A revolução organizada

O democrata Bernie Sanders em um dos muitos selfies que fez na campanha de 2016. Foto Scott Olson/Getty Images/AFP

Zack Exley, ex-consultor de Bernie Sanders, explica o casamento da mobilização política com a tecnologia digital

Por Florência Costa | ODS 8 • Publicada em 7 de abril de 2018 - 10:55 • Atualizada em 7 de abril de 2018 - 15:00

O democrata Bernie Sanders em um dos muitos selfies que fez na campanha de 2016. Foto Scott Olson/Getty Images/AFP
O democrata Bernie Sanders em um dos muitos selfies que fez na campanha de 2016. Foto Scott Olson/Getty Images/AFP
O democrata Bernie Sanders em um dos muitos selfies que fez na campanha de 2016. Foto Scott Olson/Getty Images/AFP

Bernie Sanders é uma daquelas poucas figuras que perde mas sai ganhando. A campanha do senador socialista americano mobilizou, em 2016, centenas de milhões de voluntários em torno de ideias radicais para os padrões das campanhas americanas e deixou uma série de lições positivas para políticos do campo progressista de todo o mundo, inclusive para o Brasil de 2018, que esquenta os seus motores para a campanha presidencial de outubro.

A revolução não será feita com pessoal pago. Nunca haverá dinheiro suficiente para pagar todos os organizadores que precisamos. A boa notícia é que há líderes voluntários mais do que suficientes

Visto como carta fora do baralho desde o começo das primárias do Partido Democrata, Sanders surpreendeu e por pouco não venceu a disputa contra Hillary Clinton, a grande favorita inicial.  Ela levou a indicação, mas engoliu uma derrota amarga para Donald Trump na corrida para a Casa Branca. Já Bernie Sanders deixou o campo de batalha de cabeça erguida, com o crédito de ter conseguiu mobilizar um verdadeiro exército de voluntários extremamente motivados pelas suas promessas de fazer uma revolução política e realizar mudanças radicais. Mais ainda: o voluntariado em campo, que desempenhou tarefas importantes, usou o que tinha de mais novo na tecnologia digital. Foi um casamento de sucesso.

Capa do livro de Zack Exley, ex-consultor político de Bernie Sanders. Foto Reprodução
Capa do livro de Zack Exley, ex-consultor político de Bernie Sanders. Foto Reprodução

A infraestrutura tecnológica chave da campanha de Sanders usou softwares gratuitos e livres como, Google Apps, grupos do Facebook e o Slack, este último um instrumento de conexão e colaboração para grupos muito usado por empresas. E tudo isso gerenciado por milhares de apoiadores que trabalhavam para organizar eventos e reuniões decisivas, presenciais ou virtuais. Os voluntários atuavam sob a liderança de poucos funcionários pagos da campanha.  

Zack Exley, ex-consultor político e tecnológico de Sanders que esteve recentemente no Brasil, explicou – em uma entrevista ao #Colabora – como esse tipo de mobilização pode ser poderosa se aplicada ao ativismo social e a campanhas políticas locais ou nacionais. Mesmo sem dinheiro, como foi o caso da do senador de Vermont. Especialista em mobilizações e em internet, Exley lançou – juntamente com a colega Becky Bond – um livro que detalha as lições de ouro da ousada campanha de Bernie Sanders: “Rules for Revolutionaries: How Big Organizing Can Change Everything”. Em tradução livre, Regras para Revolucionários: como a grande organização pode mudar tudo. A obra faz parte de uma onda recente de livros que trazem ensinamentos de organização de movimentos como Occupy Wall Street.

“Até o fim de nossa campanha cerca de 100 mil voluntários fizeram mais de 75 milhões de ligações para eleitores, deslancharam oito milhões de mensagens de texto, e realizaram mais de 100 mil reuniões públicas e comícios. Muitas tecnologias que usamos não existiam seis meses antes de começarmos”, conta o ex-assessor do senador socialista. Exley lembra que os movimentos sociais demoram para utilizar as tecnologias disponíveis: levaram anos para usar as ferrovias em suas atividades, por exemplo. O telefone já existia há décadas até ser utilizado em campanhas políticas. “Hoje, com a internet, pode-se construir ferramentas, costurá-las, unir um imenso grupo de pessoas. E estamos apenas iniciando esse caminho, estamos arranhando a superfície. O potencial do uso dessas tecnologias para a mobilização política e social será ilimitado no futuro”, aposta.

A Grande Organização (Big Organizing) foi um nome que nós demos para a nossa tentativa de unificar essa vasta massa de voluntários distribuída pelo país e uni-la em um grupo que pudesse ganhar votos”, disse. Em uma grande organização como aquela, os líderes entre voluntários salpicavam aos milhares em salas de aula, prisões, escritórios e comunidades. “Aprendemos que os voluntários estavam só esperando receber tarefas grandes. Se você pedir a eles que façam pequenas coisas, eles não vão participar, terão coisas melhores para fazer com o seu tempo”, contou.

Das 22 regras do livro de Zack Exley, uma das mais importantes é: a Revolução não será feita com pessoal pago. Foto Reprodução
Das 22 regras do livro de Zack Exley, uma das mais importantes é: a Revolução não será feita com pessoal pago. Foto Reprodução

Das 22 regras do livro, uma das mais importantes é: a Revolução não será feita com pessoal pago. “Nunca haverá dinheiro suficiente para pagar todos os organizadores que precisamos. A boa notícia é que há líderes voluntários mais do que suficientes”, disse. Outra lição fundamental, especialmente para jovens organizadores que cresceram com a internet: telefonar. “Foi incrivelmente difícil fazer os jovens pegar nos telefones e estabelecer relacionamentos pessoais com os líderes”, lembra Exley.

Uma lição que segundo o consultor de Sanders não pode ser esquecida é a de que não se consegue fazer uma revolução se você não pedir por uma. E foi o que o senador fez, propondo mudanças profundas do alto de sua credibilidade. “Bernie Sanders se auto-identifica como socialista desde os anos 70 e isso o beneficiou porque lhe deu credibilidade. Um imenso número de americanos estava pronto para uma política mais radical do que o Partido Democrata oferecia.

Sanders – que segundo as últimas pesquisas é o político mais popular do país e derrotaria Trump em uma eventual disputa – prometeu lutar por ensino gratuito, saúde pública universal, acabar com o aprisionamento em massa de negros. “A grande organização raramente trabalha em torno de uma única questão. Nossas lutas estão todas conectadas. Precisamos dialogar com todos sobre nossos grandes ideais e por isso é preciso usar a tecnologia de ponta para atingir muitos e permitir que milhares de pessoas desempenhem papéis de liderança”, disse Exley.

Com 74 anos em 2016 o senador atraiu milhões de jovens para sua proposta de revolução política (não armada, claro), que ele repetia há anos. Mais jovens votaram neste senador septuagenário nas primárias do que na ex-secretária de Estado Hillary Clinton e em Donald Trump juntos. Os progressistas – diz Exley – têm que exigir as mudanças que querem ver acontecer e que vão fazer diferença para a vida da maioria, e não se limitar apenas às promessas de mudanças que o sistema diz ser possível. A ousadia é um ingrediente precioso na arte de se conquistar um exército de voluntários para uma campanha política ou social.

Florência Costa

Jornalista freelance especializada em cobertura internacional e política. Foi correspondente na Rússia do Jornal do Brasil e do serviço brasileiro da BBC. Em 2006 mudou-se para a Índia e foi correspondente do jornal O Globo. É autora do livro "Os indianos" (Editora Contexto) e colaboradora, no Brasil, do website The Wire, com sede na Índia (https://thewire.in/).

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