Você fala ‘juridiquês’?

DF – Brasilia – 11/04/2018 – STF Session HC Palocci and Maluf – STF Ministers judge this Wednesday, April 11, Habeas Corpus do Palocci and Maluf. Photo: Mateus Bonomi / AGIF

Em um tempo em que ministros do STF viraram celebridades, advogados e juristas debatem uso excessivo de termos técnicos do Direito

Por Gilberto Porcidonio | ODS 8 • Publicada em 23 de maio de 2018 - 08:07 • Atualizada em 23 de maio de 2018 - 13:43

DF – Brasilia – 11/04/2018 – STF Session HC Palocci and Maluf – STF Ministers judge this Wednesday, April 11, Habeas Corpus do Palocci and Maluf. Photo: Mateus Bonomi / AGIF
Sessão do STF: desde o Mensalão, audiência da TV Justiça cresce e juízes passaram a ser reconhecidos nas ruas. Foto: Mateus Bonomi / AGIF/AFP
Sessão do STF: desde o Mensalão, audiência da TV Justiça. Foto: Mateus Bonomi / AGIF

Milhares de brasileiros têm acessado a televisão para ver o que acontece na casa mais vigiada do Brasil. Não, não falamos do BBB, mas do Legislativo. Com a efervescência política que  tomou o país desde o início do julgamento do Mensalão no STF, em 2012 (intensificada com a Operação Lava Jato,  deflagrada em 2014), as sessões da turma da capa preta têm atraído todas as atenções. Porém, será que todos os brasileiros conseguem entender ipsis litteris tudo o que é dito ali?

Chamado popularmente de “juridiquês”, o uso exagero de termos técnicos da linguagem do Direito utilizados por advogados e juízes – que abusam do latim e da norma culta – já ganhou inimigos que não são de agora. Em 2005, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) chegou a lançar uma campanha para combater essa prática indiscriminada, em que alguns magistrados têm se destacado: na Bahia, o juiz Teomar Almeida de Oliveira, ao julgar o caso da posse de um acordeon, deu sua sentença com um poema.

O brasileiro médio deve entender o que é dito sem que a linguagem usada nas casas legislativas e tribunais se transformem em um instrumento de dominação e opressão

Chefe da Consultoria Legislativa do Senado, Roberta Assis escreve peças para os parlamentares em Brasília. Para ela, parte do trabalho de um consultor legislativo – que elabora minutas de projetos de lei, minutas de pareceres e notas informativas – é ser capaz de traduzir os discursos para uma estrutura simples e direta, acessível a todo e qualquer cidadão, sem que o texto perca muito do sentido.

“O brasileiro médio deve entender o que é dito sem que a linguagem usada nas casas legislativas e tribunais se transformem em um instrumento de dominação e opressão. Esse, ao menos na consultoria legislativa do Senado Federal, é um objetivo a ser perseguido – nem sempre alcançado, é verdade – em todo trabalho elaborado. Se o texto for muito complicado, hermético, não alcança o objetivo principal que é comunicar, com clareza, ideias e ideais. Ainda mais quando pensamos que muitos desses textos destinam-se a se tornar leis, portanto, têm que ser claros e não suscitar dúvidas. É esse o ideal que perseguimos”, explica Roberta.

Além desse objetivo, a jurista espera que os profissionais das leis entendam que falar difícil não é sinônimo de qualidade ou sofisticação. “Alcançar os propósitos de aplicar a lei adequadamente e de bem servir à sociedade passa pela necessidade de compreensão. ‘Falar difícil’ não mostra superioridade ou importância, somente mantém isolamento e cisão, e isso empobrece o próprio processo de construção da legislação e da jurisprudência”.

O minstro do STF Luís Roberto Barroso: reconhecido nas ruas,
O ministro do STF Luís Roberto Barroso: reconhecido nas ruas. Foto: Mateus Bonomi / AGIF

No Rio de Janeiro, a advogada e mestranda pela UFRJ Roberta Araujo, que também já trabalhou como juíza leiga (a responsável por realizar a audiência e fazer um projeto de sentença, que depende do ok do juiz para a publicação), considera o combate ao chamado juridiquês essencial para o acesso efetivo à justiça. Ela já presenciou casos de réus que, por conta dessa linguagem de acesso restrito, nem entenderam se foram condenados, ou não. Assim, o canal que criou no Youtube, em parceria com o  irmão, chamado Justa Causa, busca levar esse conhecimento de forma acessível. Em pouco tempo, já tem mais de mil inscritos.

“Não há problema algum com o uso de termos jurídicos. O que eu critico é o uso excessivo e desnecessário. É tirar aquele ‘formalismo’ em excesso e explicar, de fato, o que ocorre. Tive que explicar muito o que ocorreu no caso do Lula, por exemplo. Os leigos não conseguem assistir, ao vivo, ao julgamento na TV Justiça justamente pelo vocabulário. Nem entendem o que ocorre”, diz a advogada.

O canal também realiza entrevistas e explica casos que são divulgados de forma errada, principalmente, nas redes sociais, como o do auxílio reclusão. “Existem pessoas que ouvem e repetem, de forma errada, que ‘é melhor ser preso, porque lá eles não fazem nada e recebem’. Fazemos um trabalho social, de conscientização e de divulgação dos direitos das pessoas”.

A audiência da TV Justiça supera, em muitos casos, a das emissoras tradicionais, tornando os juízes famosos. Temos ministros do Supremo Tribunal Federal sendo reconhecidos nas ruas

Professor da Uerj, o ex-desembargador do TJ-RJ Luis Gustavo Grandinetti acompanha esse processo de se democratizar os termos. Segundo ele, uma mudança mais efetiva vai levar tempo, pois a própria velocidade do Direito é outra. “A gente acaba naturalizando os termos jurídicos, até por conta do trabalho. Com eles, os colegas da área jurídica explicam facilmente algo que, com outras palavras, levariam mais tempo. O problema surge quando os termos jurídicos passam a ser usados fora, aí há que se fazer um esforço para  usar termos os que já são compreendidos. Isso vai levar algum tempo, até porque a minoria dos tribunais é que é televisionada. No arroz com feijão, o juridiquês predomina”, explica.

Luis Gustavo também salienta que os juízes do supremo, mais midiáticos, são os que mais demonstram essa preocupação de falar para o público em geral. Esse interesse nasceu quando as sessões passaram a ganhar mais visibilidade graças, justamente, ao Escândalo do Mensalão. “A audiência da TV Justiça supera, em muitos casos, a das emissoras tradicionais, tornando os juízes famosos. Temos ministros do Supremo Tribunal Federal sendo reconhecidos nas ruas, como o Marco Aurélio (de Mello) e o (Luís Roberto) Barroso. Os mais antigos não têm essa preocupação em ser mais coloquiais, são bem mais técnicos”, esclarece.

Roberta Araújo: "Não há problema algum com o uso de termos jurídicos. O que eu critico é o uso excessivo e desnecessário".  Foto: Acervo Pessoal
Roberta Araújo: “Não há problema algum com o uso de termos jurídicos. O que eu critico é o uso excessivo e desnecessário”.  Foto: Acervo Pessoal

JURIDIQUÊS BÁSICO (fonte: Roberta Araujo)

1- Data vênia: “Com a devida licença”, expressão respeitosa, utilizada quando o magistrado vai argumentar, contrariando a opinião exposta.

2- Termo a quo:  termo inicial, o dia do início da contagem do prazo.

3- Bis in idem: no direito penal, significa ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato. No Brasil, temos o princípio do “ne bis in idem” – ninguém pode ser processado ou condenado mais de uma vez pelo mesmo fato.

4- Caput: “cabeça” do artigo, parte superior. Ex: Artigo 121 do Código Penal: “Matar alguém” – caput do artigo.

5- Decisão com efeito ex nunc: a aplicação da decisão se inicia a partir daquele momento, ela não tem caráter retroativo.

6- Ex officio: “de ofício”. O juiz, em determinadas situações, emite decisões/determina que se realizem alguns atos “de ofício”, sem precisar de pedido do autor ou do réu para fazê-lo.

7- Habeas data: ação constitucional que garante o direito à informação ou retificação de dados de uma pessoa, que constem em banco de dados de entidades do governo ou de caráter público.

8- Litisconsórcio: quando há pluralidade de partes. Mais de um autor (litisconsórcio ativo), mais de um réu (litisconsórcio passivo) ou mais de um autor e mais de um réu (litisconsórcio misto).

9- Ulterior: posterior

10- Cônjuge supérstite: viúvo/viúva

Gilberto Porcidonio

É repórter do jornal "O Globo" e sociólogo em formação pela PUC-Rio. Especializa-se em cultura e questões raciais. Como poeta, mantém o alter-ego Frederico Latrão e, como escritor, é um dos autores da coletânea "Larica Carioca", sobre os quitutes dos bares do Rio de Janeiro, além de manter o blog 'O Títere'.

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