Brasil é semifinalista na ‘Copa da Desigualdade’

A Gávea e a Rocinha, lado a lado, no Rio: crise climática afeta ricos e provas, mas agenda urgente não circula pela população. Foto Custodio Coimbra

Assim como futebol, país tem histórico de destaque no ranking da concentração de renda

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 8 • Publicada em 18 de junho de 2018 - 08:59 • Atualizada em 21 de junho de 2018 - 13:29

A Gávea e a Rocinha, lado a lado, no Rio: crise climática afeta ricos e provas, mas agenda urgente não circula pela população. Foto Custodio Coimbra
A desigualdade vista do alto, no Rio de Janeiro, uma das maiores cidades do país. Foto Custódio Coimbra
A desigualdade vista do alto, no Rio de Janeiro, uma das maiores cidades do país. Foto Custódio Coimbra

O Brasil é o único país que participou de todas as copas do mundo de futebol e quase sempre ocupou um lugar no alto do ranking das melhores seleções do planeta. Mas esse não é o único destaque do país, pois, também no campo da concentração de renda, o Brasil nunca deixou de estar presente no pódio das nações mais desiguais do globo.

Assim como no futebol, onde temos rivais poderosos em nossas fronteiras, a excepcionalidade brasileira na distribuição de renda é compartilhada pelos vizinhos da América Latina e Caribe (ALC), reconhecidamente, o continente mais desigual do mundo. O gráfico abaixo, disponibilizado no site “Our World in Data”, mostra que a ALC é a região do mundo com os maiores índices de desigualdade de renda, quando medido pelo Índice de Gini, que varia entre zero (nenhuma desigualdade) e um (desigualdade total).

Nos próximos anos, com os efeitos indesejáveis da crise econômica, o Brasil pode subir ainda mais neste ranking e ocupar, juntamente com a África do Sul, a lamentável posição de finalista do campeonato mundial de desigualdade

Nota-se que a América Latina, com Gini em torno de 0,50, está no topo da má distribuição de renda durante todo o período compreendido entre 1988 e 2013. A África Subsaariana vem em segundo lugar com o Gini oscilando em torno de 0,45 durante os 25 anos em questão. Os países do Leste Asiático e Pacífico (com alto peso da China) apresentam um Gini em torno de 0,40. Os países do Oriente Médio e Norte da África tinham Gini em torno de 0,40 em 1988, caindo para algo em torno de 0,35 em 2013, enquanto os países do Sul da Ásia (com alto peso da Índia) tinham Gini ao redor de 0,30 em 1988, subindo para 0,35 em 2013. Ou seja, a desigualdade está caindo ligeiramente na região do Oriente Médio e Norte da África e subindo no Sul da Ásia. Nos países da Europa Oriental e da Ásia Central o Gini estava em torno de 0,25 em 1988 e subiu para a casa dos 0,30 em 2013. Nos países industrializados, o Gini ficou em torno de 0,30 durante todo o período, mas com uma leve tendência de alta.

Olhando para dentro do continente mais díspar do planeta, observa-se que o Brasil é um dos países mais desiguais entre os desiguais da ALC. O Índice de Gini no Brasil estava em 0,553 em 1981, diminuiu para 0,532 na época do congelamento de preços do Plano Cruzado, subiu para 0,613 na hiperinflação do governo Sarney e caiu para algo em torno de 0,570 nos primeiros anos do Plano Real. No início dos anos 2000 o Gini brasileiro começou a declinar consistentemente e chegou a 0,505 em 2012, próximo da média da ALC. Portanto, a desigualdade da renda pessoal (medida pelas pesquisas domiciliares) caiu nos primeiros anos do século XXI no Brasil, mas ainda assim, continua uma das maiores da ALC e uma das maiores do mundo.

Arte/Fernando Alvarus

As estimativas de desigualdade de renda geralmente não são perfeitamente comparáveis entre os países e as diferentes regiões do mundo. Mas a despeito das limitações e da comparabilidade das informações estatísticas, o mapa abaixo fornece um rico panorama das heterogeneidades globais. Os dados mostram que a ALC e a África Subsaariana se destacam como as regiões mais desiguais do mundo, enquanto o sudeste asiático e os países mais ricos, têm níveis de renda, consistentemente, mais igualitários.

O mapa abaixo mostra um padrão de heterogeneidade semelhante ao anterior, mas usando uma medida alternativa de desigualdade: a parcela da renda total apropriada pelo topo dos 10% mais ricos da população. O Brasil, África do Sul, Ruanda e Zâmbia aparecem com bastante destaque como os quatro países onde os 10% mais ricos da população disputam as semifinais do campeonato mundial da concentração de renda.

Segundo dados do Banco Mundial, considerando o Índice de Gini captado pelas pesquisas domiciliares, entre 2014 e 2015, os dez países mais desiguais do mundo são estes apresentados na tabela abaixo. Nota-se que o Brasil, mesmo com a redução do Índice de Gini nos últimos anos ainda continua participando com destaque do seleto clube dos países com maior concentração de renda.

A tabela, os gráficos e os mapas acima mostram que o Brasil, sempre no topo, é uma espécie de “Real Madrid” da concentração de renda global. No período do superciclo das commodities, entre 2003 e 2013, quando os preços favoráveis dos produtos exportados possibilitaram o crescimento da economia, do emprego e da renda, parecia que o país estaria virando o jogo e reduzindo seus níveis extremos de desigualdade, pelo menos como indicavam as pesquisas domiciliares.

Todavia, as pesquisas amostrais realizadas nas residências têm limitações bem conhecidas, especialmente no que diz respeito às informações sobre os rendimentos dos mais ricos. Artigo de Pedro Souza e Marcelo Medeiros, publicado pelo IPEA, em 2017, com base nos dados do imposto de renda de pessoas físicas e aplicando uma metodologia semelhante à utilizada no projeto “World Inequality Database”, liderado pelo economista francês Thomas Piketty, mostra que os dados da Pesquisa Domiciliar por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, tendem a subestimar as desigualdades de renda e podem ter acentuado a queda do índice de Gini brasileiro nos anos 2000.

Assim, o trabalho realizado pelos autores conclui que a concentração de renda entre os mais ricos é superior àquela apontada pelos dados da PNAD. Enquanto as pesquisas domiciliares indicavam que a fração recebida pelo 1% mais rico na pirâmide de renda brasileira caiu de 14,8% para 12,9%, entre 2006 e 2014, as estimativas fundamentadas nos dados tributários mostram percentuais mais altos e mais estáveis: de 22,4%, tanto no início quanto no fim do período.

Desta forma, com estabilidade ou com uma pequena queda no índice de Gini, o fato é que o Brasil continua com uma escandalosa concentração de renda. E a desigualdade não é uma boa base para o desenvolvimento e a segurança pública. Como disse o sociólogo Wright Mills, em 1956, “a renda fornece poder e o poder proporciona liberdade”. Portanto, o alto índice de Gini é um inimigo da justiça social, do bem-estar e da democracia.

O Brasil, mesmo convivendo com alta iniquidade pública e privada, se orgulha de estar na liderança das oito nações que já venceram pelo menos uma Copa do Mundo de Futebol e entra em campo para disputar o hexa campeonato na Copa de 2018. Mas, com os efeitos indesejáveis da crise econômica contemporânea, se não tomar cuidado, pode subir ainda mais neste ranking e ocupar, juntamente com a África do Sul, a lamentável posição de finalista do campeonato mundial de desigualdade.

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

Newsletter do #Colabora

Um jeito diferente de ver e analisar as notícias da semana, além dos conteúdos dos colunistas e reportagens especiais. A gente vai até você. De graça, no seu e-mail.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *