Fecundidade e envelhecimento

Se a Taxa de Fecundidade Total do Brasil ficar cair para 1,3 filho por mulher, a idade mediana do brasileiro será de 62 anos em 2100

Brasil pode chegar a 2100 com metade da população acima dos 62 anos

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 1ODS 11 • Publicada em 7 de dezembro de 2015 - 08:00 • Atualizada em 8 de dezembro de 2015 - 12:22

Se a Taxa de Fecundidade Total do Brasil ficar cair para 1,3 filho por mulher, a idade mediana do brasileiro será de 62 anos em 2100
Se a Taxa de Fecundidade Total do Brasil ficar cair para 1,3 filho por mulher, a idade mediana do brasileiro será de 62 anos em 2100
Se a Taxa de Fecundidade Total do Brasil cair para 1,3 filho por mulher, a idade mediana do brasileiro será de 62 anos em 2100

O Brasil manteve uma estrutura etária jovem na maior parte de sua história. Em 1965 a idade mediana era de 18 anos. Isto significa que metade da população era menor de idade (menos de 18 anos). A estrutura etária era jovem porque as taxas de fecundidade eram muito altas, em decorrência da necessidade de contrabalançar as também elevadas taxas de mortalidade.

Mas tudo mudou com a transição demográfica, que é o processo de redução das taxas de mortalidade e natalidade. Com a queda da mortalidade infantil houve aumento do número de filhos sobreviventes e o tamanho desejado da prole passou a ser alcançado com menores taxas de fecundidade. Como se diz popularmente: “as pessoas pararam de morrer como mariposas e a se reproduzir como coelhos”.

A transição demográfica é o fenômeno social de mudança de comportamento de massa mais importante da história da humanidade. A maior esperança de vida e o menor número de filhos por família liberam os adultos para investir mais tempo nas atividades economicamente produtivas. Este processo é bom especialmente para as mulheres que podem despender menos tempo nas árduas tarefas da reprodução e do trabalho doméstico não remunerado. É bom também para o aumento de renda das famílias, que passam a ter uma melhor relação entre seus membros “produtores” e “consumidores”. Consequentemente, é ótimo para o país que vê aumentar sua capacidade de investimento em capital fixo e em capital humano.

Ao invés de aumentar a fecundidade, o mais apropriado seria criar condições para que o Brasil conte com idosos ativos, saudáveis, com altos níveis educacionais e com ótima qualidade de vida

Todo país desenvolvido passou pela transição demográfica e passou também por uma mudança na estrutura etária, que sempre abre uma janela de oportunidade que, se bem aproveitada, permite um salto na qualidade de vida da população. Desta forma, nas primeiras décadas após o início da queda da fecundidade cria-se um bônus demográfico, pois há uma redução da razão de dependência, que é o coeficiente  entre  o  segmento  etário  da  população  definido como  economicamente  dependente  (os menores de 15 anos de idade e os maiores de 65 anos) e o segmento etário potencialmente produtivo (entre 15 e 64 anos). Este bônus é temporário e dura em torno de 50 a 60 anos, tempo que pode ser utilizado para a decolagem do desenvolvimento e da qualidade de vida.

Mas com o passar do tempo, a estrutura etária vai envelhecendo e a razão de dependência dos idosos vai subindo, o que reverte as condições demográficas favoráveis. O bônus demográfico no Brasil começou em 1970 e e a razão de dependência vai atingir o seu nível mais baixo entre 2020 e 2025. Ainda há tempo para aproveitar as condições demográficas favoráveis. Mas a janela de oportunidade vai se fechar progressivamente e o envelhecimento populacional vai assumir proporções cada vez maiores.

O tamanho e o ritmo do envelhecimento dependem do comportamento das taxas de fecundidade. Vejamos então o que nos dizem as estimativas.

A Divisão de População da ONU trabalha com três cenários de projeções. A taxa de fecundidade total (TFT), no Brasil, era superior a 6 filhos por mulher até os anos de 1960 e caiu para 1,9 filho por mulher, em 2010. Para o futuro, na hipótese alta, a fecundidade subiria um pouco em relação ao patamar atual e ficaria em torno de 2,3 filhos por mulher ao longo do século XXI. Na hipótese média, a TFT ficaria por volta de 1,8 filho por mulher e, na hipótese baixa, a TFT cairia imediatamente e ficaria em torno de 1,3 filho por mulher entre 2020 e 2100. A diferença entre as hipóteses alta e baixa para a hipótese média é algo em torno de 0,5 filho na TFT.

Esta pequena variação significa uma grande diferença na idade mediana brasileira em 2100. Ou seja, se a TFT ficar em torno de 2,3 filhos por mulher (hipótese alta) a idade mediana será de 40 anos (metade da população terá idade menor do que 40 anos e a outra metade terá idade superior a 40 anos) em 2100. Como a idade mediana brasileira era de 18 anos em 1965, isto quer dizer que esse indicador vai mais do que dobrar até o fim do século XXI, significando que haverá envelhecimento populacional mesmo na hipótese de fecundidade alta.

Se a TFT ficar em torno de 1,8 filho por mulher, a idade mediana será de 50 anos em 2100, o que significa um envelhecimento mais acelerado. Mas se a TFT cair para o nível muito baixo (1,3 filho por mulher) então a idade mediana será de 62 anos em 2100. Isto seria um envelhecimento populacional extremamente elevado, pois mais da metade da população seria considerada idosa pelo critério utilizado pelo estatuto do idoso (60 anos e mais) no Brasil.

Assustados com a hipótese de fecundidade muito baixa, os pessimistas do envelhecimento populacional consideram que o melhor seria o país incentivar as mulheres a terem mais filhos para reduzir o ritmo de mudança na estrutura etária. Todavia, incentivar o aumento do tamanho da prole tem vários efeitos negativos nas esferas micro e macroeconômica, podendo prejudicar a qualidade de vida das pessoas e das famílias.

De fato, como mostra o gráfico, um aumento da taxa de fecundidade atual teria um efeito muito pequeno para evitar o envelhecimento populacional no curto prazo (até 2030, por exemplo), mas provocaria de imediato um aumento da razão de dependência (RD) demográfica. O aumento da RD poderia reduzir as taxas de poupança e investimento, prejudicando, por exemplo, o processo de erradicação da pobreza. Em uma sociedade marcada pelas desigualdades de gênero e pela divisão sexual do trabalho, as mulheres em idade reprodutiva seriam as principais prejudicadas pelo aumento da razão de dependência.

grafico (eustaquio)

Por outro lado, uma rápida queda das taxas de fecundidade atuais reduziria a razão de dependência no curto prazo, aumentando os ganhos do dividendo demográfico. Porém, provocaria um rápido aumento da dependência na segunda metade do século XXI. Portanto, não há ganho sem dano. Uma rápida queda da fecundidade reforçaria o bônus demográfico no curto prazo, mas aumentaria o ônus demográfico no longo prazo. Uma elevação da fecundidade provocaria efeito inverso, com ônus no curto prazo e bônus no longo prazo.

Desta forma, o caminho do meio – TFT em torno de 1,8 filho por mulher – poderia ser uma alternativa para evitar um rápido aumento da razão de dependência no curto prazo, evitando também um rápido envelhecimento populacional no longo prazo.

Tanto na economia, quanto na dinâmica demográfica, não existe “almoço grátis”. Manter uma estrutura etária perpetuamente jovem seria o mesmo que descobrir o elixir da eterna juventude, o que só ocorre nos contos de fada. A mudança na estrutura etária brasileira é inevitável pois a fecundidade vem caindo desde 1965. A base da pirâmide etária continua se estreitando, mas as pessoas que vão ter mais de 60 anos em 2070 já nasceram. O investimento nos jovens de hoje é uma garantia de retornos positivos no futuro.

Assim, o “tsunami grisalho” não deve ser visto como uma epidemia. Idoso não é sinônimo de incapacidade e dependência. As gerações mais velhas podem ser autossuficientes e podem se autofinanciar por um processo de capitalização combinado com políticas públicas adequadas. O crescimento da população idosa traz desafios, mas também enseja boas perspectivas.

Assim, ao invés das políticas públicas tentarem interromper o envelhecimento populacional (forçando o aumento da fecundidade), o melhor seria buscar as oportunidades geradas por este processo de mudança na composição intergeracional. Ao invés de aumentar a fecundidade, o mais apropriado seria criar condições para que o Brasil conte com idosos ativos, saudáveis, com altos níveis educacionais e com ótima qualidade de vida.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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