De olho no cidadão

Se não se importam em avançar o sinal na frente do pardal e pagar trezentos reais de multa, não vai ser uma câmera solitária e autista que vai meter medo. Foto Leo Aversa

Tecnologia de ponta a serviço de uma cidade mais civilizada. Ou não

Por Leo Aversa | ODS 11 • Publicada em 14 de março de 2017 - 10:31 • Atualizada em 14 de março de 2017 - 13:59

Se não se importam em avançar o sinal na frente do pardal e pagar trezentos reais de multa, não vai ser uma câmera solitária e autista que vai meter medo. Foto Leo Aversa
Se não se importam em avançar o sinal na frente do pardal e pagar trezentos reais de multa, não vai ser uma câmera solitária e autista que vai meter medo. Foto Leo Aversa
Se não se importam em avançar o sinal na frente do pardal e pagar trezentos reais de multa, não vai ser uma câmera solitária que vai meter medo. Foto Leo Aversa

A prefeitura plantou um poste com câmera na esquina da Jardim Botânico com Maria Angélica. Ninguém deu a menor importância.

Ali perto tem um pardal e os motoristas também não estão nem aí. Continuam avançando sinal e fechando cruzamentos. Se não se importam em avançar o sinal na frente do pardal e pagar trezentos reais de multa, não vai ser uma câmera solitária que vai meter medo.

Imagino que em algum lugar obscuro da prefeitura exista um funcionário entediado analisando essas imagens do cruzamento, enquanto apara as unhas e manda zaps no grupo da família. No fim do dia, deve produzir relatórios detalhados sobre quantos automóveis atravessaram o cruzamento de manhã ou a quantidade de ônibus que passaram à tarde, relatórios estes que vão ser empilhados para equilibrar a mesa bamba do supervisor.

Um dinheiro gasto à toa, mas tenho uma solução: vou escrever para o Crivella.

Basta acoplar à camera um par de alto-falantes. Aí sim a coisa ia funcionar. Como o prefeito é profundamente religioso, sabe o poder que tem uma voz que vem do alto.

O motorista avança o sinal e logo ouve a voz:

-Ô! Ô! VOCÊ AÍ DO GOL PLACA XYZ 1234! QUE VERGONHA! VOLTA AGORA!

E como estamos em tempos de hackers e big data, basta meio segundo para que o operador da câmera descubra quem está dirigindo o Gol prata XYZ 1234.

– DOUTOR UBIRAJARA! ESTAMOS VENDO! QUE FEIO!

Também não seria difícil descobrir o nome dos parentes do fora-da-lei.

– VOU FALAR COM A DONA MIRTES AGORA!

E por que a prefeitura também não pode acessar as redes sociais do doutor Ubirajara?

– Ô DOUTOR UBIRAJARA, PRA QUÊ TANTA PRESSA? VOCÊ NÃO DEVERIA ESTAR NO TRABALHO? QUEM É ESSA SIRIGAITA NO BANCO DO CARONA? DONA MIRTES TÁ SABENDO?

Para que a câmera, seu operador e a prefeitura não se tornem antipáticos diante da comunidade, o big data e os alto-falantes também podem ser utilizados para socializar, por assim dizer. Se a CIA faz reconhecimento facial para mandar os mísseis nos supostos terroristas, por que a nossa prefeitura não pode fazer o mesmo para confraternizar com os cidadãos?

– MARIA CARMEM, QUE LINDO VESTIDO! PARABÉNS.

– MATEUS, INDO PARA ACADEMIA, MUITO BEM. A SAÚDE É O MAIS IMPORTANTE.

– WALDENOR, CORRA QUE O BANCO JÁ VAI FECHAR!

Sem, é claro, descuidar da lei e da ordem, além, é claro, da moral e dos bons costumes. A vigília precisa ser constante, já diz a bíblia do prefeito.

-….SEU GIVALDO, O SENHOR DEIXOU CAIR UM PAPEL…QUE TAL VOLTAR E JOGAR NA LATA DO LIXO?

– DONA CLOTILDE, O CARLINHOS ESTÁ ANDANDO EM MÁS COMPANHIAS… ESSE MENINO PRECISA DE UM CORRETIVO.

Talvez essa aliança entre a tecnologia de ponta e a informalidade carioca crie alguns obstáculos quando o operador começar a ficar íntimo dos moradores.

– CARMINHA…TÁ MUITO GATA HOJE…CHOPINHO MAIS TARDE?

– Ô WALDENOR, JÁ QUE TÁ INDO NO BANCO DÁ PRA TIRAR DUZENTINHOS PRA MIM? PAGO SEMANA QUE VEM, SEM FALTA.

– DONA CLOTILDE, AVISA O CARLINHOS QUE EU TÔ COM UMA PARADA PRA ELE.

Pensando bem, seria melhor trocar o funcionário responsável pela câmera toda semana. Ou melhor, quem sabe um robô. Um robô armado. Avançou o sinal, já vem o tiro certeiro.

Vou escrever para o Bolsonaro.

Leo Aversa

Leo Aversa fotografa profissionalmente desde 1988, tendo ganho alguns prêmios e perdido vários outros. É formado em jornalismo pela ECO/UFRJ mas não faz ideia de onde guardou o diploma. Sua especialidade em fotografia é o retrato, onde pode exercer seu particular talento como domador de leões e encantador de serpentes, mas também gosta de fotografar viagens, especialmente lugares exóticos e perigosos como Somália, Coreia do Norte e Beto Carrero World. É tricolor, hipocondríaco e pai do Martín.

Newsletter do #Colabora

Um jeito diferente de ver e analisar as notícias da semana, além dos conteúdos dos colunistas e reportagens especiais. A gente vai até você. De graça, no seu e-mail.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *