A cilada da guerra às drogas

Policiais apreendem um vaso de maconha no morro do Alemão. Foto Antonio Scorza/AFP

Ex-coordenador das UPPs, coronel PM afirma que policiais estão matando e morrendo por quantidades ínfimas de maconha

Por Oscar Valporto | ODS 11 • Publicada em 31 de agosto de 2017 - 09:19 • Atualizada em 1 de setembro de 2017 - 21:53

Policiais apreendem um vaso de maconha no morro do Alemão. Foto Antonio Scorza/AFP
Policiais apreendem um vaso de maconha no morro do Alemão. Foto Antonio Scorza/AFP
Policiais apreendem um vaso de maconha no morro do Alemão. Foto Antonio Scorza/AFP

Menos de duas semanas depois do jornal Extra ter declarado o estado de guerra do Rio de Janeiro, o coronel PM Robson Rodrigues, ex-coordenador das UPPs, abriu os debates do Reage Rio, seminário do próprio diário em parceria com O Globo, com palestra onde destacou o que chamou de “a cilada da guerra às drogas”, mostrando que as forças de segurança do Rio gastam energia, tempo e dinheiro em batalhas sem resultado. “Nossos policiais estão matando e morrendo por quantidades ínfimas de maconha”, destacou o coronel – hoje na reserva, doutorando em Ciências Sociais  e pesquisador de assuntos de segurança -, que participou do debate ao lado do ministro da Justiça, Torquato Jardim, da pesquisadora Michelle dos Ramos, do Instituto Igarapé, com mediação do próprio autor da capa do Extra da declaração de guerra, o diretor de redação, Octávio Guedes.

Esgotar nossos policiais no combate a uma droga que, dizem os especialistas, afeta tanto a saúde quanto algumas drogas lícitas me parece um contrassenso. Estamos matando e morrendo por maconha

A argumentação do policial tem base nos números. De acordo com os dados do Instituto de Segurança Pública, entre 2010 e 2016, das mais de 120 toneladas de drogas apreendidas pela polícia, 91% eram de maconha. Mas 93% das ocorrências registradas pela PM resultaram em apenas 3,4% do volume apreendido. “Ou seja, as poucas ações de inteligência foram responsáveis por mais de 95% do total de maconha apreendida. Enquanto isso, os policiais gastaram energia e foco em ações do varejo para apreender uma quantidade ínfima de droga”, argumentou o coronel Robson. Para o ex-coordenador das UPPs, a prioridade a essas ações de varejo facilitam a corrupção e a violência policial, que afetam a confiança da população na polícia.

Policial militar sentado nos pacotes de maconha recolhidos numa operação no Rio. Foto Antonio Scorza/AFP
Policial militar sentado nos pacotes de maconha recolhidos numa operação no Rio. Foto Antonio Scorza/AFP

As pequenas armadilhas dessa grande cilada começam na rotina diária da Polícia Militar: quase 80% das ocorrências estão relacionadas ao tráfico e, hoje em número menor, ao consumo. Esse protagonismo se estende ao sistema penitenciário. Apesar da punição para o uso e o porte de drogas não incluir mais encarceramento , 25% da população carcerária masculina e 65% da população carcerária feminina são de condenados por tráfico de drogas. E metade desses condenados está na faixa até 29 anos. “O perfil dos encarcerados mostra como estamos desfocados. Num país com 60 mil mortos por ano, os condenados por homicídio são apenas 14%, com mais 3% por latrocínio”, destacou o coronel, lembrando ainda que dados do ISP indicam que 21% dos crimes letais têm ligação com o tráfico.

Robson Rodrigues lembrou que a guerra às drogas tem sido prioridade das políticas de segurança no país há mais de 30 anos sem qualquer resultado. “Não será com esse foco no varejo, que vamos lidar com esse crime. Para isso, é preciso ações de inteligência e mais inteligência”, argumentou. Para seu ex-coordenador, as UPPs são uma “experiência de policiamento comunitário de proximidade que exigia uma modernização da estrutura policial, que acabou não acontecendo”.  O coronel PM defendeu integração maior para enfrentar o crime organizado, lembrando ainda que, pela Constituição, o combate ao tráfico de drogas é atribuição da Polícia Federal.

No debate, com perguntas da plateia que estava no auditório do Museu de Arte do Rio, o policial respondeu a um questionamento sobre a legalização das drogas com a defesa de algum tipo de regulação do mercado da maconha. “Tenho razões práticas. Isso desoneraria e muito as nossas polícias para que elas pudessem focar em coisas mais importantes como o homicídio e as armas. Esgotar nossos policiais no combate a uma droga que, dizem os especialistas, afeta tanto a saúde quanto algumas drogas lícitas me parece um contrassenso. Estamos matando e morrendo por maconha”, afirmou o coronel Robson Rodrigues, admitindo que o tema é polêmico. “Mas, pela perda de capacidade operacional da polícia que gasta 80% de sua energia com esse crime, precisamos de um debate desapaixonado para chegar a um denominador comum”.

Manifestação em Ipanema pela legalização da maconha. Foto Vanderlei Almeida/AFP
Manifestação em Ipanema pela legalização da maconha. Foto Vanderlei Almeida/AFP

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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4 comentários “A cilada da guerra às drogas

  1. planta interessante disse:

    No plural não existe crase! A frase “A cilada da guerra às drogas” escreve-se “A cilada da guerra as drogas”.

    Maconha cura várias coisas, até câncer. Só não cura da morte causada pelos conflitos entre os policiais e consumidores.

    • Jonas Siberiano disse:

      Entre policiais e traficantes, por que um consumidor de maconha, não vai matar ninguém pra poder fumar um baseado, diferente do crack e outras drogas “mais fortes”.

    • jean disse:

      Tem crase sim senhor, pois o termo “guerra” exige a preposição “a”, tanto no singular quanto no plural, e “drogas” é substantivo feminino.

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