Bem-vindos ao Antropoceno

Uma tradicional árvore americana, completamente seca no Joshua Tree National Park, na Califórnia. Foto de Mark Ralston/AFP

Ação humana inaugura nova era geológica global

Por José Eduardo Mendonça | ODS 13 • Publicada em 5 de setembro de 2016 - 08:00 • Atualizada em 5 de setembro de 2016 - 12:50

Uma tradicional árvore americana, completamente seca no Joshua Tree National Park, na Califórnia. Foto de Mark Ralston/AFP
Uma tradicional árvore americana, completamente seca no Joshua Tree National Park, na Califórnia. Foto de Mark Ralston/AFP
Uma tradicional árvore americana, completamente seca no Joshua Tree National Park, na Califórnia. Foto de Mark Ralston/AFP

O cenário se tornou comum. Cada mês, desde outubro de 2015, estabelece um novo recorde de calor, fruto da continuada queima de combustíveis fósseis pelas atividades humanas. Fontes de energia renovável começam a ocupar espaço significativo e apresentam custos competitivos, mas sua capacidade de ajudar a reverter um quadro desastroso no médio prazo tem pouco fôlego.

“Há dois bilhões de anos, cianobactérias oxigenaram a atmosfera e provocaram uma revolução na vida da Terra. Mas elas não sabiam. Nós somos a primeira espécie que se tornou uma influência de escala planetária e sabe disso. É isto que nos distingue”.

Os efeitos estão por todo lado, como eventos extremos do tempo (que se tornam cada vez mais frequentes e severos), enchentes, secas ou a migração de espécies vegetais e animais para latitudes ou alturas onde sua sobrevivência é possível. A migração não demorará a acontecer também com os humanos.

Como se não bastasse, anuncia-se agora que o planeta está aquecendo em um ritmo sem precedente nos últimos mil anos, tornando “muito improvável” que o mundo fique dentro de um limite crucial de temperatura acordado entre nações do mundo na conferência do clima de Paris, segundo o principal cientista do clima da Nasa.

Neste ano o planeta está fervendo, com a temperatura média global 1.38ºC acima dos níveis da Revolução Industrial. Isto é considerado perigosamente próximo do limite de 1.5ºC concordado no acordo de Paris. Além deste patamar, afirma a ciência do clima no relatório do Painel Intergovernamental do Clima da ONU (IPCC), as coisas podem se tornar insustentáveis e saírem do controle com os efeitos de feedback. Julho foi o mês mais quente desde que os registros começaram a ser feitos, em 1880.

Mas de acordo com a Nasa, registros de temperatura deixados muito antes, e analisados por núcleos de gelo e sedimentos, sugerem que o aquecimento de décadas recentes está em descompasso com qualquer período no último milênio.

“Entramos realmente em um território excepcional nos últimos 30 anos,” afirma Gavin Schmidt, diretor do Centro Goddard de Estudos Espaciais da Nasa. “Isto não tem precedente em mil anos. Não existe período no século 20 com esta tendência de inclinação de temperaturas”.

A produção massiva de carvão na China é um dos principais símbolos do impacto do homem sobre o planeta. Foto de Zhou jianping / Imaginechina
A produção massiva de carvão na China é um dos principais símbolos do impacto do homem sobre o planeta. Foto de Zhou jianping / Imaginechina

Os dados indicam que os humanos alteraram permanentemente o planeta? A questão está no centro de um debate entre geólogos e ecologistas sobre em qual período, afinal, vivemos.

Segundo a União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS), organização profissional responsável por definir a escala de tempo da Terra, ainda estamos oficialmente dentro da era do Holoceno, que se iniciou 11.700 anos atrás, após a última era do gelo.

Há quem discorde. Alguns especialistas afirmam que adentramos o Antropoceno (de anthropo, “homem”, e cene (novo), porque a espécie humana causou a extinção em massa de espécies de plantas e animais, poluiu os oceanos e alterou a atmosfera, entre outros impactos duradouros.

A palavra Antropoceno entrou na moda desde que o químico atmosférico e prêmio Nobel Paul Crutzen a tornou popular em 2000. E não parou de aparecer. Este ano, foi adotada por círculos científicos mais amplos. Esteve em quase 200 artigos científicos, a editora Elsevier lançou um novo periódico chamado Anthropocene e a IUGS convocou um grupo de estudiosos para decidir em 2016 se declaram que o Holoceno acabou e o Antropoceno começou.

Para Andrew Revkin, celebrado blogueiro do clima do New York Times, criador de um termo semelhante em 1992 que não pegou (Antroceno), é significativo que a questão esteja sendo motivo de debate. “Há dois bilhões de anos, cianobactérias oxigenaram a atmosfera e provocaram uma revolução na vida da Terra. Mas elas não sabiam. Nós somos a primeira espécie que se tornou uma influência de escala planetária e sabe disso. É isto que nos distingue”.

Cientistas ainda estão considerando como datar a transição de eras, mas acreditam que ela aconteceu em algum ponto em meados do século passado. A recomendação deles teria de ter o acordo da IUGS para ser formalmente declarada e entrar nos livros-texto.

Uma declaração da Universidade de Leicester, na Inglaterra, sobre a “recomendação provisória” do grupo de trabalho, afirma: “O conceito do Antropoceno é geologicamente real. O fenômeno é de escala suficiente para ser considerado parte da Carta Cronostratigráfica Internacional, mais comumente conhecida como Escala de Tempo Geológica”. “O impacto humano deixou traços discerníveis nos registros estratigráficos por milhares de anos – na verdade, desde antes do começo do Holoceno”.

Ainda segundo a universidade, as mudanças no Sistema da Terra que caracterizam a Era Antropocênica incluem aceleração marcante das taxas de erosão e sedimentação, perturbações de grande escala nos ciclos de carbono, nitrogênio, fósforo e outros elementos, o começo de mudança significativa no clima global e no nível do mar, e alterações bióticas, como níveis sem precedentes de invasões de espécies em todo o planeta. “Muitas destas mudanças têm longa duração geológica e algumas são efetivamente irreversíveis”.

“Estes e outros processos relacionados deixaram uma gama de sinais em estratos recentes, incluindo partículas de plástico, alumínio e concreto, radionuclídeos artificiais, mudanças nos padrões de isótopos de carbono e nitrogênio, cinza na atmosfera e diversos restos de materiais fossilizáveis. Muitos destes sinais vão deixar registro permanente nos estratos da Terra”.

Assim, o Holoceno ficará marcado como o mais curto tempo geológico. Seu predecessor imediato, o Pleistoceno, durou 2,5 milhões de anos, enquanto que o Eoceno permaneceu por quase 22 milhões. E se os humanos prosseguirem nesta marcha de destruição, quanto tempo o Antropoceno, e a humanidade, vão durar?

José Eduardo Mendonça

Jornalista com passagens por publicações como Exame, Gazeta Mercantil, Folha de S. Paulo. Criador da revista Bizz e do suplemento Folha Informática. Foi pioneiro ao fazer, para o Jornal da Tarde, em 1976, uma série de reportagens sobre energia limpa. Nos últimos anos vem se dedicando aos temas ligados à sustentabilidade.

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Um comentário em “Bem-vindos ao Antropoceno

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