chegou há alguns anos – e até hoje – ao posto de melhor jogador do mundo.

Assim, a “nacionalidade futebolística” do camisa 10 é catalã. E Messi faz jus a ela. Soma, aos 29 anos recém-completados, espantosos 28 títulos com a camisa azul e grená de seu time, entre eles quatro Ligas dos Campeões da Europa, oito campeonatos espanhóis, quatro Copas do Rey, seis Supercopas da Espanha e três mundiais de clubes. Ganhou por cinco vezes o título de melhor jogador do planeta, dado pela Fifa. Pela seleção argentina, conquistou a medalha de ouro no torneio de futebol (categoria sub-23) das Olimpíadas de Pequim, em 2008, e o Mundial sub-20 em 2005.

Mais nada.

Na jornada nos Estados Unidos, tentou quanto possível o título inédito. No caminho, transformou-se no maior artilheiro da história da seleção (55 gols), status que ostenta também no Barcelona – marcou 453 vezes até o fim da última temporada. Perdido o título para o Chile, o craque permitiu-se imagens raras, de uma tristeza profunda. Impávido a maior parte do tempo, ele revelou-se “normal” com as lágrimas diante das câmeras. Deu margem à especulação de que queria tanto a conquista para a aposentadoria ser mais gloriosa. Não deu – mas a decisão acabou mantida.

Canhoto e camisa 10 como Messi, Maradona cumpriu carreira pífia na Europa, se comparada a de seu sucessor. Uma Copa do Rei, uma Supercopa e uma Copa da Liga pelo mesmo Barcelona; dois campeonatos italianos e uma Copa da Uefa (o segundo torneio do continente) pelo Napoli.

Mais nada.

Com o uniforme azul e branco da seleção, carregou seus companheiros nas costas pelo escaldante México em 1986. Fez gol com a mão – “La Mano de Dios”, em sua imbatível definição – diante dos rivais ingleses, vingança boleira pela humilhação nas Malvinas; driblou todos os adversários que lhe cruzaram o caminho, até terminar campeão, no maior desempenho individual da história das Copas. Para chegar lá, passou dois meses concentrado, até entrar em campo no auge da forma.

Fora dele, construiu personagem fascinante. Envolveu-se com drogas, acabou eliminado da Copa de 1994 e teve a carreira precocemente encerrada por doping. O vício quase custou-lhe a vida. Frasista e contestador, bateu pesado na Fifa – muito antes de o FBI “passar o rodo” na entidade superpoderosa –, tornou-se amigo de Fidel Castro e, recentemente, defendeu Dilma Rousseff, amplificando a repercussão internacional das acusações de golpe no Brasil. Pendores e pecados que só aumentam o culto obsessivo dos argentinos a seu deus particular.

Mas quem é melhor? Impossível dizer. Comparar Maradona e Messi assemelha-se a tentar um paralelo entre um LP valioso e a lista preferida no Spotify. Os dois supercraques argentinos foram reis do planeta bola, com as camisas que o destino e o jogo do poder futebolístico reservaram a eles, no tempo devido.

A disputa entre um e outro será uma partida eterna, no infinito falatório dos apaixonados.

Aydano André Motta

Niteroiense, Aydano é jornalista desde 1986. Especializou-se na cobertura de Cidade, em veículos como “Jornal do Brasil”, “O Dia”, “O Globo”, “Veja” e “Istoé”. Comentarista do canal SporTV. Conquistou o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa em 2012. Pesquisador de carnaval, é autor de “Maravilhosa e soberana – Histórias da Beija-Flor” e “Onze mulheres incríveis do carnaval carioca”, da coleção Cadernos de Samba (Verso Brasil). Escreveu o roteiro do documentário “Mulatas! Um tufão nos quadris”. E-mail: aydanoandre@gmail.com. Escrevam!

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