‘As cidades são machistas’

Vagões exclusivos para mulheres comprovam o machismo urbano (Foto Wang Haofei / NurPhoto /AFP)

Fundadora de ONG que empodera mulheres denuncia planejamento urbano que ignora sexo feminino

Por Roberta Jansen | ODS 11 • Publicada em 8 de março de 2017 - 08:50 • Atualizada em 8 de março de 2017 - 13:12

Vagões exclusivos para mulheres comprovam o machismo urbano (Foto Wang Haofei / NurPhoto /AFP)
Vagões exclusivos para mulheres comprovam o machismo urbano (Foto Wang Haofei / NurPhoto /AFP)
Vagões exclusivos para mulheres comprovam o machismo urbano (Foto Wang Haofei / NurPhoto /AFP)

Vivemos em cidades machistas, planejadas por homens para homens. A perspectiva de gênero na análise urbanística é a principal bandeira da ONG Unlocking de Power of Women in Technology (algo como liberando o poder das mulheres na tecnologia). Fundadora da iniciativa, Carine Roos esteve à frente do evento Cidades para Todos, realizado recentemente, em São Paulo. Em entrevista ao Projeto #Colabora, ela explica como o planejamento urbano pode se voltar mais às questões femininas.

A cidade masculina é a que a gente vive hoje. E um dos grandes problemas dessa cidade é a violência e o assédio

Projeto #Colabora: Qual a diferença entre uma cidade feminina e uma masculina?

Carine Roos: As mulheres estão muito aquém de estarem à frente da política e do planejamento urbano, somos minoria. Apesar de sermos metade da população, não temos acesso à política em várias áreas e uma delas é a de planejamento urbano. Então, a cidade masculina é a que a gente vive hoje. E um dos grandes problemas dessa cidade é a violência e o assédio. Eu mesma já deixei de fazer um curso porque ficava em uma rua escura e eu não me sentia segura. Essa é a realidade de todas as mulheres do Brasil, não só a minha. Se uma mulher estivesse à frente do redesenho de uma cidade provavelmente pensaria em questões que acabariam beneficiando todo mundo, não só as mulheres, mas também os idosos e as crianças. Essa cidade teria mais mobilidade, acesso aos trajetos, segurança, iluminação. Homens normalmente não se sentem vulneráveis como as mulheres ao usar o espaço público. Por isso, homens e mulheres acessam a cidade de formas diferentes. Isso tem a ver com questões estruturais, com o fato de não estarmos à frente das políticas públicas, com a divisão desigual de tarefas, com o machismo.

Carine Roos faz crítica ao planejamento urbano

Uma cidade pode ser machista?

Sim, ela é machista. Sempre me perguntam sobre o vagão de mulheres no metrô. Ele é uma consequência do problema. A causa é a ausência de respeito. E a solução não pode ser botar metade da população em um vagão só. As mulheres sofrem diariamente com a cidade machista. Eu mesma já deixei de passar por várias ruas, por exemplo.

Precisamos pensar as cidades de um outro ponto de vista que não seja o masculino. As mulheres quando pensam em política não pensam só para elas, elas pensam também nas crianças, nos idosos, porque, ao fim, são elas que cuidam deles

Por que as cidades não são para todos?

Porque precisamos pensar as cidades de um outro ponto de vista que não seja o masculino. As mulheres quando pensam em política não pensam só para elas, elas pensam também nas crianças, nos idosos, porque, ao fim, são elas que cuidam deles. A mulher tem um olhar mais voltado para a comunidade e, por isso, beneficia uma maior quantidade de pessoas.

Como se pode criar uma cidade mais igualitária?

A primeira questão é o acesso às políticas públicas. As mulheres devem estar à frente dos conselhos, participando mais, elegendo, sendo eleita, fazendo política neste âmbito mais institucional. Mas há eventos como esse que organizamos, em que reunimos 60 pessoas para pensar soluções para as cidades. Essas ideias estarão disponíveis para todos, em uma plataforma, uma espécie de banco de sugestões, de forma que todas as ONGs que pensam em cidades mais inclusivas possam adotar.

Que tipo de tecnologia pode ser usada para criar cidades mais inclusivas?

O problema é estrutural, e a tecnologia é um meio para impulsionar essa mudança. O Think Olga (coletivo feminista) deu a dimensão do problema do assédio nas ruas. Quando ele mostra isso, aumenta a consciência de um problema estrutural. Por meio do (aplicativo) Vamos Juntas, a mulher consegue acionar uma colega para passar por uma rua mal iluminada ou insegura. Esse é um meio de reunir mulheres, aumentar a conscientização e de pressionar por políticas públicas, de pensarem soluções para um problema real que vivemos cotidianamente. Na Índia foi criado um outro aplicativo, o Safe Home, em que as usuárias podem avaliar as ruas de zero a cinco para dizer se são seguras. Elas podem ainda fazer comentários, dar sugestões de como melhorar, postar fotos do lugar. São formas de pressionar. Mas precisamos fortalecer o setor de tecnologias, precisamos de mais designers, mais arquitetas, mais mulheres no planejamento urbano pensando soluções.

Roberta Jansen

Trabalhou como repórter especializada em ciência, saúde e meio ambiente nos jornais Estado de S. Paulo e O Globo. No último ano integrou a coordenação de internacional da GloboNews. É feminista desde os 11 anos de idade

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