PM em xeque reclama do cheque

Policiais aguardam com suas viaturas em frente ao batalhão, durante protesto de parentes. Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP

Especialista diz que falta liderança e credibilidade para resolver o problema

Por Claudia Silva Jacobs | ODS 11 • Publicada em 10 de fevereiro de 2017 - 16:48 • Atualizada em 13 de fevereiro de 2017 - 11:00

Policiais aguardam com suas viaturas em frente ao batalhão, durante protesto de parentes. Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP
Policiais aguardam com suas viaturas, enquanto parentes fazem protesto em frente ao batalhão, no Rio. Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP

A lista de reivindicações dos profissionais do Rio é grande. Começa pelo pagamento do 13º salário de 2016 e das gratificações pelos trabalhos feitos fora da escala. Mas passa também pela falta de armamento, coletes e melhorias no hospital da corporação. Os 10.300 policiais militares do Espírito Santo vão além. Atualmente, eles recebem o mais baixo piso salarial do país: R$ 2.460,00. Esperam chegar mais perto da média nacional, que é de R$ 3.980,00. Ou seja, nenhum pedido exorbitante ou descabido. Direitos que poderiam estar sendo exigidos por professores, médicos ou servidores da justiça. Mas eles são PMs, e isso faz toda a diferença. O “M” de militares pressupõe hierarquia, ordem, respeito. Greve? Nem pensar. Na prática, no entanto, a realidade é outra.

É preciso que o Presidente da República se lance a favor da reforma na Constituição no que tange a Segurança Pública. Para isso, é necessário ter um líder com carisma e credibilidade alta, o que não vemos no momento

Em um relatório publicado no ano passado, a especialista independente da ONU sobre minorias Rita Izsák defendeu que a Polícia Militar no Brasil deveria ser “abolida”. Organizações como a Anistia Internacional também já levantaram a questão, que está há anos tramitando no Congresso Nacional, sem avanços. Os últimos acontecimentos no Espírito Santo – onde mais de 100 pessoas já foram assassinadas durante a grave dos PMs – e no Rio – onde parentes fizeram protestos, bloqueando a entrada de alguns batalhões –  colocaram novamente em pauta o tema, explicitando as falhas no sistema vigente e a necessidade urgente de reestruturação da área de segurança no Brasil.

O Cientista Político Jean-François Deluchey, especialista em Segurança Pública e doutor pela Universidade da Sourbonne Nouvelle 3, acredita que são necessárias mudanças urgentes, mas que sejam definidas a partir da participação de todos os segmentos da sociedade, inclusive os próprios militares. Além disso, Deluchey diz que o governo federal precisa ser o protagonista desse processo, tendo o Presidente da República como principal condutor. É necessário força de vontade para tratar de uma pauta tão complicada e complexa, que envolve interesses de diferentes camadas da sociedade.

– É preciso que o Presidente da República se lance a favor da reforma na Constituição no que tange a Segurança Pública. Para isso, é necessário ter um líder com carisma e credibilidade alta, o que não vemos no momento.

Mulheres de policias protestam, no Espírito Santo: mais de 100 mortos durante a greve dos PMs. Foto: Vinicius Moraes/AFP

Uma coisa é certa. O formato atual está desgastado, fragilizado e desmoralizado.  A população não respeita, os políticos manipulam e se aproveitam dos votos com um discurso pró-militares, e a própria categoria está dividida em meio a tantos escândalos e problemas com estrutura, corrupção e falta de preparo dos profissionais. Deluchey ressalta que a essência da Polícia Militar é equivocada:

– A complicação começa na forma como as policias militares são regidas, a partir do binômio amigo e inimigo. Enquanto a polícia militar dividir a sociedade entre mocinho e bandido, não teremos solução para o impasse que estamos vivendo. As mudanças vão continuar distantes.

Qualquer mudança, segundo Deluchey, vai demandar muita reflexão, discussões e até mesmo reformas na Constituição, o que envolve todas as esferas do Estado. O artigo 144, que trata das prerrogativas da Segurança Pública, delega aos estados e seus governantes o poder de administrar as Polícias Militares.  Na opinião do especialista, os próprios estados são os mais refratários às mudanças. Devido aos diferentes interesses, não buscam um caminho para a desmilitarização, apontada como um empecilho para um sistema mais uniforme e eficiente.

– A PM é tratada de forma diferente. É como se cada BPM fosse uma entidade privada, com suas regras de segurança. Na Polícia Civil, a cultura democrática está dentro dos princípios, existe mais unidade.

O Cientista Político, professor visitante da Universidade Federal do Pará, argumenta que dentro da própria estrutura da PM existem posições diferentes em relação à necessidade ou não de manter a polícia militarizada. Deluchey coordenou duas grandes pesquisas em todo o Pará, nos últimos anos, entrevistando policias e a população em geral, e os resultados mostraram a necessidade de integração entre as forças. Entre os policiais militares entrevistados 53,8% disseram achar muito adequado ou adequado a união entre as polícias civil e militar; mais de 90% acharam adequado ou muito adequado maior integração operacional entre as forças de segurança do estado.

– A posição entre os policias militares diverge dependendo da posição hierárquica que ocupa. O sentimento favorável à desmilitarização é muito maior entre os praças. Os oficiais têm uma percepção de que é importante manter o status, se beneficiando dessa forma privatizada de atuação nos batalhões.

O caminho é longo em busca de qualquer mudança. O lobby pelo sistema atual é grande entre os políticos e por movimentos como o MBL (Movimento Brasil Livre), que credita aos setores de esquerda, a campanha de desmilitarização das PMs. Nos argumentos apresentados em seu site, o movimento afirma que, ao ser “desmilitarizada”, a polícia passaria a ser uma instituição civil e não teria mais vínculo com o Exército, como hoje, cabendo a PM o policiamento ostensivo. No entanto, o que vemos na prática é uma polícia com sérias dificuldades em entender seu papel na sociedade.

Claudia Silva Jacobs

Carioca, formada em Jornalismo pela PUC- RJ. Trabalhou no Jornal dos Sports, na Última Hora e n'O Globo. Mudou-se para a Europa onde estudou Relacões Políticas e Internacionais no Ceris (Bruxelas) e Gerenciamento de Novas Mídias no Birkbeck College (Londres). Foi produtora do Serviço Brasileiro da BBC, em Londres, onde participou de diversas coberturas e ganhou o prêmio Ayrton Senna de reportagem de rádio com a série Trabalho Infantil no Brasil. Foi diretora de comunicação da Riotur por seis anos e agora é freelancer e editora do site CarnavaleSamba.Rio. Está em fase de conclusão do portal cidadaoautista.rio. E-mail: claudiasilvajacobs@gmail.com

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